5 de setembro foi escolhido pois no ano de 1850, neste mesmo dia, o Príncipe D. Pedro II decretou a criação da Província do Amazonas (atual Estado do Amazonas) |
Não
podemos esquecer que a grandeza e a riqueza, tanto biológica como cultural,
existentes na Floresta Amazônica fazem com que a mesma seja considerada um
patrimônio nacional e internacional, ainda que sua soberania pertença ao
território das nações onde geograficamente o bioma está relacionado. A
Constituição Brasileira (Cap.225) afirma que a Floresta Amazônia é um
patrimônio do Brasil.
Padre Josafá Carlos de Siqueira, SJ - Reitor e
professor da PUC-Rio
A Amazônia é um grande bioma que está presente
geograficamente em vários países da América do Sul, principalmente no Brasil,
onde representa 40% do território nacional. Este bioma é citado no capítulo
primeiro da "Encíclica Laudato Si'", do Papa Francisco, quando ele
comenta o que está acontecendo com a nossa casa comum, em particular, sobre a
perda da biodiversidade (L.S.38). Lendo a Encíclica com os olhos voltados para
a Amazônia, entendemos a força de expressão na afirmação do Papa Francisco,
quando explicita que esta região é considerada um pulmão do planeta, tanto por
razões biológicas, como climáticas. A vasta extensão geográfica do bioma (que
ocupa cerca de seis milhões de quilômetros quadrados, sendo 70% destes no
território brasileiro), cuja riqueza de sua megabiodiversidade começou em
tempos geológicos remotos, com o soerguimento dos Andes, a regressão do mar na
Bacia Amazônica, as mudanças nos cursos dos rios e a migração da flora e da
fauna da América Central e da Floresta Atlântica. A chamada Hileia Amazônica,
que compreende vários ecossistemas florestais e campestres, é responsável pela
maior acumulação de carbono do planeta, como também pela liberação do oxigênio
resultante da fotossíntese. Embora a floresta libere também CO2, sobretudo
quando ela é queimada, a produção de oxigênio da floresta viva ainda é bem
maior. O pulmão climático controla os ventos e os regimes da chuva, garantindo
a distribuição pluviométrica em regiões próximas e distantes. Alterações e
mudanças deste pulmão climático poderão acarretar grandes problemas
socioambientais. Na perspectiva antropológica, sociológica e teológica, podemos
entender por que a "Laudato Si´" considera a Amazônia como um lugar
especial para o planeta e o futuro da Humanidade. Primeiro, por ser uma região
de grandeza continental, possuindo a maior bacia hidrográfica do mundo (sete
milhões de quilômetros quadrados), a maior floresta tropical do planeta, a
maior biodiversidade da Terra e a maior concentração de povos indígenas do
mundo. Ali, podemos vislumbrar o ideal de uma ecologia integral, pois os aspectos
ambientais, econômicos, sociais e culturais estão imbricados na relação entre o
ecológico, o teológico e o antropológico.
Se existem na Amazônia escalas de grandezas
consideráveis, também vamos encontrar diferentes olhares humanos sobre esta
região, muitos dos quais incompatíveis com as perspectivas ética e teológica.
Um olhar mitológico de território vazio e potencialmente inesgotável, não
corresponde a um espaço que sempre foi ocupado pelos povos tradicionais e por
milhares de seres vivos que ali vivem, cujo potencial das riquezas existentes
são esgotáveis, sobretudo se continuarmos explorando de maneira insustentável
as suas reservas minerais e biológicas. Também não cabe para a região um olhar
mecanicista e utilitarista, que vê a Amazônia como patrimônio promissor para as
geopolíticas e para os modelos de ocupação desordenados, motivando as migrações
ilegais, a biopirataria, a grilagem de terras, a derrubada das matas, as
contínuas queimadas e a aplicação de modelos agrícolas e econômicos não adequados
à realidade ambiental, climática e social da região. Por trás destes olhares
distorcidos também encontramos perspectivas preocupantes, como a visão da
natureza como objeto de exploração, a quebra das relações entre povos nativos e
as florestas, o enriquecimento de grupos que não têm compromisso com a
sustentabilidade socioambiental, o desrespeito pela obra do Criador e os
direitos das criaturas, o tráfico de plantas e animais nativos, o
descompromisso com os bens comuns de toda a Humanidade e, finalmente, a falta
de uma visão mais sistêmica de uma ecologia integral, conforme nos exorta a
"Laudato Si´".
Não podemos esquecer que a grandeza e a riqueza,
tanto biológica como cultural, existentes na Floresta Amazônica fazem com que a
mesma seja considerada um patrimônio nacional e internacional, ainda que sua
soberania pertença ao território das nações onde geograficamente o bioma está
relacionado. A Constituição Brasileira (Cap.225) afirma que a Floresta Amazônia
é um patrimônio do Brasil.
No entanto, dada a sua importância para todo o
planeta Terra, nos últimos anos, pelas crises dos recursos hídricos, a
diminuição da biodiversidade, o crescimento da extinção de espécies e as
mudanças climáticas, tem se levantado a discussão de que a Floresta Amazônia é
um bem de caráter universal que presta um serviço à toda Humanidade, sendo,
portanto, um patrimônio da casa comum planetária. Não podemos negar que o
grande território Panamazônico, que envolve sete países, é o único lugar do
planeta onde se concentram as duas grandes riquezas: a cultural e a ambiental.
Isto não se vê mais em nenhuma parte do planeta Terra. Quanto à riqueza de
recursos hídricos, a região Panamazônica detém 15-20% de toda a água doce do
planeta, manancial fundamental para a sobrevivência dos ecossistemas, das
espécies da fauna e da flora, e da saúde e subsistência da espécie humana. Como
eticamente a água é considerada um bem de caráter universal que não pode ser
privatizado e apropriado unicamente por um país, a riqueza hídrica Panamazônica
passa a ter uma relevância para o futuro da Humanidade, sobretudo com o aumento
da escassez da água em escala mundial, intensificando os conflitos e guerras
pela disputa deste bem da natureza. Tratando-se da megabiodiversidade da região
Panamazônica, que abriga 15% das espécies existentes no planeta, a relação
entre o caráter nacional e internacional da Floresta Amazônica é um pouco mais
complexo. Primeiro porque o conceito de soberania geopolítica não se aplica
integralmente às espécies da fauna e da flora, pois tanto no passado geológico,
como na história atual, os gêneros e as espécies têm ligações biogeográficas
com outros continentes e ecossistemas extraterritoriais. As rotas migratórias e
os processos de especiação e dispersão vão além das fronteiras das nações, pois
muitos animais migraram ou chegaram à floresta pelas ligações
intercontinentais. O mesmo ocorre com algumas espécies de plantas, ora
intercambiando com as florestas tropicais da América Central, ora com a
floresta atlântica e as demais formações florestais.
Quando falamos do clima, que também é considerado
bem comum de caráter universal, e um patrimônio de toda a Humanidade, vamos
perceber que o mesmo está ligado a fatores e processos que vão além das
fronteiras nacionais. Os ventos alísios que sopram trazendo umidade para a
Floresta Amazônica são oriundos de outros lugares, muito além das fronteiras
geopolíticas. As poeiras que trazem partículas suspensas de fosfato que nutrem
o solo da floresta advêm dos desertos da África. Assim, as mudanças climáticas
que afetam e alteram os ciclos e a dinâmica da floresta passam a ser também um
desafio para toda a Humanidade, pois a sua grande escala rompe as fronteiras e
as soberanias, modificando e trazendo consequências nefastas nas escalas local
e global.
Finalmente, a Floresta Panamazônica pode ser
teologicamente considerada um patrimônio local e global de toda a Humanidade na
perspectiva criacional, pois foi o Criador que permitiu a evolução de todo o
bioma, dotando as espécies da fauna e da flora de amor, beleza e inteligência,
além de estabelecer uma aliança com todos os seres viventes, conforme os
relatos do Livro do Gênesis (Cap. 9). Sendo um patrimônio também de caráter
teológico, automaticamente é um patrimônio de toda a Humanidade, pois Deus, na
perspectiva da fé, é o sentido absoluto de tudo o que existe. Daí nasce o
compromisso do ser humano em administrar, nacional e internacionalmente, a obra
do Criador, não como donos e proprietários, mas como guardiões responsáveis
pelo direito da vida de todos os seres viventes que habitam a casa comum
planetária, seja os que compõem a territorialidade amazônica, como também todas
as demais territorialidades que integram os diversos biomas e ecossistemas do
planeta Terra. Neste sentido, antropologicamente, a Floresta Amazônica é uma
responsabilidade patrimonial dos brasileiros, dos países circunvizinhos e de
toda a Humanidade. Usar os recursos hídricos, minerais e biológicos de maneira
racional e sustentável é dever de todos, principalmente dos brasileiros que
detêm a maior parte da região Panamazônica.
Assim podemos entender a relevância de um Sínodo da
Igreja Católica sobre a Amazônia, realizado em Roma em outubro de 2019,
convocado e acompanhado pelo Papa Francisco. Apesar de se tratar de um evento
pastoral voltado para a evangelização, neste lugar nacional e
internacionalmente tão particular para o planeta, o Sínodo nos deixou um legado
de olhares, soluções e propostas da Igreja Católica, que há muitas décadas está
presente em vários espaços da grandiosa e complexa Amazônia.
Pela presença de muitas universidades católicas no
Brasil e em alguns países da América Latina, as nossas Instituições são
convidadas a darem uma contribuição sobre a Amazônia, abordando diversas áreas
do conhecimento científico. O olhar do mundo universitário, seja ele liberal ou
conservador, certamente enriquece as leituras, os conceitos, e as soluções
técnicas, contribuindo no diálogo entre ciência e fé.
Celebrar
o Dia da Amazônia é abrir-se aos desafios presentes e futuros, missão de todos
nós que somos guardiões da Criação, unindo esforços para proteger a casa comum
planetária, na busca de um desenvolvimento socioambiental verdadeiramente
sustentável para aquela região. Celebrar o Dia da Amazônia é assumir desafios e
os seguintes compromissos: 1) Pensar a Amazônia numa escala global, pois ela é
um território do planeta onde ainda se conservam as duas grandes diversidades
da Humanidade, a saber, a diversidade ecológica e ambiental, e a diversidade
antropológica e cultural; 2) Buscar mecanismos de desenvolvimento regional que
levem em conta as especificidades ambientais, sociais e climáticas da região,
sem perder a riqueza existente do patrimônio cultural e ambiental; 3) Valorizar
as bases produtivas locais, potencializando e abrindo-as para as demandas do
mercado nacional e internacional, dentro de modelos autossustentáveis; 4)
Diante dos desafios das mudanças climáticas, discutir e estabelecer políticas
que respeitem as soberanias dos territórios, o cumprimento das legislações
ambientais e o consenso entre o uso sustentável dos recursos da natureza e a
preservação da biodiversidade, pois a riqueza desse patrimônio é um legado que
Deus colocou em nossas mãos para ser administrado com cuidado, respeito e
responsabilidade; 5) Pensar a Amazônia na perspectiva ética, conservando os
bons hábitos e costumes dos povos da floresta, não corrompendo-os com os
paradigmas ideológicos da globalização que destrói as culturas locais com os
processos perversos de homogeneização cultural e perdas de valores
humanísticos, ambientais e religiosos; 6) Defender a Amazônia a partir do
paradigma da ecologia integral, pois ali se vislumbra um laboratório vivo para
os estudos da diversidade cultural e ambiental, dos processos de educação
ambiental, de modelos de sustentabilidade socioambiental e de uma ecoteologia
da Criação.
Fonte: Vatican News
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