Tertuliano de Cartago | Veritatis Splendor |
IV
“Seja feita a tua vontade no céu e na
terra”
1. Prosseguindo a oração,
acrescentamos: “Seja feita a tua vontade no céu e na terra”. Não
pensamos que alguém possa impedir que se faça a vontade de Deus, e por isso
pedimos-lhe a realização da sua vontade. O que pedimos é que a vontade de Deus
se realize em todos os homens. Nesta expressão figurada, o céu é nosso
espírito, e a terra é nosso corpo.
2. Se, entretanto, devemos entender de
modo mais simples, é idêntico o sentido dessa súplica. Pedimos que se faça em
nós a vontade de Deus na terra, a fim de que possa realizar-se em nós
igualmente no céu. Que é que Deus quer, senão que andemos conforme os seus
ensinamentos? Pedimos, pois, que ele nos leve a aceitar o que ele quer e nos dê
o poder de assim agir, para que sejamos salvos tanto no céu como na terra. Pois
o que Deus mais quer é a salvação daqueles que adotou como filhos.
3. Também é segundo a vontade de Deus o
que fez o Senhor, pregando, agindo e sofrendo. Na verdade, ele mesmo o
diz: “Eu não faço a minha vontade, mas a vontade do Pai” (cf. Jo 6,38). É, pois, fora de dúvida que ele
fazia a vontade do Pai. E agora ele nos convida a fazer o mesmo que ele, de
modo que também nós preguemos a palavra de Deus, trabalhemos e suportemos o
sofrimento até à morte. Mas, para podermos agir desse modo, precisamos de
aceitar a vontade de Deus.
4. Dizendo, pois, “Seja feita a
tua vontade”, desejamos o melhor para nós mesmos, pois não há mal algum na
vontade de Deus, mesmo se ele pune alguém por seus pecados que o contrapõem, de
certo modo, ao que é santo.
5. Além disso, com essas palavras, criamos coragem para suportar o sofrimento. O próprio Senhor, na iminência da paixão, para mostrar em sua carne a fraqueza da nossa, assim disse: “Pai, se queres, afasta este cálice” (Lc 22,42). Mas, depois, lembrado da sua oração, acrescentou: “Não se faça a minha, mas a tua vontade”. Ele é a vontade e o poder do Pai. Mas, para mostrar como devemos sofrer por causa dos nossos pecados, entregou-se à vontade do Pai.
V
“Venha o teu Reino”
1. Este pedido, como o anterior, refere-se
a nós e significa: “Venha em nós o teu Reino”. Mas, quando é que
Deus não reina, ele que “tem nas mãos o coração de todos os reis”?
(Pr
21,1). Na verdade, quando nós desejamos
algo de bom a Deus o pedimos, e a ele atribuímos alcançar tudo quanto
esperamos. Deste modo, se a realização do reino do Senhor se funda na vontade
de Deus e em nossa atitude, como podem alguns querer para o mundo certas
delongas, se o Reino de Deus, que rogamos, tende à consumação do mundo? Nosso
maior desejo é reinar quanto antes e não continuar escravos por mais tempo!
2. Mesmo, pois, que não constasse da
oração esse pedido, “Venha o teu Reino”, nós o teríamos feito
espontaneamente, na ânsia de abraçar as alegrias esperadas (cf. Hb 4,11).
3. As almas dos mártires, sob o altar,
clamam ao Senhor, com impaciência: “Até quando, Senhor, tardarás a
vingar o nosso sangue contra os habitantes da terra”? (Ap 6,10). Sim, é fora de dúvida que Deus decidiu
vingá-los no fim do mundo.
4. Venha, pois, Senhor, quanto antes o
teu Reino, a fim de se cumprir o desejo dos cristãos, para confusão dos pagãos
e alegria dos anjos. É para se cumprir tua vontade que estamos abatidos, que
lutamos e, sobretudo, que oramos.
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