Ferdinand Pauwels (1830–1904) | Wikipedia |
O protestantismo erra ao acusar a Igreja de se achar a "dona" da Palavra de Deus.
Dom Mario De Gasperín, bispo emérito de Querétaro, no México, viveu o Concílio Vaticano II como sacerdote recém-ordenado e como estudante de Sagrada Escritura na Universidade Gregoriana de Roma. Ao longo da vida sacerdotal e episcopal, ele foi um incentivador constante dos estudos da Palavra de Deus, bem como uma das mentes mais brilhantes da Conferência Episcopal Mexicana.
O bispo emérito escreveu uma série de mais de 30 reflexões sobre o Concílio Vaticano II, sendo uma delas dedicada ao diálogo da Igreja com as confissões protestantes.
Qual foi a reflexão do Concílio sobre a reforma protestante?
Lutero tinha tentado reformar a Igreja da sua época. Segundo ele, a Igreja tinha se posicionado atrás de três muralhas: a supremacia do poder eclesiástico sobre o poder secular; a superioridade do concílio sobre os fiéis; e a interpretação da Bíblia submetida à Igreja.
Nestes três aspectos, a Igreja hierárquica tinha a faca e o queijo na mão e ninguém podia alçar a voz para contestá-la e muito menos para reformá-la. Essa “tripla muralha”, segundo ele, precisava ser derrubada. Ele então dedicou a vida a isso e não poupou esforços nem meios para consegui-lo, recorrendo inclusive ao poder secular.
Como a interpretação da Bíblia parece estar no centro das controvérsias, surge disso a acusação protestante de que Igreja Católica quereria submeter a Bíblia ao seu domínio e à sua vontade. Assim agindo, diziam os reformadores protestantes, a Igreja se pretenderia superior à própria Sagrada Escritura e “dona” da Palavra de Deus, o que é inaceitável.
Lutero alegava querer libertar a Bíblia dessa escravidão. Por isso, propôs e declarou, como princípio interpretativo da Bíblia, o livre exame, ou seja, a livre interpretação individual da Escritura. Cada um poderia lê-la e interpretá-la segundo o que considerasse inspirado pelo Espírito Santo. O cristão deveria guiar-se apenas pela Bíblia – daí a expressão latina “sola Scriptura”, que implica que “a Sagrada Escritura se interpreta por si mesma” e não está submetida ao magistério da Igreja.
Este, evidentemente, não era o sentir da Igreja.
A Sagrada Escritura é o livro da Igreja e para a Igreja, que é a assembleia dos fiéis de Cristo; portanto, deve ser lida em sintonia com a Igreja, sob a guia dos seus pastores. A estes, afinal, São Paulo afirma que Deus confiou a tarefa de “conservar o depósito da fé” e transmiti-lo na íntegra para as novas gerações.
Dessa maneira, o magistério da Igreja não se proclama “superior” nem manipulador da Palavra de Deus, mas sim seu servidor.
O magistério eclesiástico serve à Palavra de Deus, interpretando-a de acordo com a tradição eclesial recebida dos apóstolos e do próprio Jesus Cristo. É dessa forma, diz o Concílio Vaticano II, que o povo cristão inteiro, unido aos seus pastores, persevera sempre na doutrina apostólica, na união, na Eucaristia e na oração, como fazia a primeira comunidade cristã. É um serviço à unidade e à verdade e evita o individualismo e a fragmentação.
E qual é a missão da Igreja, neste sentido?
A primeira atitude da Igreja, especialmente dos pastores, é a de escutar com atenção e respeito a santa Palavra de Deus – e cumpri-la. Com esta atitude humilde, o Concílio começa a falar sobre a Revelação Divina. Diz que a Palavra de Deus deve ser escutada com devoção e proclamada com valentia, obedecendo às palavras de João: “o que vimos e ouvimos, isto vo-lo anunciamos, para que vós também vivais nesta nossa união com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo”.
O Concílio, mais do que escutar a si mesmo, esteve atento ao que Deus lhe dizia. A primeira coisa que o Concílio faz é escutar a Palavra de Deus, com devoção e obediência. Não tem medo de proclamar esta Palavra ao mundo inteiro, para que aquele que a escutar e nela acreditar tenha a vida eterna.
Lutero se enganou: a Igreja não age como dona, mas como fiel servidora da Palavra de Deus – e na íntegra, não por fragmentos.
Fonte: Aleteia(https://pt.aleteia.org/)
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