Presbíteros |
2. «Empresto ao Senhor minha voz».
Familiaridade com a Palavra e disponibilidade para as almas.
A Eucaristia “reúne em si todos os mistérios do cristianismo. Celebramos, por tanto, a ação mais sagrada e transcendente que os homens, pela graça de Deus, podemos realizar nessa vida” (São Josemaría, Conversaciones, n. 113). O sacerdote empresta a sua voz ao Senhor, de modo inefável ao pronunciar as palavras da consagração, que permitem que a força de Deus Pai, Filho e Espírito Santo realize o prodígio da transubstanciação. A eficácia dessas palavras não está no sacerdote, mas em Deus. O sacerdote, por si mesmo, não poderia dizer eficazmente “isto é o meu corpo”, “este é o cálice do meu sangue”: pois não se produziria a conversão do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo. Isto, que sucede de modo extraordinário durante a celebração eucarística, no momento mais sublime da vida do sacerdote, pode-se estender analogamente a toda sua vida e seu ministério.
A eficácia da palavra do sacerdote – na pregação, na celebração dos sacramentos, na direção espiritual e no trato com as pessoas – provém do mesmo princípio: emprestar sua voz ao Senhor.
a) Familiaridade com a voz de Deus;
Emprestar ao Senhor a própria voz requer confiança nEle, requer escutar a voz de Deus e incorporá-la na própria vida. Para adquirir essa familiaridade, São Josemaría indica dois caminhos imprescindíveis: a vida de oração e o estudo. O Sacerdote deve dedicar tempo para estudar e meditar a Sagrada Escritura e a aprofundar sua formação teológica, para que ressoe fielmente a voz de Cristo, que fala em sua Igreja.
“A pregação da palavra de Deus exige vida interior: devemos falar aos demais das coisas santas, ex abundantia enim cordis, os loquitur (Mt 12, 34); da abundância do coração, fala a boca. E junto com a vida interior, estudo: (…) Estudo, doutrina que incorporamos na própria vida, e que somente assim saberemos dar aos demais do modo mais conveniente, acomodando-nos as suas necessidades e circunstâncias com dom de línguas” (São Josemaría, Carta 8-VIII-1956, n. 25).
O povo cristão está sedento da voz de Deus. E o sacerdote não pode decepcionar esses santos desejos. No mundo de hoje, no qual abunda a confusão, é necessário que o sacerdote seja o porta-voz fiel da Palavra divina: ter vida interior e estudar a doutrina, deve assegurar que a pregação não seja eco de outras vozes que não são de Cristo. Seguir confiadamente o Magistério é garantia que Cristo seja escutado na Igreja e no mundo. São Josemaría animava também aos sacerdotes a pedir luzes ao Espírito Santo, para serem somente instrumentos seus, pois é o Paráclito quem atua no interior da alma (cf. Santo Tomás, STh II-II, q 177, a. 1c.). Emprestar a voz a Deus significa também que o sacerdote não prega sobre si mesmo, mas sim de Cristo Jesus, Nosso Senhor (cf. 2Co 4, 5), fazendo eco do Evangelho. Deste modo, a eficácia da pregação virá do Senhor mesmo.
“Das palavras de Jesus Cristo bem expostas, claras, doces e fortes, cheias de luz, pode depender a solução do problema espiritual de uma alma que os escuta, desejosa de aprender e a determinar-se. A palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração (Hb 4, 12)” (São Josemaría, Carta 8-VIII-1956, n. 26).
De alguma maneira, o sacerdote deve aspirar a mesma intimidade com a Palavra de Deus que teve Santa Maria. Bento XVI, a propósito do Magnificat, “completamente costurado pelos fios tomados da Sagrada Escritura”, descreve era familiaridade da Virgem nos seguintes termos: “Fala e pensa com a Palavra de Deus, a Palavra de Deus se converte em sua palavra, e sua palavra nasce da Palavra de Deus. Assim se manifesta, além disso, que seus pensamentos estão em sintonia com o pensamento de Deus, que o seu querer é um querer com Deus” (Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, n. 41).
O Santo Padre vai mais além, ao sinalar que a Virgem, “ao estar intimamente penetrada pela Palavra de Deus, pode converter-se em mãe da Palavra encarnada” (Ibid.). algo parecido acontece com o sacerdote; São Josemaría dizia, referindo-se à Eucaristia que, assim como Nossa Mãe trouxa uma vez ao mundo a Jesus, “os sacerdotes o trazem a nossa terra, a nosso corpo e a nossa alma, todos os dias” (São Josemaría, Homilia Sacerdote para a eternidade, 13-IV-1973).
Emprestar ao Senhor a voz requer humildade: calar opiniões pessoais em questões de fé, moral e disciplina eclesiástica quando são dissonantes; não apegar-se às próprias ideias, buscar a união com desejos de servir. É necessário que o sacerdote fale aos homens de Cristo, comunique a doutrina de Cristo como fruto da própria vida interior e do estudo: com santidade pessoal e conhecimento profundo da vida dos homens e das mulheres do seu tempo.
b) Disponibilidade para emprestar a voz ao Senhor;
Emprestar a voz requer também disponibilidade. São Josemaría não se cansou de pedir aos sacerdotes que dedicassem tempo na administração do perdão divino. Para que a voz misericordiosa de Deus chegue às almas através do sacramento da Reconciliação, é necessária uma condição, quase óbvia, porém fundamental: estar disponíveis para atender os que se aproximam. Seria um erro pensar que, no nosso mundo, suporia uma perda de tempo. Seria equivalente a fechar a boca de Deus, que deseja perdoar por meio de seus ministros. São Josemaría tinha bem experimentado que, quando o sacerdote, com constância, um dia após o outro, dedica um tempo a esta tarefa, estando fisicamente no confessionário, esse lugar de misericórdia termina por encher-se de penitentes, embora ao princípio não venha ninguém. Assim descrevia a um grupo de sacerdotes diocesanos em Portugal, em 1972, o resultado de perseverar nessa tarefa.
“Não os deixarão viver, nem podereis rezar nada no confessionário, porque vossas mãos ungidas estarão, como as de Cristo – confundidas com elas, porque sois Cristo – dizendo: eu te absolvo. Amai o confessionário. Amai-o, amai-o”! (São Josemaría, Anotações de uma reunião com sacerdotes diocesanos em Enxomil (Oporto), 10-V-1974).
São Josemaría tinha uma fé vivíssima na verdade real de que o sacerdote é Cristo, quando diz: “eu te absolvo”. Com grande sentido sobrenatural e com sentido comum, dava conselhos muito práticos, para que a dignidade do sacramento não se obscurecesse, para que fosse um canal limpo da voz de Jesus Cristo. Por isso amava o confessionário. Entendia que, utilizando esse tradicional instrumento, fomentam-se as disposições adequadas – tanto do penitente como do confessor – para facilitar a sinceridade e o tom sobrenatural próprio de uma realidade sagrada.
“Deus nosso Senhor conhece bem a minha e a vossa debilidade: somos todos nós homens correntes, porém Cristo quis converter-nos num canal que faça chegar as águas de sua misericórdia e de seu Amor a muitas almas” (São Josemaría, Carta 8-VIII-1956, n. 1).
Falava da administração do sacramento da Penitência como um exercício deleitável e uma paixão dominante do sacerdote. Sem dúvida, as horas diárias dedicadas a confessar, “com caridade, com muita caridade, para escutar, para advertir, para perdoar” (Ibid., n. 30) fazem parte de esse ocultar-se e desaparecer, tão eficaz para fazer presente a Cristo nas pessoas e nos ambientes onde vivem.
Ao confessar, o sacerdote – no seu papel de juiz, mestre, médico, pai e pastor – experimenta a necessidade de dar doutrina clara, ante as dificuldades que se apresentam na vida dos penitentes. Consciente disso, São Josemaría fomentou entre os presbíteros um vivo afã de conservar e melhorar a ciência eclesiástica, “especialmente a que necessitais para administrar o sacramento da Penitência” (Ibid., n. 15). “Procurai – escrevia em uma oração a sacerdotes – dedicar um tempo do dia – embora sejam somente alguns minutos – ao estudo da ciência eclesiástica” (Ibid.). Com este fom, impulsionou também encontros, convívios, reuniões para os presbíteros, etc.
O renascer da prática da confissão sacramental é um dos grandes desafios do mundo atual, que necessita redescobrir o sentido do pecado e experimentar a alegria da misericórdia de Deus. O sacerdote, estando disponível para celebrar o sacramento da Reconciliação, e procurando – mediante a oração e o estudo – que suas ideias estejam em sintonia com a doutrina da Igreja, é absolutamente insubstituível.
Os fiéis leigos devem sentir também a responsabilidade de levar seus colegas, parentes e amigos ao sacerdote, para que possam “escutar a voz de Deus” e receber seu perdão. A colaboração entre leigos e sacerdotes, neste campo, é especialmente importante na sociedade de hoje.
São Josemaría entendia que o sacerdote, também na tarefa de direção espiritual, é um instrumento para fazer chegar às almas a voz de Deus; nesta tarefa não deve sentir-se nem “proprietário”, nem modelo: “O modelo é Jesus Cristo; o modelador, o Espírito Santo, por meio da graça. O sacerdote é o instrumento, e nada mais” (Ibid., n. 37). A direção, outra das paixões dominantes de São Josemaría, não consiste em mandar, mas em abrir horizontes, sinalizar obstáculos, sugerindo os meios para vencê-los, e impulsionar ao apostolado. Animar,, em definitiva, a que cada um descubra e queira cumprir o desígnio de santidade que Deus tem para ele.
Isto é possível se o mesmo sacerdote está convencido de que propor a busca da santidade é levar as pessoas à felicidade. Esta persuasão surge da luta do presbítero pela própria santificação, é fruto do amor à vontade de Deus e é necessária para combater o pensamento laicista, que tende a excluir a Deus do horizonte da felicidade humana.
+ Javier Echevarría / Prelado do Opus Dei
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