Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus | Vatican News |
Em uma entrevista, dom Leonardo afirma que “as COPs são
oportunidades de manter a discussão, o diálogo, a reflexão, aprofundando sempre
mais a questão das mudanças climáticas”.
Padre Modino - CELAM
Um caminho sofrido e
alentador, assim define Dom Leonardo Steiner o percurso das Conferências
climáticas. Nestes dias em que acontece a COP26, o arcebispo de Manaus, que
participou na COP21 de Paris, marcada pela Encíclica Laudato Si´, reflete sobre
“as necessidades urgentes de mudança no modo de viver e do conviver com a
terra”.
Tudo está ligado ao lucro, e
“nesse sentido é urgente uma mudança de cultura ambiental, no mundo, mas
especialmente no Brasil”, afirma o arcebispo. Segundo ele, mesmo diante de
alguns retrocessos, “as COPs são oportunidades de manter a discussão, o
diálogo, a reflexão, aprofundando sempre mais a questão das mudanças
climáticas”.
No Brasil, o panorama mostra
“o descaso em relação ao meio ambiente, especialmente em relação à Amazônia”,
denuncia o arcebispo de Manaus. Diante disso, se faz importante “a insistência
da Igreja na Amazônia”, que “deve ser capaz de suscitar novos caminhos, renovar
as estruturas, organizações sociais, incentivar ordenamentos jurídicos que
preservem o meio ambiente, mostrar a beleza, a poesia, a arte da Amazônia”.
O Papa Francisco pede uma
mudança de rumo para alcançar os objetivos do Acordo de Paris e para assegurar
que decisões concretas sejam tomadas na COP26. O que os países – especialmente
o Brasil – precisam fazer na COP26 para minimizar os impactos climáticos que já
vivemos?
O caminho das Conferências
climáticas tem sido sofrido e alentador. Os
diálogos têm demonstrado as realidades gritantes e as
necessidades urgentes de mudança no modo de viver e do conviver com a terra. A
dificuldade maior é sempre econômica; é dinheiro. A poluição do ar, das águas,
a devastação das florestas, a destruição pelo garimpo está ligada ao lucro, ao
dinheiro.
Não interessa o futuro, a vida
dos povos, dos pobres, o desaparecer de culturas, a beleza, a poesia, a harmonia. Nesse sentido é urgente
uma mudança de cultura ambiental, no mundo, mas especialmente no Brasil. Na
COP, há necessidade de metas mais ambiciosas a curto prazo, um fundo ecológico
que ajude na preservação das florestas e na recomposição das mesmas, na urgente
despoluição do ar e das águas (saneamento básico).
Mas talvez, se os países todos
buscassem educar para a ecologia, despertar para o cuidado da casa comum,
teríamos mais chance de uma terra também habitável no futuro. A ecologia está
ligada a uma compreensão de dominação e lucro ou compreensão de cuidado e
cultivo.
Habitantes da Amazônia | Vatican News |
Em 2015, o senhor fez parte da
delegação enviada pelo Vaticano para a 21ª Conferência das Partes da Convenção
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), que aprovou o maior acordo
climático do mundo. A cada cúpula, as previsões são mais catastróficas e muitas
das metas estabelecidas pelos países não são cumpridas. Como o senhor avalia o
efeito prático das Conferências do Clima até agora?
A COP21 foi marcada pela
Encíclica Laudato Sì de Papa Francisco. Presente nos debates, fundamentando a
necessidade de metas. Os encontros, os debates entre delegações foram decisivos
para chegar a um acordo que fosse aceito pelos países participantes. É sempre
difícil negociar quando existem realidades nos diversos países que exigem
mudanças em relação ao cuidado do meio ambiente. A França desempenhou uma
liderança frutuosa e a Delegação brasileira foi muito atuante.
Apesar dos retrocessos depois
da COP21, essas Conferências são importantes por manterem viva a discussão e a
busca de soluções em relação às mudanças climáticas. Se formos analisar as
conferências, veremos um caminho onde se vai construindo consensos e buscando
metas. Temos governos que negam a necessidade de uma responsabilização em
relação à casa comum, por negarem a ciência.
As COPs são oportunidades de manter
a discussão, o diálogo, a reflexão, aprofundando sempre mais a questão das
mudanças climáticas. As ações não caminham como desejamos, nem mesmo conforme a
necessidade, apesar do perigo que estamos a correr. Mas não poderão dizer que
não buscamos, não tentamos superar a crise em que nos encontramos.
O governo brasileiro vem sendo
criticado por sua política ambiental, principalmente pelo aumento do
desmatamento nos últimos dois anos, o enfraquecimento das políticas e órgãos
ambientais e a defesa da exploração de recursos naturais em terras indígenas.
Em uma mudança de discurso, o governo prometeu que o Brasil eliminará o
desmatamento ilegal até 2030. O senhor acredita numa atuação mais efetiva do
Brasil na defesa da Amazônia?
Soa como um bom propósito. O
que temos ouvido, visto e sentido é o descaso em relação ao meio ambiente,
especialmente em relação a Amazônia. Não que o Cerrado esteja protegido e a
Mata Atlântica, o Pantanal e outros estejam a salvo. O descaso é grave.
O que nos mantém na atenção,
na discussão, na reflexão é a própria sociedade através dos povos indígenas e
ribeirinhos, das igrejas, de entidades que cuidam do meio ambiente, dos meios
de comunicação que percebem a necessidade de mudança de rumo. O garimpo tem
sido uma destruição, não apenas das matas, mas também das águas. As populações
indígenas e ribeirinhas acabarão eliminadas pelo alto índice de mercúrio no
organismo devido as águas contaminadas dos rios.
As políticas, o desmonte dos
órgãos ambientais, como também do órgão de relação com os povos indígenas,
saltam aos olhos e demonstram que os pobres e o meio ambiente podem ser
menosprezados e descartados.
Amazônia | Vatican News |
O Papa Francisco defende um
mundo “interconectado” e afirma que “não se pode agir sozinho, é fundamental o
empenho de cada um para a tutela dos outros e do meio ambiente”. Como a Igreja
da Amazônia pode contribuir com o debate e a construção de caminhos diante da
crise ecológica?
No Compêndio da Doutrina
Social da Igreja encontramos uma sabedoria que nos ajuda iluminar a pergunta:
“A caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de
todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas também na dimensão
social que as une”. Está em jogo toda a obra criada e toda a humanidade. Somos
chamados a caminhar juntos. O isolamento, a ideologia fechada leva à morte e
pode levar à destruição do planeta terra.
A insistência da Igreja na
Amazônia, o Sínodo da Pan-Amazônia, o texto pós sinodal Querida Amazônia, estão
a indicar o caminho comum. Existe um patrimônio cultural, religioso, social,
ambiental a ser cultivado. A Igreja que está na Amazônia deve ser capaz de
suscitar novos caminhos, renovar as estruturas, organizações sociais,
incentivar ordenamentos jurídicos que preservem o meio ambiente, mostrar a
beleza, a poesia, a arte da Amazônia.
Demonstrar a agressividade despudorada em
relação à Amazônia, pelo interesse econômico. Estar na atenção de
que a Amazônia não serve a um grupo econômico; serve a todos os brasileiros, a
toda a humanidade. Tem uma incidência enorme quanto ao equilíbrio
do meio ambiente do planeta terra. Ela estará junto aos povos originários
ajudando a conservar as suas culturas e aprender com eles. Buscará se
inculturar e inculturar a espiritualidade, a fé. A Igreja da Amazônia caminha
na esperança; de esperança em esperança! Apesar de todas as agressões e
destruições, ela mantém viva a esperança de um futuro melhor, imagem do Reino
que anuncia.
Fonte: https://www.vaticannews.va/
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