Tertuliano de Cartago | Veritatis Splendor |
XXI
O uso de um véu
1. Mas não podemos deixar de tratar de
um assunto observado de modo variável nas igrejas, como se não fosse questão
definida: devem ou não as virgens usar véu?
2. Aqueles que permitem às virgens
andar com a cabeça descoberta, parecem basear-se no fato de que o Apóstolo, ao
prescrever a obrigatoriedade do véu, designa as mulheres em geral, não as
virgens nomeadamente. Paulo, dizendo mulheres, não se teria
referido ao sexo feminino em geral, mas a uma categoria de pessoas, as mulheres
casadas (cf. 1Cor
11,6-15).
3. Se, com efeito, nomeasse o sexo
feminino em geral, suas prescrições abrangeriam toda mulher, sem exceção. Mas,
como se refere só a uma categoria, a omissão exclui a outra.
4. Podia, com efeito – dizem alguns – ou referir-se às virgens, de modo especial ou, senão, falar de mulheres em geral, como um todo.
XXII
O véu é prescrito por São Paulo
1. Os que fazem tal concessão, devem
repensar o sentido da própria palavra. Que significa o termo mulher,
desde as primeira letras da Sagrada Escritura? É o nome genérico do sexo
feminino, e não de uma categoria especial. Assim é que Deus chamou Eva de mulher,
já antes que ela se unisse ao homem (cf. Gn 2,21-25; 5,2). Mulher para
o gênero globalmente, e esposa para determinada categoria, de
modo especial. Se, pois, ele dá o nome de mulher a Eva, mesmo
ainda inupta, o termo mulher se tornou aplicável também à
virgem. Não é, pois, de se admirar que o Apóstolo, movido pelo Espirito que
inspira toda a Sagrada Escritura, inclusive no livro do Gênesis, tenha usado a
mesma palavra, isto é, mulher, que, a exemplo de Eva, convém
igualmente a uma virgem.
2. O restante, aliás, concorda com
isso. Pelo fato de não nomear as virgens, ao contrário do que faz ao ensinar
sobre o matrimônio (cf. 1Cor 7,34),
Paulo indica suficientemente que se refere a todas as mulheres e ao sexo
feminino em geral, sem fazer distinção entre mulher e virgem, que de todo não
cita. Aquele que em outro lugar se lembrou de distinguir, quando a diferença o
exigia (e ele usou dois vocábulos diferentes para distinguir as duas
categorias), não quer que se veja diferença, quando ele não distingue nem se
refere a duas categorias.
3. Que dizer do fato de que na língua
grega, em que Paulo escreve suas cartas, é costume usar o termo gynaikas (mulheres)
em vez de theleías, em latim feminas? Se, deste modo,
aquele termo é habitualmente usado para indicar todo o sexo feminino, e pode
ser traduzido em latim por femina, é claro que, dizendo gynaika (mulher),
quis nomear todo o sexo feminino, no qual estão compreendidas igualmente as
virgens.
4. Mas há um pronunciamento de Paulo
bem evidente: “Toda mulher que estiver em oração e profetizar com a
cabeça descoberta desonra a sua cabeça” (1Cor
11,5). Que significa “toda mulher”, senão
mulher de qualquer idade, de qualquer ordem, de qualquer condição? Dizendo
“toda” , ele não exclui qualquer categoria de mulher, como não exclui qualquer
homem da proibição de velar a cabeça. Por isso, com efeito, diz: “Todo
homem” (1Cor
11,4). Como, pois, relativamente ao sexo
masculino, com a expressão “todo homem”, Paulo proíbe até aos mais jovens usar
véu, igualmente, para o sexo feminino, com o termo mulher, obriga
até a virgem a cobrir-se com o véu. Em ambos os sexos, os de menor idade devem
seguir a disciplina dos maiores. Do contrário, obrigaríamos os rapazes ainda
virgens do sexo masculino a usar véu, se não são as mulheres virgens obrigadas
a isso, visto que os rapazes não são nominalmente citados. Se há distinção
entre mulher e virgem, também existe entre homem e rapaz.
5. Com certeza, diz Paulo que as
mulheres devem usar véu por causa dos anjos (cf. lCor 11,10), porque os anjos
se afastaram de Deus por causa das filhas dos homens (cf Gn 6,2). Quem poderá responsabilizar só as
mulheres adultas, já casadas e privadas da virgindade, de excitarem a
concupiscência, a não ser que se negue que as virgens são mais belas e atraem
enamorados? Vejamos mesmo se os anjos não desejaram senão as virgens, já que a
Escritura diz “filhas dos homens”, quando podia nomear
indiferentemente as esposas dos homens ou as mulheres.
6. Igualmente, ao dizer: “E as
tomaram por esposas” (Gn 6,2), a Escritura quer dizer que são
recebidas como esposas as mulheres ainda não casadas. Se não fossem mulheres
núbeis, usaria de expressão diferente. Uma mulher é disponível para contrair
casamento se é viúva ou virgem. Assim, usando o termo “filhas” inclui nessa
expressão genérica uma categoria especial.
7. Quando diz o Apóstolo que a própria
natureza ensina que as mulheres devem usar véu, pois a sua cabeleira lhes serve
de cobertura e ornamento, não podemos, acaso, concluir que também às virgens
foi determinada semelhante cobertura e ornamento? Se é vergonhoso para uma
mulher raspar a cabeça, o mesmo é para a virgem.
8. Se existe uma única condição para a
cabeça da mulher, há uma única disciplina, inclusive para aquelas virgens que
ainda têm a proteção da infância. Já desde pequenina, a menina é chamada de
mulher. Foi assim, de resto, a observância do povo de Israel. Mas mesmo que
nele não se observasse esse costume, a nossa lei, que amplia e completa a dele,
exigiria para si esse acréscimo, impondo às virgens o uso do véu. Escuse-se
dessa norma aquela idade que ainda ignora o sexo. Que ela goze do privilégio da
simplicidade infantil. Todavia, Eva e Adão, logo que começaram a conhecer o bem
e o mal, ocultaram sem demora o que descobriram (cf. Gn 3,7). Assim também, as meninas que passaram
da infância, do mesmo modo que obedecem à natureza, obedeçam também à
disciplina. Ao se desenvolver o corpo, começam também as funções da mulher.
Nenhuma menina é mais virgem, desde que se pode casar, porque então a idade a
desposou a um varão, isto é, ao tempo [da puberdade].
9. Mas pode alguém objetar: Uma jovem
se consagrou a Deus. Apesar disto, à medida que cresce, ela muda de penteado e
todos os seus vestidos, à maneira feminina. Fale com toda gravidade e mostre-se
à altura de uma virgem. Se algo esconde por causa de Deus, proteja-o
completamente. Se vivemos sob o olhar complacente de Deus, interessa-nos que só
a ele nos confiemos, de modo somente dele conhecido, a fim de não recebermos do
homem o que só de Deus esperamos. Por que, então, descobrir diante de Deus o
que velas diante dos homens? Serás, por acaso, mais recatada na rua do que na
igreja? Se é graça de Deus [a tua virgindade] e, como diz Paulo, a “recebeste,
por que te glorias, como se não tivesses recebido”? (1Cor
4,7). Por que te mostras ostensivamente e
julgas assim as outras? Ou, acaso, pensas que com a tua vaidade, convidas as
outras para o bem? Na realidade, se te glorias, corres o risco de te perderes,
e forças as outras a correrem o mesmo perigo. Facilmente se destrói o que se
assume com desejo de glória. Cobre-te do véu, ó virgem, se és virgem; deves
enrubescer-te. Se és virgem, não suportes o olhar de muitos. Ninguém possa
olhar com admiração a tua face; ninguém perceba em ti uma farsa. Se velas a tua
cabeça, finges ser casada. Mas, a bem dizer, não estás mentindo, pois és esposa
de Cristo. A ele consagraste a tua carne; vive, pois, segundo a disciplina do
teu esposo. Se ele ordena que usem véu as esposas alheias, quanto mais as suas!
10. Mas objetam: Ninguém deve mudar o
que foi instituído por seu antecessor. Muitos aprovam com sua prudência um
costume instituído por outro e reconhecem essa tradição. Mas, admita-se que as
jovens não sejam obrigadas a trazer o véu; não se deve, contudo, impedir que o ponham
aquelas que o quiserem. E se também as virgens não podem negar o que são,
contentem-se em gozar da certeza de que Deus está ciente da sua virtude. Quanto
àquelas que se desposarem, posso declarar com certeza, a meu critério, que elas
devem usar o véu, desde o dia em que pela primeira vez tocaram o corpo do seu
esposo e tremeram pelo beijo e pelo aperto da mão direita. Para tais mulheres,
tudo já é matrimônio: a idade, porque já são maduras; a carne, porque já têm
idade de casar-se; pelo espírito, porque conscientes de tudo; pelo pudor,
porque experimentaram o beijo; a esperança, porque estão na expectativa das
núpcias; a mente, porque querem o casamento. Baste-nos o exemplo de Rebeca:
apenas indicado o seu futuro esposo, já se toma esposa à notícia de sua chegada
e logo se cobre do véu (cf. Gn 24,65).
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