Tertuliano de Cartago | Veritatis Splendor |
XV
Costumes reprováveis
1. Uma vez que tocamos num exemplo de
prática vazia de sentido religioso, vale a pena apontar outras, que por sua
inutilidade merecem justa censura, e são privadas de qualquer ensinamento de
autoridade do Senhor ou de um preceito apostólico. Tais costumes não pertencem
a uma religião verdadeira, mas à superstição. São pretenciosos e exagerados,
expressões de um culto mais indiscreto do que espiritual, e devem, com certeza,
ser reprimidos, pela própria semelhança com os cultos pagãos.
2. É o caso, por exemplo, de alguns que antes de orar tiram o manto, como fazem os pagãos quando vão cultuar seus ídolos. Se fosse preciso agir desta maneira, os Apóstolos, ao ensinarem o modo de se vestir durante a oração, teriam incluído este uso; a não ser que alguém pense que Paulo deixou o seu manto em casa de Carpo (cf. 2Tm 4,13), por tê-lo tirado para a oração. Será que Deus não escuta pessoas vestidas com o manto, se ouviu a prece daqueles três santos que na fornalha do rei da Babilônia oravam com suas vestes e turbantes?
XVI
Fatos erradamente tomados como ritos
1. O mesmo vale para o costume, que
alguns têm, de se assentar, logo que termina a oração. Não consigo perceber a
razão disso; é pueril. Que dizer então? Se o célebre Hermas, autor do livro
intitulado “Pastor”, depois de sua oração, não se tivesse sentado no leito, mas
tivesse feito outra coisa, exigiríamos que se tomasse isto como observância
obrigatória? Certamente não.
2. Com efeito, o texto em que
diz: “Depois de ter orado, e de me ter assentado sobre o leito”,
deve ser entendido simplesmente como parte da narração e não como disciplina da
oração.
3. Do contrário, seria impossível
adorar a Deus, senão onde houver leitos
4. Mais ainda, agiria contra aquela
obra, quem se assentasse numa cadeira ou num banco.
5. Se, pois, os pagãos se comportam
desta forma, assentando-se depois de adorar suas estatuetas, tal uso merece
censura entre nós, por ocorrer em rituais celebrados diante dos ídolos.
6. A isto se acrescenta a acusação de irreverência, que os próprios pagãos deveriam entender, se tivessem um mínimo de sabedoria. Se, com efeito, se considera desrespeitoso assentar-se alguém diante duma pessoa pela qual tem o maior respeito e veneração, quanto mais será irreligioso assentar-se em face do Deus vivo, ante o qual o anjo da oração se mantêm de pé? Ou estaríamos reclamando diante de Deus, por que a oração nos é fatigante?
XVII
Orar com humildade
1. Na verdade, quando oramos com
modéstia e humildade tornam-se recomendáveis diante de Deus as nossas preces.
Nem levantemos muito alto as mãos, mas de modo sóbrio e correto, para que o
rosto não se erga com arrogância.
2. Lembremo-nos daquele publicano, que
orava a Deus com humildade não só nas palavras, mas também com o rosto
inclinado para a terra, e saiu justificado, ao contrário do fariseu cheio de
insolência (cf. Lc 18,9-14).
3. É preciso que manifestemos submissão
também pelo tom da voz. De quantos pulmões precisaríamos, se fosse pela altura
do som da voz que Deus nos ouve? Deus, em verdade, escuta, não a voz, mas o
coração, até onde penetra o seu olhar.
4. O demônio do oráculo de Delfos assim
falou: “Eu compreendo o mudo e escuto o que não fala”. Será que os
ouvidos de Deus precisam de sons? Como pôde a oração de Jonas chegar ao céu, do
fundo das entranhas da baleia? Como pôde passar através das vísceras de tão
grande animal e subir ao céu, dos abismos do mar, através da grande massa de
águas? (cf Jn 2,1-11).
5. Que lucram aqueles que oram com voz
mais gritante, senão incomodarem os vizinhos? Além disso, expondo ás claras seu
pedido, nada de menos fazem do que ostentar publicamente que estão orando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário