Tertuliano de Cartago | Veritatis Splendor |
XI
Como devemos orar?
1. A lembrança dos preceitos divinos
abre à oração o caminho do céu. Deles, o primeiro consiste em que não subamos
ao altar de Deus, sem antes nos reconciliarmos com um irmão, caso haja entre
nós e ele motivo de discórdia ou ofensa. Que sentido teria apresentar-se à paz
de Deus, sem estar em paz com o irmão? Buscar a remissão das próprias dívidas,
sem abrir mão das alheias? Como aplacar o Pai, se guardar raiva contra o irmão?
De fato, Deus nos proíbe toda ira, mesmo apenas esboçada.
2. Lembremo-nos de José. Ao despedir os
irmãos para que lhe trouxessem o pai, recomendou-lhes: “Não se deixem
levar pela ira, no caminho” (Gn 45,24). Com isso, ele nos deu, também a
nós, um conselho. Com efeito, a nossa maneira de viver é chamada de “caminho”
(cf. At
9,2). Assim, quando vamos pela estrada da
oração, não devemos caminhar para o Pai com sentimentos de cólera.
3. Daí vem que o Senhor, de modo bem explícito, ampliando o conteúdo da Lei de Moisés, sobrepõe ao homicídio a ira contra o irmão. Ele não permite nem mesmo uma palavra má. Se for, porém, inevitável ficar encolerizado, nossa ira não vá além do pôr-do-sol, como nos adverte o Apóstolo (cf. Ef 4,26). É, pois, temerário, passar o dia inteiro sem orar, enquanto te recusas a perdoar teu irmão, ou então, perder a tua oração perseverando em cólera.
XII
Oremos com o coração puro
1. Devemos estar livres não somente da cólera, mas de toda perturbação da alma, quando nos entregamos à oração, que há de ser feita com um espírito semelhante ao Espírito ao qual se dirige. Um espírito não purificado não pode ser reconhecido pelo Espírito Santo. Nem um espírito triste pelo alegre Espírito de Deus. Nem um espírito perturbado, pelo Espírito da liberdade (cf. 2 Cor 5,17). Ninguém acolhe um adversário; hospeda-se apenas um amigo.
XIII
Puro seja o coração
1. De resto, que motivo temos para
lavar nossas mãos antes de ir orar, se o nosso espírito está imundo? Até as
nossas mãos precisam de ser espiritualmente lavadas, a fim de que se levantem
incontaminadas de mentira, de violência, de crueldade, dos atos de
envenenamento, de idolatria e de outras manchas que brotam do coração e se
realizam pelas mãos. É esta a verdadeira pureza (cf. 1Tm
2,8; Mt
15,20). Não se trata daquelas abluções que a
maior parte das pessoas observa supersticiosamente para orar. Mesmo se acabam
de vir de um banho completo, usam a água.
2. Como eu refletisse com a maior atenção o sentido dessa praxe, ocorreu-me à lembrança o gesto de Pilatos, lavando as mãos ao entregar o Senhor à condenação (cf. Mt 27,24). Quanto a nós, adoramos o Senhor; não o traímos. Devemos agir de maneira contrária ao exemplo do traidor e não lavar as mãos, a não ser por alguma contaminação própria da condição humana e da qual outros têm conhecimento. De resto, estão já bastante limpas as mãos que, em Cristo, lavamos uma vez por todas, junto com todo o corpo.
XIV
1. Israel, embora lave todo dia o
corpo, não está, contudo, purificado. Suas mãos estão sempre impuras,
eternamente manchadas com o sangue dos profetas e com o do próprio Senhor. Por
isso, os israelitas, culpados hereditariamente dos mesmos crimes de que tinham
consciência os seus pais, não ousam levantar as mãos para o Senhor, de medo do
clamor de um Isaías e de causar horror a Cristo. Quanto a nós, porém, não só as
levantamos, mas as estendemos e, assim, imitando o Senhor na sua paixão,
confessamos o Cristo com a nossa oração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário