Tertuliano de Cartago | Veritatis Splendor |
XXVI
A acolhida fraterna
1. Ao irmão que entra em tua casa, não
o despeças sem uma oração. “Viste teu irmão, viste o Senhor”,
conforme se diz vulgarmente. Sobretudo, se for um peregrino. Pode ser um anjo
(cf. Hb 13,2).
2. Mas também tu, se fores recebido por irmãos, não prefiras os prazeres terrenos aos celestes. Nisto se julgará acerca de tua fé. De outro modo, como poderás, segundo o preceito, dizer: “Paz a esta casa” (Lc 10,5), se não trocas o ósculo da paz com os seus moradores?
XXVII
Aleluias e salmos na oração
1. Os que oram com maior empenho costumam acrescentar às suas orações o Aleluia e salmos de louvor, cujos finais permitem aos presentes ajuntar responsórios. É ótima atitude apresentar a Deus, como hóstia agradável, uma oração assim enriquecida reconhecendo a majestade e a honra divinas.
XXVIII
A oração em espírito e verdade
1. Nossa oração é hóstia espiritual que
aboliu os sacrifícios precedentes (cf. 1Pd 2,5; Hb 13,15). Com efeito, disse Deus: “Que
me importam os vossos sacrifícios todos? Estou enjoado dos vossos holocaustos
de carneiros e não quero a gordura dos cordeiros nem o sangue dos touros e dos
bodes. Quem, aliás, pediu tais coisas das vossas mãos?” (Is 1,11-12).
2. O Evangelho nos ensina o que Deus
exige de nós: “Virá a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e verdade. Deus, de fato, é espírito” (Jo 4,23-24), e portanto, deseja tais
adoradores.
3. Somos nós os verdadeiros adoradores
e os verdadeiros sacerdotes (cf. Ap 1,6; 5,10; 20,6) porque oramos em espírito
(cf 1Cor
14,15; Ef 6,18), e oferecemos a Deus nossa oração
como um sacrifício que lhe agrada, que ele aceita, a hóstia que ele previamente
pediu e escolheu.
4. Esta é a hóstia a levarmos ao altar
de Deus, consagrada de todo o coração, alimentada pela fé, adornada pela
verdade, íntegra pela inocência, pura pela castidade, coroada pela caridade,
com um séquito de boas ações, entre salmos e hinos. Por ela, obteremos tudo da
parte de Deus.
XXIX
Eficácia da oração
1. À oração em espírito e na verdade,
que poderá Deus negar, se é ele mesmo que a exige? Nós lemos, ouvimos dizer e
cremos, com inúmeras provas da sua eficácia! Outrora, a oração libertara do
fogo (cf. Dn 3,25-30), das feras
(cf. Dn 6,17-25) e da fome (cf Dn 14,37) e, no entanto, ainda não recebera do
Cristo a forma devida. Entretanto, quanto mais eficaz é a oração cristã! Ela
não faz descer o anjo que proporciona orvalho ao meio das chamas (cf. Dn 3,49-50), nem fecha a boca dos leões, nem
leva aos famintos o alimento de camponeses (cf. Dn 14,33-39). Ela não nos dá a graça de não
sentirmos o sofrimento, no entanto, confere a força da paciência aos que
sofrem, se afligem, experimentam a dor. Com essa força, ela aumenta a graça, a
fim de que os crentes saibam o que esperar do Senhor, conscientes de sofrerem
por seu nome.
2. Além disso, outrora a oração pedia
flagelos (cf. Ex
7,10), desbaratava exércitos inimigos
(cf. Ex
17, 8-15), impedia chuvas benéficas (cf. 1 Rs
17,1). Agora, porém, a oração dos justos afasta a ira de Deus, põe-se em vigílias
pelos inimigos, suplica pelos perseguidores. É, acaso, de admirar, que faça
descer águas do céu a oração que pôde obter chamas de fogo (cf. 2Rs
1, 10-14)? Só a oração consegue vencer a Deus,
mas Cristo não quis que ela fizesse mal, e lhe conferiu plena eficácia para o
bem. Por isso, de nada ele quis saber senão de fazer voltar à vida as almas dos
mortos, que já caminhavam pela estrada da morte, de devolver forças aos fracos,
de curar doentes, de purificar possessos, de abrir portas dos cárceres e
quebrar cadeias dos inocentes. É ainda essa oração que lava os pecados, repele
as tentações, extingue as perseguições, dá coragem aos covardes, alegra os
fortes, conduz à casa os peregrinos, acalma as ondas do mar, faz medo aos
malfeitores, alimenta os pobres, governa os ricos, levanta os que caíram,
mantém firmes os que vacilam, conserva os que estão de pé.
3. A oração é o baluarte da fé, nela
temos as armas e os dardos contra o inimigo que nos espreita de todos os lados.
Assim, pois, jamais andemos desprevenidos. De dia, lembremo-nos de estar de
prontidão; à noite, recordemo-nos das vigílias. Guardemos com as armas da
oração a bandeira do nosso imperador, e orando esperemos a trombeta do anjo.
4. Oram também todos os anjos, oram
todas as criaturas, oram os rebanhos e as feras que dobram os joelhos. Quando
saem dos estábulos e tocas, olham para o alto, levantam a cabeça e não fecham a
boca, mas gritam, fazendo vibrar o ar, cada qual conforme a sua natureza. Até
as aves despertam, elevam-se para o céu, asas abertas – mãos estendidas – uma
cruz. Qualquer coisa sussurra. Seria oração. Que mais dizer sobre o dever da
oração? O próprio Senhor também orou. A ele, glória e poder pelos séculos dos
séculos!
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