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segunda-feira, 13 de setembro de 2021

ESTUDOS BÍBLICOS: «Como ler a Bíblia» (Parte 4/4)

Revista Paróquias

«Como ler a Bíblia»

Bispo Kallistos Ware
Trad. por Dra. Rosita Diamantopoulos

A Bíblia como Pessoal

Nas palavras de um dos primeiros ascetas do Ocidente Cristão, o Monge Marcos: "aquele que é humilde de pensamento e se engaja em um trabalho espiritual, ao ler a Sagrada Escritura, deverá ter tudo aplicado a ele mesmo, e não ao seu vizinho". Como cristãos ortodoxos devemos ter o mais possível de aplicação pessoal ao lermos a Sagrada Escritura, e não apenas perguntar o que Ela significa. Devemos perguntar-nos não apenas o que Ela significa, mas o que Ela significa para mim. A Escritura é um diálogo entre o Salvador e eu, é Cristo falando comigo e me respondendo. Este é o quarto critério em nossa leitura bíblica. Cabe a mim ver todas as histórias da Bíblia como fazendo parte da minha própria história. Quem é Adão? Esse nome significa "humano," homem, e a queda de Adão relatada no Antigo testamento também tem a ver comigo. É isso que Deus fala a Adão quando pergunta: "quem és Tu? Onde estás?" (Gênesis 3:9). Freqüentemente perguntamos onde está Deus, mas a real questão é que Deus nos perguntou primeiro onde estamos. Quando, na história de Caim e Abel lemos as palavras de Deus a Caim: "Onde está o seu irmão Abel?" (Gênesis 4:9), elas estão endereçadas a cada um de nós. Quem é Caim? Sou eu mesmo. E Deus pergunta ao Caim de cada um de nós onde está o nosso irmão. A maneira de permanecer em Deus passa através do amor a outras pessoas e não há outro modo. Desonrando o meu irmão, eu substituo a imagem de Deus com a marca de Caim, e renuncio à minha humanidade vital.

Lendo as escrituras, podemos atravessar três caminhos: Primeiro: a Escritura é uma História Sagrada, é a história da Palavra da Criação, a história do povo escolhido, a história do Deus encarnado na Palestina, e os trabalhos distribuídos após o Pentecostes. O Cristianismo encontrado na Bíblia não é uma ideologia, nem uma teoria filosófica, mas uma história de Fé.

Vamos tomar o segundo caminho: a história é apresentada na Bíblia como pessoal, vemos a intervenção de Deus em tempos e lugares específicos, a medida que Ele dialoga com as pessoas. Ele se dirige a cada um pelo nome. Nós podemos salientar os chamados específicos de Deus a Abraão, Moises e Davi, de Rebeca e Ruth, de Isaías e de seus profetas e, finalmente, a da Virgem Maria e dos apóstolos. Podemos perceber a seletividade da ação divina na história, não um escândalo, mas uma benção. O amor de Deus é universal, mas Ele escolhe encanar em um ser humano em particular, em um tempo particular e de uma Mãe em particular. Dessa forma, fica provada a unicidade de Deus em toda a Sagrada Escritura e a sua unicidade, também como fala a Sagrada Escritura.

O homem ama os aspectos da datação da Bíblia e a Ortodoxia tem uma intensa devoção à Terra Santa e aos lugares exatos onde Cristo viveu e ensinou, morreu e ressuscitou. Uma excelente maneira de aprofundar-se na Sagrada Escritura é peregrinar a Jerusalém e à Galiléia por onde Jesus andou. Ir ao Mar Morto, sentar-se sozinho em frente às pedras, sentir-se como Cristo sentiu-se durante os seus quarenta dias de tentação neste ambiente selvagem. Beber da mesma fonte frente à qual ele falou à Samaritana. Ir à noite ao Jardim de Getsêmani, sentar sobre as velhas oliveiras no escuro e olhar as luzes da cidade através do vale. Experimentar a plena realidade do cenário histórico, e ter a experiência de voltar no tempo em sua leitura Bíblica.

Aqui estamos prontos para o terceiro passo. Revendo a História Bíblica em suas particularidades, a aplicamos diretamente em nossas vidas, quando dizemos "estes lugares não estão distantes nem perdidos no tempo, mas fazem parte do meu encontro pessoal com Cristo! Essas histórias incluem-me!"

A traição, por exemplo, faz parte da vida pessoal de cada um de nós, não somos traídos em alguma parte de nossa existência e não sabemos o que é ser traído e, ainda mais, a memória destes acontecimentos ainda não está em nossa alma? Portanto, lendo o relato da traição de São Pedro a Cristo e a sua reparação após a ressurreição, podemos nos imaginar como atores na história. Considerando o que tanto Jesus como Pedro devem experimentado no momento imediato após a traição, entramos em seus sentimentos e fazemos com que sejam nossos. Eu sou Pedro: nesta situação como posso ser Cristo? Refletindo o processo de reconciliação de outra forma, vendo como Cristo ressuscitou para um amor devotado ao Pedro restaurado e vendo como Pedro, de seu lado, teve forças para aceitar essa restauração. Perguntamos a nós mesmos: como reajo ao Pedro traidor e ao Cristo que perdoa? E quanto às minhas próprias traições, estou preparado para aceitar o perdão alheio, estou preparado para perdoar a mim mesmo? Ou sou tímido, procuro esconder-me, e nunca estou pronto para nada, seja bom ou ruim? Como os nossos Patriarcas do Deserto disseram: "É melhor que alguém tenha pecado e se arrependido do que uma pessoa que não tenha pecado e se ache justa."

Já não ganhamos a constância de Nossa Senhora, de Maria Madalena, sua constância e lealdade, quando ela anunciou a falta do corpo de Cristo na tumba? (João 20:1). Eu ouvi o Salvador chamar-me pelo nome, como Ele a chamou, e respondi Raboni (Mestre) com sua simplicidade e plenitude? (João 20:16).

Lendo a Escritura desta forma, — na obediência, como um membro da Igreja de Cristo, encontrando Cristo em todos os lugares, vendo tudo como parte de sua história pessoal, podemos experimentar um pouco da profundidade encontrada na Bíblia. No entanto, devemos sempre imaginar que a nossa exploração Bíblica está apenas no começo. Somos como alguém timidamente atravessando o oceano em um bote.

"A tua Palavra é como um facho que ilumina meus passos e luz no meu caminho" (Sl 118 [119]: 105).

Fonte: https://www.ecclesia.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF