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TRABALHO A área de Recursos Humanos enfrenta o dilema da agilidade e da diversidade propiciadas pelas plataformas de inteligência artificial e os desafios de manter o processo de recrutamento e seleção ainda humanizados.
por 02/08/2021 publicado emASSIM como aconteceu com outras áreas, a pandemia também intensificou a digitalização da área de Recursos Humanos (RH) dentro das empresas. De uma hora para a outra, os processos de admissão, demissão, recrutamento e seleção passaram para o ambiente on-line, e a área também se viu responsável por auxiliar os colaboradores na transição para o trabalho remoto, por inovar em pacotes de benefícios para o “novo normal”, dentre outras ações bastante estratégicas para as organizações.
Tal cenário alavancou também os negócios de empresas que vendem tecnologias de inteligência artificial para processos de recrutamento e seleção com a promessa de tirar do encargo dos profissionais de RH as tarefas mais operacionais. As ferramentas funcionam a partir de aprendizado de máquina (machine learning, em inglês) e, a partir de dados imputados no sistema, como questionários aplicados com todos os colaboradores, são propensas a triar e selecionar currículos de pessoas com o mesmo perfil ou mais “parecidas” com a cultura da empresa.
É o caso da Gupy, uma das líderes de mercado nesse segmento. A empresa possui mais de 60 mil vagas publicadas todos os meses, mais de 20 milhões de usuários registrados na plataforma e cerca de 5 milhões de candidaturas a vagas mensalmente. “Nossa inteligência artificial ajuda a contratar a pessoa certa de forma ágil para que o RH seja mais estratégico. Graças a todas estas soluções, ajudamos a economizar em média 50% no tempo de fechamento de vagas, 80% no esforço operacional do RH e 30% na rotatividade de pessoal”, diz Guilherme Dias, cofundador da Gupy.
No entanto, apesar da inovação, o mercado de RH, pelo que parece, anda bem dividido sobre os reais benefícios de utilizar inteligência artificial em processos de contratação de pessoas. Líder de RH em uma grande empresa do setor alimentício, Marcos Ono decidiu estudar o assunto em sua dissertação de mestrado pela Fundação Getúlio Vargas.
“Todos os headhunters (profissionais que buscam candidatos qualificados no mercado) com os quais conversei falam que esse vai ser o maior fator de transformação nessa área nos próximos anos. As empresas muito grandes utilizam mais tecnologia, assim como a tecnologia tem um peso maior para cargos de entrada. No entanto, no caso de recrutamento de executivos o uso cai, pois aqui no Brasil o critério mais forte é o cultural, dos valores etc.”
Camila Machado é gerente geral de gente em uma grande empresa e atua com RH há 21 anos. A profissional diz acreditar que para algumas organizações muito grandes e com muitos ciclos de contratação e após muitos dados inseridos nas plataformas, elas possam ser mais assertivas, mas questiona de forma contundente a “velocidade” dos processos vendida pelas plataformas. “Na minha experiência, quanto mais rápido fazemos o processo, mas rápido é o insucesso. O custo da cadeira vazia é alto, mas no fim percebo que quando fazemos o processo muito rápido, a gente erra, porque faz parte do conhecimento da empresa e do candidato um tempo para que conversem, explorem etc.”
Essas ferramentas vendem a possiblidade de contratações, além de ágeis, também com menos vieses, propiciando mais diversidade. Em alguns casos, as ferramentas podem ajudar, de fato, contribuindo para que a triagem dos currículos seja menos subjetiva, levando para o funil de contratação pessoas que não são conhecidas por sua etnia, orientação sexual, deficiências físicas etc. No entanto, Camila salienta que mesmo com o auxílio da tecnologia, a etapa final dificilmente não irá envolver uma entrevista com interação. “Isso pode ser um ganho marginal, mas não dá certo para tudo e nem para todas as posições.”
OUTRA PERSPECTIVA
E para quem está do “outro lado”, como é enfrentar um processo seletivo automatizado?
Amanda Carvalho precisou buscar por recolocação profissional recentemente e em um curto período participou de mais de 60 processos seletivos on-line, com a oportunidade de interagir com diversas dessas plataformas tecnológicas de recrutamento e seleção. “São muitas as etapas e todas as convocações são por e-mail. Quando você chega numa terceira ou quarta etapa, você sabe que tem o perfil e competências para aquele tipo de vaga e, por alguma razão, por algum crivo tecnológico, você não permanece no processo. E aí você recebe um feedback on-line também, com aquelas palavras iguais para todos. Então, a minha percepção é de que o RH se desumanizou”, argumenta. No primeiro processo em que Carvalho foi convocada para uma entrevista “presencial”, foi contratada. Para ela, o processo gera um sentimento enorme de frustração para as pessoas, que são excluídas dos processos com muitos “nãos” e sem um feedback humanizado para compreender como pode ser melhor.
Amanda Carvalho conta ainda sua experiência sobre a robotização dos recursos humanos na rede social LinkedIn e já obteve mais de 22 mil curtidas na publicação. Pela confirmação do público, parece que a percepção da profissional resume bem o novo cenário: “O RH deve reinventar o processo seletivo em grande quantidade, mas não somente com ferramentas de agilidade. É preciso pensar numa forma de ser também mais humanizado”.
Texto originalmente publicado na Revista Cidade Nova edição de Agosto 2021.
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