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Redação (29/10/2021 10:39, Gaudium Press) Ensina São Tomás de Aquino que, para o homem alcançar a união e conhecimento de Deus e das coisas sobrenaturais, é necessário o concurso de elementos sensíveis e corporais que, à maneira de sinal, excitem na alma práticas e atos de espiritualidade que o levem ao Criador.[1]
É por este motivo que a piedade católica foi paulatinamente enriquecendo a liturgia e o culto, consciente da influência que os elementos materiais exercem sobre a alma humana e suas paixões.
No campo da arte sacra, destaca-se a iconografia dos bem-aventurados como uma forma eficaz de apostolado, sobretudo se condizer realmente com a espiritualidade e a verdadeira fisionomia dos incontáveis homens que deram sua vida pela causa do Evangelho.
E os Anjos? O que conhecemos sobre estes seres espirituais que estão na presença do Altíssimo? Valendo-se de que meios o Cristianismo se dispôs a representa-los na arte sacra do modo como hoje os conhecemos?
Uma tradição milenar
Para compreender a iconografia cristã dos Anjos, temos de nos remontar a muito antes da fundação da Igreja, nos tempos do Antigo Testamento.
No livro do Êxodo lê-se que o próprio Deus ordenou a confecção de dois Querubins para a Arca da Aliança, os quais deveriam possuir aspecto de homem acrescidos de asas que cobririam o propiciatório;[2] nos livros de Isaías e Ezequiel ainda encontramos diversas alusões à aparência dos celestes personagens, sempre apresentados alados.[3]
Ademais, “o povo hebreu conheceu, por ocasião de seu cativeiro, tanto a civilização egípcia como a assírio-babilônica. Ambas tinham representações de seres alados, que influenciaram o povo hebreu em sua concepção dos Anjos.”[4]
Com o advento da Era Cristã, não obstante a forte influência do judaísmo que a impulsionou em seus primeiros momentos, os Anjos não foram mais representados como anteriormente.
Religiões como a greco-romana comumente plasmavam seres alados à maneira de Anjos, pelo que se omitiu esse elemento para não confundir os recém-convertidos. Exemplo disto é uma das mais antigas representações de Anjos: a de São Rafael junto a Tobias, na catacumba de Priscilla, na qual o aspecto de ambos em nada varia, ou em outros afrescos antigos, nos quais era costume ilustrá-los como senadores ou patrícios romanos.
À medida em que o Cristianismo ia se difundindo entre os povos europeus, a Igreja assumiu novamente a figura bíblica e tradicional dos Anjos. Sempre com aspecto jovial, tais representações estimulavam os fiéis em sua piedade e compreensão do mundo sobrenatural, e como este está próximo dos homens.
Idade Média, Renascença, Barroco…
Já em tempos da Idade Média, surgiu um novo estilo de arte — desta vez genuinamente cristão — na representação do mundo angélico, o qual personificou-se sobremaneira no Bem-aventurado João de Fiesole — o famoso Fra Angélico[5] —, que soube representar maravilhosamente os mais diversos aspectos e nuances das atividades dos Anjos, desde cenas como a Anunciação até os Anjos musicistas no Céu, exemplos tanto de destreza na arte como profunda piedade de alma. Até os meios utilizados para esta tarefa eram da melhor categoria possível, reservados apenas às obras sacras e negados às representações profanas.
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Contudo, na Renascença esvaneceu-se muito a influência medieval — que era, sem dúvida, reflexo do modo de ser autenticamente católico daqueles tempos.
Acentuadamente na arte barroca este câmbio fez-se sentir: “a criação estética, de tal forma foi esvaziada de espiritualidade que os Serafins e os Querubins se transformaram em simples figuras decorativas. A tal ponto esses anjinhos sagrados têm sido confundidos com as figuras de cupido, que foram representados com traços de uma criança gorducha. Estamos bem longe aqui dos seres celestiais das origens!”[6]
Longe de querer proscrever as inovações nas artes plásticas no período barroco, é mister apenas considerar como, a partir daí, a arte sacra não pôde mais representar adequadamente o gênio e piedade angélicas como antes, nem alcançar os objetivos pelos quais a arte foi introduzida na religião.
Mera tendência artística?
Generalizou-se, a partir de então, certo estilo de anjo infantil e notadamente pouco varonil, comumente representado em atitude mole e preguiçosa; curiosamente, o ser das trevas era — e ainda o é — plasmado com muito mais perspicácia e sagacidade do que seu antagônico celeste; e isto sem considerar como posteriormente ainda seriam representados…
Mais do que mero feitio artístico, este processo revela a existência de um desvio na própria concepção que o homem forjou sobre o mundo angélico: os Anjos fazem parte de uma esfera imaginária, infantil, onde vivem os que não sabem ver a realidade como ela é, e à qual se acoplam os piedosos; falsidades como estas vão ganhando força de dogma às custas de uma arte aparentemente inócua.
A arte possui não apenas o poder sobre a sensibilidade humana, mas toca nas paixões mais íntimas, capazes de levar o homem a aceitar certas verdades, deforma-las ou simplesmente esquecê-las. Vivendo na “civilização da imagem”, e constatando até onde chegou a insensatez hodierna, seria forçoso pensar que exemplos como o sobredito são mais frequentes que imaginamos, ou negar que são simples tendências artísticas?
Por André Luiz Kleina
Referências:
A Criação e os Anjos. Instituto Teológico São Tomás de Aquino. São Paulo: Lumen Sapientiae, 2014, p. 161-170.
BUCKLOW, Spike. The Alchemy of Paint: Art, Science and Secrets from the Middle Ages. London: Marion Boyars, 2009.
[1] Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 81, a. 7.
[2] Cf. Ex. 25, 18-22.
[3] Cf. Is. 6, 2. e Ez. 1; 10; 41.
[4] HERNANDO, Irene González. Los ángeles. Revista Digital de Iconografía Medieval, [s.l.], n.1, 2009, v. 1, p. 1-9.
[5] Nascido na Toscana, aproximadamente em 1401; faleceu em 1455, em Roma.
[6] Cf. OLIVIER, Philippe; et al. Il grande libro degli Angeli. Firenze: De Vecchi, 2009, P. 148.
Fonte: Guadium Press(https://gaudiumpress.org/)
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