Detalhe da Igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões. (Foto: José Roberto de Oliveira) |
Esse caminho, que se insere no âmbito de um trabalho de
resgate histórico, também desempenha um importante papel no aspecto da
integração, não só local e regional, mas também sul-americana, visto que o
trabalho dos jesuítas e os 30 Povos se espalhava.
Jackson Erpen - Cidade do
Vaticano
Reduções jesuítico-guaranis,
uma riqueza histórica que deve não só ser melhor conhecida, mas acima de tudo
ser redescoberta por um público mais vasto, visto sua grande importância.
E uma das iniciativas que contribui para tal escopo é o "Caminho das
Missões", que oferece aos peregrinos – ou caminhantes – a possibilidade de
percorrer os contextos histórico-geográficos onde nos séculos XVII e XVIII se
concretizou aquela que foi definida por muitos como “triunfo da humanidade” ou
“utopia da humanidade”, região também considerada como o berço do cooperativismo.
Esse Caminho, que se insere no
âmbito do grande projeto chamado Camino de los
jesuítas, e que tem o apoio do BID, também desempenha um
importante papel no aspecto da integração, não só local e regional, mas também
sul-americana, visto que o trabalho dos jesuítas e os 30 Povos se espalhavam
pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. O trajeto
internacional do Caminho das Missões, por exemplo, é de 750 km e é percorrido
em 30 dias.
No mesmo sentido, e buscando
valorizar esse imenso patrimônio, m setembro de 2020 foi enviado ao Papa
Francisco o “Grande Projeto
Missões”, acompanhado por um convite para o Pontífice jesuíta
visitar a região das Missões, convite este referendado posteriormente pela
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e mais recentemente pelo
governador do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Em 2026, de fato, serão
celebrados os 400 anos das Missões no Rio Grande do Sul.
Mas quem volta a conversar
conosco sobre essa iniciativa de resgate histórico e turismo religioso é o
historiador e escritor santo-angelense, José Roberto de Oliveira*, que
recentemente lançou na Feira do Livro de Porto Alegre o livro “Relatório da
Guerra Guaranítica (1754-1756), escrito pelos jesuítas”, que oferece uma nova
visão – a dos guaranis e dos jesuítas – sobre este importante acontecimento. Em
breve, o historiador lançará o livro “M’Bororé, a Batalha”, que foi
travada entre 11 e 18 de março de 1641, onde é hoje o município de Porto Vera
Cruz, no Rio Grande do Sul.
Após percorrer o Caminho das Missões, grupo de peregrinos faz uma oração diante da Catedral de Santo Ângelo (Foto: José Roberto de Oliveira) |
Retomada das
peregrinações
Com o pós-vacina, as pessoas
passaram a procurar novas condições de fazer o turismo religioso, a pé as
peregrinações. Então, ainda com as fronteiras fechadas, os brasileiros têm
procurado, em muito maior volume do que antes, o Caminho das Missões, que é um caminho
de peregrinações, ainda nesse momento dentro do Brasil, que são 15 dias de
ações, desde São Borja, passando por toda aquela região pampeana, e chegando à
Redução de São Nicolau, depois indo até São Luiz Gonzaga, São Lourenço,
Caaraó, que é um lugar extremamente importante para a religiosidade, local da
morte de dois dos três Santos da Igreja que morreram nessa região, Roque
González e Afonso Rodrigues, depois indo até o Patrimônio Cultural da
Humanidade do Sul do Brasil, que é São Miguel, e dali vindo pelo vendo pelo
Carajazinho até São João Batista e Santo Ângelo. Então essa caminhada é uma
caminhada em torno de 15 dias, completa praticamente 320 km e
é um aprofundamento de toda essa questão religiosa, espiritual, as pessoas que
cruzam por toda essa caminhada dizem muito de sentir coisas, é um algo muito
arrepiante, as experiências milenares dos Guaranis - mais lá embaixo, lá perto
de São Borja também Charruas - e que vem nesse construto de contar a história,
essa multi-centenária. Agora, em 2026, estaremos completando os 400 anos das
Missões do Rio Grande do Sul, a partir da presença dos jesuítas aqui no
território. Então o Caminho das Missões aqui nesse tramo brasileiro, então
nesses 15 dias de ações, tem sido muito procurado.
Agora, nos próximos dias
estarão abrindo as fronteiras do Brasil com Argentina e da Argentina com
Paraguai, e daí já com muitos e muitos pedidos o Caminho internacional das
Missões, que vem dentro desse grande projeto agora chamado o Caminho de
Los jesuítas, que é um caminho de integração de cinco países, mas que tem
no Caminho das Missões essa integração importante dos 30 Povos, que pega então
os povos desde a primeira Redução Jesuítica que é San Ignácio Guazú, que é de
1609, daí vem por aquele conjunto das Reduções, das 8 Reduções no Paraguai, daí
o conjunto depois passa para a Argentina, partir de Corpos, e daí todo o
conjunto dos Patrimônios Mundiais que estão ali na Argentina e na entrada no
Brasil, San Javier, Porto Xavier, e daí vindo até Santo Ângelo, que é o local
onde todos os tramos chegam. Aqui aquelas pessoas também, que não querem fazer
caminhas tão largas - então tem aquele que a gente falou primeiro, de 15 dias
no lado brasileiro, e também oito dias ou quatro dias, que também tem sido
muito procurado pessoas que não caminham tanto, e que caminham de São Miguel
das Missões que é o Patrimônio Mundial, sempre todas chegando em Santo Ângelo,
que é o San Ángel Custodio, que é o Santo Anjo da
Guarda, que é um momento muito especial, aonde as pessoas fazem o encontro com
o seu Anjo da Guarda. Aqui é o lugar aonde toda essa espiritualidade
relacionada ao nosso Anjo da Guarda está tão presente, então o sentimento, as
coisas que as pessoas vivem e vivenciam mesmo nessa chegada é algo
extraordinário, dito por todos que caminham. Ali é como se você fizesse um
encontro com o teu Anjo da Guarda, esse ser que cuida de nós desde antes do
nosso nascimento e que muitas vezes nós fechamos os olhos para eles e que na
religiosidade se tem símbolo da presença de Deus junto de nós muito importante.
Então Santo Ângelo é esse
local que todos tramos esses, desde o tramo internacional, ou o
brasileiro de 15, 8, 4 dias é o lugar onde as pessoas fazem esse grande
encontro. Então o Caminho das Missões é isso e tem sido muito procurado no
pós-vacina, exatamente porque são lugares abertos, livres, nas antigas estradas
estabelecidas pelos jesuítas e Guaranis, então o lugar onde as pessoas podem
conhecer, digamos, esse mundo gaúcho, a formação cultural dessa grande região e
obviamente vivenciar a religiosidade, e o turismo religioso está crescendo
muito nesse pós-vacina. É muito importante que também do ponto de vista do
turismo, as chegadas aeroportuárias, mesmo a chegada por ônibus, os que chegam
de Porto Alegre, de São Paulo, tem aumentado muito o número de turistas, o que
sempre é uma alegria para nós mostrar essa história da formação da América
Latina, mas também importante para a geração de emprego e renda, que o turismo
religioso, permite através desse grande plano, desse grande projeto, chamado
Missões Jesuítico-Guaranis na nossa América próxima aqui.
Pausa para descanso de grupo das pessoas que fazem essa caminhada. (Foto: José Roberto de Oliveira) |
O que mais chama atenção das
pessoas que fazem essa caminhada?
Cada lugar, por exemplo, vamos
pegar lá, São Borja, é a primeira Redução deste segundo ciclo missioneiro,
sempre lembrando aquele primeiro ciclo missioneiro de 3 de maio de 1626 até
1638, nós tivemos 18 Reduções no Rio Grande do Sul e que foram atacadas pelos
Bandeirantes. Então os Sete Povos vêm muito depois, em 1682 e vai até 1788. Em
cada um desses lugares é como se tivesse uma espiritualidade diferente, as
pessoas contam coisas diferentes, que elas sentem em cada um dos lugares. Por
exemplo, São Borja. Então São Borja é uma cidade que não teve
destruição, ela permaneceu viva e o conjunto dos museus, o conjunto dos lugares
que as pessoas visitam, inclusive antes de começar a caminhada, ali tem,
digamos, todo um jeito de ver essa história, através dos bens vivos, materiais,
esculturas, locais importantes que estão ali localizados. Então ali tem uma
espécie de sentimento, que é o sentimento do início da caminhada. Depois pelo
conjunto da Pampa, que vem ali através de Garruchos, ao lado do Rio Uruguai,
com todas essas questões das divisas do Brasil com Argentina, como se constrói
isso, então tudo isso é contado, se vive este mundo também da pecuária,
especialmente daquela região, que é uma região ainda muito pecuária. Então as
pessoas que elas dormem em fazendas, almoçam e jantam nessas fazendas, então é
um verdadeiro mergulho nesse mundo, digamos, da criação do gado, dessa cultura gaúcha da
América Latina. Então são outros sentimentos que se vive naqueles lugares,
naquelas áreas fronteiriças do Rio Uruguai e dos outros rios maiores que
compõem o Rio Uruguai. Depois vem São Nicolau, que é aquele mesmo lugar lá de
1626 e que ali tem muito escrito, todo processo histórico e cultural é muito
profundo o que tem nesses lugares, a primeira presença de um arquiteto na
América, todo esse processo da construção, ali você entende bem o que é esse
primeiro contato dos jesuítas com um povo que vivia no Neolítico. Então imagina
dois jesuítas chegando, como conectar - o filme “A Missão”, você lembra - como
era isso naquele primeiro contato de um mundo europeu, chegando para falar com
um mundo do Neolítico....só de falar nisso, eu fico todo arrepiado aqui! Então
tem algo importante atrás disso também para conceber as relações humanísticas
dessas milenaridades e dessas presenças da Igreja na América, nesses lugares
todos.
Bom, depois de São Nicolau, daí vem pelos interiores até São Luiz Gonzaga, que é um importante local reducional, então ali a cidade se pôs em cima, então inclusive agora domingo eu estava com os turistas lá, então ali tem todo um conjunto importante de museu, de arqueologia, de imaginária dentro da igreja, exatamente no mesmo local onde era a Redução e depois, vindo a São Lourenço, que é um lugar extraordinário, ainda com a presença inclusive das ovelhas lá que estão sendo criadas, as velhas ovelhas missioneiras que estão sendo criadas pela Embrapa, dentro do processo reducional, ali dentro da área. Ali é o local onde estava o padre Henis, que é quem escreve o relatório de guerra – é o livro que eu lancei agora na Feira do Livro - ali também é um lugar muito especial, onde as pessoas se arrepiam, onde há todo um conjunto energético extremamente interessante de ser vivenciado. Bom, e dali se vai ao Caaró, que é o local da morte de dois Santos da Igreja Católica, que é Roque González e Afonso Rodrigues - e João de Castilhos um pouquinho mais adiante – daí no tramo internacional a gente passa lá por Assunção de Ijuí, que é onde morreu o João de Castilhos, então esse processo todo – aí é um lugar de milagres, de cura de câncer, de outras doenças, aonde vem, além da peregrinação, vem gente diariamente de vários lugares do mundo, buscar a água que é considerada santa, curadora, então ali é um lugar de muita percepção energética, tem algo muito importante naquele lugar de espiritualidade. E desse ponto se vai a São Miguel, que é o Patrimônio Mundial, e que possivelmente seja dos lugares de importância mundial. São Miguel é o Patrimônio Cultural da Humanidade, o único do Rio de Janeiro para baixo, no Brasil, então ali é um lugar muito importante e também, ali eu te diria, que 90% das pessoas que vão a São Miguel dizem isso: “Este é um lugar para sentir coisas”, tanto no turismo de peregrinação como no turismo rodoviário.
Saindo dali se vai a São João
Batista que é um lugar magnífico, Antônio Sepp von Rechegg, que na verdade era
um príncipe, o Antônio Sepp ele é filho do rei de Kaltern – hoje é Itália, mas
naquele tempo era sul da Áustria, naquele Condado -. Então ali a primeira
fundição de aço da América, o lugar onde se criou a harpa
paraguaia, nunca esquecendo essa macrorregião toda, era a Província jesuítica
do Paraguai, famosa nos escritos europeus, pelos grandes filósofos, Voltaire,
Montesquieu, Muratori, que é o principal filósofo italiano dos 1.700, ele
escreveu “O cristianismo dos jesuítas na América”, que é um livro magnífico, o
sonho do cristianismo, digamos, feliz, onde todos viviam de forma integrada,
unida, cooperada – o início do cooperativismo no mundo, nesse processo todo
escrito por muitos escritores – então São João é isso. E depois daí, vindo
pelos interiores, até Santo Ângelo, que é aqui a capital das Missões, como é
chamada, e que é o local, digamos, desse grande encontro, e aonde de fato as
pessoas fazem seu grande encontro espiritual, é o momento de você prosear,
diríamos nós aqui, com o teu Anjo da Guarda, onde você faz aquele encontro
extremamente interessante. Então tudo isso, tudo isso, é vivenciar, digamos,
esse conjunto das experiências e que tem trazido tanta gente para região,
especialmente para isso, para mais do que ver coisas, sentir coisas, da
espiritualidade aqui nas Missões.
Descendentes de guaranis ao longo do Caminho das Missões. (Foto: José Roberto de Oliveira) |
Integração
regional e sul-americana
Com esses trabalhos todos que
vem sendo feitos desde 93, eu venho trabalhando isso já há muito tempo, nessa
interação. Em 94 nós fizemos o primeiro convênio do Mercosul na área do
Turismo, aonde integramos os 30 Povos - Brasil, Argentina e Paraguai. Depois,
muito trabalho de integração, lançamento de produtos integrados na Europa – eu
lembro bem que 98 a gente foi a Londres fazer o primeiro lançamento no WTM, que
é o principal evento de turismo do mundo - então esse processo todo de
integração veio em 2012, nós criamos a Nação Missioneira, que é a integração
dos Povos do Brasil, Argentina e Paraguai, ligados a essa questão missioneira,
e agora com todos esses trabalhos de integração, o BID - de um trabalho
também já de seis anos que a gente vem integrando – se interessou em fazer uma
grande promoção mundial disso tudo e daí integrou cinco países. Esses dos 30
Povos – Brasil, Argentina e Paraguai -, mas também Uruguai, que também tem
coisas missioneiros do Rio Negro para cima e a Bolívia, quem tem todo aquele
trabalho lá da Tiquitania, que também é muito importante.
Então dentro desse grande
conjunto que é o financiamento do BID, então agora com um modelo de promoção
internacional muito interessante. Eles têm, e os escritórios que estão cuidando
disso estão na Espanha, estão aí na Europa, e fazendo um trabalho muito grande
de promoção, utilizando as redes sociais, todas elas, e divulgando isso para o
mundo. Eu particularmente estou muito contente, a quantidade de gente
comentando nos posts que eles têm feito, tanto Facebook, como Instagram, algo
inimaginável o movimento que está dando esse processo todo. Então é muito
importante com relação aos povos nossos, especialmente lindeiros, aqui uma
integração muito importante, o mundo empresarial, de hotelaria, gastronomia,
agências, também trabalhando de forma integrada, recebendo as pessoas. Então é
um momento muito especial. Eu vejo assim, por exemplo, as próprias reportagens
que nós fizemos anteriormente, as pessoas dizendo que ouviram as matérias aí na
Rádio Vaticano. Então tudo isto é muito importante o que está acontecendo, e
muitas vezes a gente nem imagina o que acontece. Por exemplo, eu recebi
ligações por causa das nossas matérias, de vários países do mundo de gente que
escutou você e que diz “olha, eu escutei, que beleza, que coisa boa”. Então a
gente às vezes faz algo, nem imagina a reverberação que isso pode causar e que
é verdade que essas coisas é que colaboram, digamos, para o desiderato de
grandes coisas que a gente às vezes nem imagina.
Caminhantes em frente à Igreja de São Miguel Arcanjo. (Foto: José Roberto de Oliveira) |
A Guerra
Guaranítica sob a ótica dos jesuítas e dos Guaranis
Faz parte da história das
Missões a Guerra Guaranítica, que foi tema de um livro que lançaste
recentemente na Feira do Livro de Porto Alegre. O que foi essa Guerra
Guaranítica, quem envolveu, quais os interesses envolvidos e a motivação...
O Tratado de Madri, que é o Tratado de 1750 entre Espanha e Portugal, ele entregava as terras do lado aonde depois ficou Brasil, que é os Sete Povos das Missões, mais as Estâncias jesuíticas, entregava ela para Portugal e a Colônia de Sacramento, lá na Barra do Rio Uruguai, lá no Rio La Plata, essa que era portuguesa, iria para a Espanha. Então esse é o Tratado. Os índios obviamente não aceitam - porque estavam aqui milenarmente, viviam os tupis-guaranis mais de 1500 anos neste território - não aceitam e ocorre a Guerra Guaranítica, os índios contrapõe, aparece essa figura do Sepé Tiaraju como líder desse processo todo, que é um capitão e corregedor da Redução Jesuítica de São Miguel Arcanjo e que lidera esse processo todo. Então nesse momento, alguns jesuítas ficam com os guaranis, ainda segue isso, e o padre Henis, Tadei Javier Renis, relata em nome dos jesuítas esse processo. Então nós não tínhamos esse relato, não sabíamos desse relato aqui do lado brasileiro, e eu encontrei ele em Madrid e com isso eu passei um relato que originalmente era em latim, passei ele para português e comentei o relatório nos principais elementos, digamos, de confronto às vezes até de ideias. E esse conjunto então se transformou em um livro, que é o “Relatório da Guerra Guaranítica 1754-1756, escrito pelos jesuítas”, assim que eu chamei ele, e que foi lançado então na Feira do Livro em Porto Alegre, que foi muito interessante, reverberou muito e que conta então toda essa saga, toda essa luta, obviamente a morte de Sepé Tiaraju, a grande batalha de Caiboaté, que é 7 de fevereiro de 1756 com a morte do Sepé e três dias depois a morte de 1500 dos principais guerreiros daquele período, em um ato praticamente de traição, aonde tinha acertado com os dois exércitos de Portugal e de Espanha que não sairia luta naquele dia, que os índios iam buscar os padres e quando os Guaranis soltaram os cavalos e as armas, foram atacados aí pelos dois exércitos e em 1 hora e 15 minutos morreram 1500 dos principais caciques e guerreiros. Então conta aquilo micro metricamente, o relatório de guerra conta isso e esse, digamos, é o livro que foi lançado na Feira do Livro e que é super importante, porque se conta, digamos, uma nova visão. Dentro do Brasil, até então, somente tinha sido exposto as ideias dos dois relatórios portugueses e do relatório do Grael, que é um relatório espanhol. Então agora aparece um quarto relatório, que é a visão dos guaranis e dos jesuítas no relatório do Henis e é esse o livro que foi lançado.
Poder-se-ia dizer que essa
Guerra Guaranítica colocou um fim definitivo naquela que era considerada como a
grande utopia?
Eu diria que não! Esse é um
equívoco nosso muito grande, porque as hegemonias históricas, quiseram dizer
isso, mas não é verdade. Em 1756, no final do ano, eles foram expulsos no outro
lado do rio Uruguai e lá ficaram de 56 até 1761. Ou seja, aqueles cinco anos. E
o rei de Espanha faz um destrato do Tratado Madri – Destrato del Pardo - e
esse destrato dizia que os jesuítas poderiam voltar para o lado da onde depois
ficou o Rio Grande do Sul, que é aqui o lado brasileiro, e eles voltam e
reiniciam todo o processo de organização, da criação do gado, das orquestras,
das fundições, das 50 indústrias que tinha cada uma das Reduções, tudo isso
recomeça (em 61). Porém, em 67, o rei decreta a expulsão dos jesuítas (67), e
que esse documento só chega efetivamente em 68. Em 1768 os padres foram levados
presos a Buenos Aires e os índios, então, ficam nos lugares onde eram as
Reduções. Veja, que índios são esses?
Eu tenho dito que eu já não
chamaria eles mais de índios. Por quê? Eram gente que tinha 130, 140 anos de
cristãos. As pessoas ainda criam uma ideia de uns índios de tanguinha, uma
visão amazônica, vamos dizer assim, do que é indígena. E na verdade, aquela
gente que vivia nesses nossos locais de Redução, eram pessoas que já viviam
desde 1632, antes um pouquinho, um pouquinho depois, eram famílias e estavam
reduzidas. Então esses guaranis lá daquele período, já tinham muitos, muitos
anos de cristãos, e ninguém mais voltou a ser índio de mato. Por exemplo,
aquele que tocava órgão, aquele que tocava violoncelo, ou violino, ou aquele
que era o fundidor de sinos, imagina que essa pessoa ia voltar a ser índio de
mato, jamais! Aquele que era um especialista, por exemplo, em pecuária, criação
de gado, o que ele foi fazer? Ele foi daí, a partir de 1768, aos pouquinhos
ainda, ficou naquela área reducional, mas depois foi trabalhar nas estâncias
dos primeiros portugueses ou dos espanhóis ali do outro lado do rio, onde é
Argentina hoje, Missiones e Corrientes, ou mesmo descendo a Buenos Aires, onde
foi a Asunción, dependendo do que ele fazia, então é preciso romper com essa
ideia de que os índios morreram todos. Isso número 1. E número 2 de que eram
indígenas desse modelo amazônico, que a gente pensa. Não! Essa gente já estava
no estágio de cristão de muitos, muitos anos, as famílias já estavam 130 anos
cristãs, e por isso é preciso a gente renovar essas nossas ideias, e eu tenho
dito isso nos últimos dias agora com mais veemência, porque o relatório de
guerra ele mostra muito claramente isso, o nível daqueles guaranis já era um
nível extraordinário, todo mundo usava roupa de algodão no verão e de lã no
inverno, e eram invernos frios aqui. Por exemplo, tem uma cena no relatório em
que o Sepé Tiarajú, saindo a campo e aquele dia neva, cai neve naquele dia.
Então imagina, por exemplo, que alguém, num dia de neve, ia andar com pouca
roupa ou quase sem roupa pelos campos sulinos. Obviamente que não. Então tudo
isso mostra que havia tecnologias - as melhores europeias daquele período aqui
nas Reduções - e aquela gente toda estava muito qualificada do ponto de vista
da mão de obra, da leitura, da matemática, e de todas as ciências que os
jesuítas ensinavam aos Guaranis. Então é preciso que a gente comece a falar das
realidades, digamos, lá em 1750-60, 68 que é o ano da expulsão dos jesuítas e quem
foram prá Prússia e prá Praga na Europa aquele expulsos daqui, e que também aí
começaram a contar sobre os modelos que se usava nas Missões, que eram modelos
comunais de como se vivia, de como se faziam as coisas e que foi chamado de o
cristianismo feliz dos jesuítas na América, o melhor que o cristianismo tinha
produzido no mundo por muitos escritores naquele período, foi dito isso.
Ao final da caminhada, peregrinos chegam à Catedral de Santo Ângelo. (Foto: José Roberto de Oliveira) |
A Batalha de
M'Bororé
Além do tema da Guerra
Guaranítica, José Roberto também antecipou o lançamento de um livro sobre outra
batalha travada naquele período......
No dia 10 de dezembro agora, nós estaremos lançando o novo livro chamado “M’Bororé. A Batalha”. Essa Batalha de M’Bororé é uma batalha que aconteceu em 1641, no Rio Uruguai -exatamente aqui na divisa do Brasil com a Argentina – um pouquinho para baixo de Porto Mauá e um pouquinho para cima de Porto Xavier, digamos o principal da batalha, aonde hoje é Porto Vera Cruz do lado brasileiro e Panambi do lado Argentino. Ali então se embateram 11 mil pessoas, num tempo, lá em 1641, que Buenos Aires - entre homens mulheres e crianças - tinha três mil pessoas, só para tu teres ideia do tamanho dessa batalha para aquele período, então foi algo realmente muito importante. Os Bandeirantes já vinham atacando muito poderosamente as Missões desde 1628 e eles tinham levado muitos milhares e milhares e milhares de Guaranis como escravos para São Paulo e Rio de Janeiro, para venda deles no mercado escravo desses locais.
E então o que ocorre? Em 1639,
há uma primeira batalha que os guaranis conseguem refrear essas ações, e em
1640 então os bandeirantes organizam uma grande Bandeira, com 6800 pessoas,
entre, digamos, caboclos ali da região São Paulo, gente de Portugal, e de
outras nações, que viviam por ali, e fazem um grande ataque e os guaranis
conseguiram se organizar com os jesuítas, trazendo alguns jesuítas que eram
militares aí da Europa e que trouxeram eles para treinar aquela gente para
fazer guerra, que eles não sabiam dessas coisas, então esse cenário todo do
treinamento, de um ano de treinamento, do ataque que aconteceu em 1641, e da
verdadeira primeira e única grande vitória dos guaranis frente a essas forças
exógenas, aonde lá em 1641, foram dois grandes ataques e aonde as forças
Bandeirantes foram praticamente destruídas.
Então esse processo todo, ele
é contado nesse livro, que é um livro desenhado, é um livro capa dura, é um livro
importante, e que mostra exatamente todo esse cenário. Eu estou mostrando no
livro desde o povo do Paleolítico, passando muito rapidamente pelo Neolítico, e
mostrando toda aquela primeira fase das 18 Reduções do lado de cá, que foram
praticamente desconhecidas da nossa gente, pouquíssimas pessoas sabem sobre a
primeira fase que é aquela dos 18 Povos aqui onde é o Rio Grande do Sul hoje.
Então vou estar contando isso e todo o cenário da guerra, o desenhista que é o
Cleiton Cardoso, ele conseguiu abstrair bem essa ideia do que era a guerra, e a
gente foi debatendo cada quadro, cada cena, cada diálogo. E esse livro então,
nós estaremos lançando no dia 10 lá no local da batalha, do lado brasileiro,
então lá em Porto Vera Cruz, aonde a gente quer trazer também a comunidade da
Igreja aqui da nossa região, aonde a gente vai estar contando essa história
através desse novo livro que é “M’Bororé, a Batalha”, aonde a gente vai estar
mostrando então essa história do nosso passado.
Um convite para
visitar as Missões
Nas considerações finais, José
Roberto, faz um convite...
Então, agradecer e convidar a
sociedade brasileira e internacional que te escuta, que venha às Missões, venha
ver isso que foi chamado de “triunfo da humanidade” pelos grandes escritores do
mundo, primeiro estado industrial da América lá por Montesquieu, Voltaire que
chamou de “triunfo da humanidade”, Muratori esse filósofo italiano lá dos 1700,
que disse que o melhor do cristianismo no mundo aconteceu aqui, então é
importante que as pessoas saibam da grandiosidade, da herança magnífica que nós
temos aqui para mostrar para todo mundo. Então convidamos que venham para cá, e
você nas férias volte para cá também. Obrigado!
Peregrinos recebendo certificado de caminhada realizada. (Foto: José Roberto de Oliveira) |
Um guia sobre os municípios
que fazem parte do Caminho das Missões: https://bit.ly/3l79dac
*José Roberto de Oliveira é de Santo Ângelo (RS),
engenheiro de formação, na área da Topografia e Cartografia; foi por longo
tempo docente na URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões); diretor de desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Sul; um dos
fundadores do Ministério do Turismo; criador em 2012, junto com os jesuítas,
mais argentinos e paraguaios, da “Nação Missioneira”; foi criador do Circuito
Internacional Missões Jesuíticas e representante brasileiro no Mercosul, também
em função de seu envolvimento no tema das Missões.
Fonte: https://www.vaticannews.va/
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