Capa: Fragmento de um ícone de meados de século XVII atribuído a Emanuel Lombardos. |
Um Monge da Igreja do Oriente
AMOR SEM LIMITES
Tradução para o português:
Pe. André Sperandio
Ecclesia |
24. O estrangeiro
Chegou ao cair da noite a um dos grandes conglomerados dos arredores. Alugou um quarto por alguns dias.
Aos olhos de todos, parecia sorridente, à vontade, familiar, sem abandono. A todos com quem falava, dava a impressão de que lhe conhecia há muito tempo, de que realmente existia para ele, e que aquela pessoa com quem falava lhe era de suma importância. Sua palavra ia diretamente ao que havia em cada um de mais profundo, de mais secreto. Suas perguntas inesperadas comoviam, às vezes, como um choque. Pareciam, ao mesmo tempo, perturbadoras e desejadas.
Uma mulher lhe perguntou:
— Diga-me francamente: que lhe pareço?
— Não és justa contigo mesma.
— O que quer dizer?
— Diga-me; por que tanto vermelho nos lábios e tanto rímel nos cílios?
— É que o tempo passa e eu gosto de parecer bela.
— Se soubesses o quanto és bela, não irias recorrer a esses meios. Existe em ti, escondida, uma beleza possível que não fazes ideia. A consciência dessa beleza não despertou ainda em ti. Não pode traduzir-se em teu rosto. Deixe que essa beleza interior se imponha. Se fará transparente através dos olhos. Tu serás de uma beleza irradiante.
A um servo, um humilde refugiado, disse-lhe:
— Pareces tão solitário.
— Não tenho ninguém. Sequer conheci meus pais.
— O que? Sim, ele te conheceu.
— Eles não me conhecem, em absoluto. Mas eu os conheci sem ser visto. Nunca os perdi de vista. Tens ouvido a meu respeito?
— Na casa de meu Pai perguntam sempre por ti.
— Mas, sou uma pessoa tímida. Não sei nem onde nasci.
— Sabes que Deus nasceu em uma manjedoura? Pouco importa onde se nasce.
— Mas, eu nunca estou seguro de ter um abrigo. Nesta casa de teu Pai, haveria um lugar para mim?
— Sim, Na casa de meu Pai há muitas moradas.
— Onde moras?
— Vem e verás.
Para uma mulher muito respeitada que se dirigia a um lugar de oração portando em sua mão o livro sagrado, disse:
— Sabes como usar este livro? Ele tem um bom lugar em tua vida! Tu o abres para encontrar nele respostas às tuas perguntas, esperança em tuas ansiedades, consolo em tuas dores. E isso é bom, mas esta não é a principal razão de sua existência. Ele não existe para responder às tuas perguntas. É ele, o livro, que irá te perguntar sobre ti mesma e te oferecer uma palavra, provavelmente inesperada. Não questione muito se o livro te escuta, mas esforça-te para escutar o livro, do mesmo modo como se ouve a voz daquele que clama no deserto.
A uma jovem mulher que acolhia a todas as solicitações sem encontrar felicidade dizia:
— Teu erro não está em amar demasiado; pelo contrário, não amas o suficiente. Pensas que estás liberada de todas os limites e não amas mais que nos limites, indo de um ao outro. Toda vez que pensas que amas, te isolas, te fechas em uma prisão para dois, como se estivessem sozinhos. Interrompes assim a grande corrente de amor que deve animar todas as almas; sufoca-te. Abra tuas janelas e ama em dependência do amor absoluto, em comunhão com amor infinito, com Deus.
Depois de alguns dias, o estrangeiro disse que iria partir. Aqueles que conversaram com ele estavam tristes. Alguém lhe perguntou:
— Porque te vás?
— Porque terminei o que devia fazer aqui. Agora, preciso fazer o mesmo em outros lugares.
— Mas, por que vieste aqui?
— Eu vim aqui para amar. Nada mais.
— Estamos nos sentindo unidos a ti. Algo mudou por aqui. Vamos sentir muito a tua falta.
— Eu não vou embora. Não estarei ausente. Vocês não ficarão sem mim.
— O que isso quer dizer?
— Se pensarem e agirem com o mesmo espírito que eu, sempre me encontrarão.
— Mas quem és?
— Não direi meu nome agora. Aos que querem viver em minha memória, somente a estes se lhes dará a saber quem Eu Sou.
25. Graça proveniente, exigente
Senhor-amor, não vá tão depressa! Eu não posso acompanhar-te! Estás indo rápido demais. Espere por mim, deixa-me te alcançar. Mas, Senhor, não paraste nem reduziste a tua marcha. Senhor, vejo que tomas o caminho para minha casa. Senhor, não faça qualquer esforço para ir aonde eu vivo. Eu me apresso em tua direção. Poderíamos conversar pelo caminho, parar um pouco. Seria menos cansativo para mim, e eu me sentiria menos confuso. Porém, já estás entrando em meu jardim. Senhor, eu sou muito indigno para te receber sob sob o meu teto! Mas Tu já abres a porta e vás entrando. Senhor, minha casa está em desordem, não está pronta para te receber! Porém, o amor sem limites já alcançou a minha sala e diz: "Ponha a mesa, esta noite, eu quero cear contigo".
26. Amiga do Bem-amado
Move-se sem qualquer ruído e rapidamente, graciosamente, em meio aos tumultos. Às vezes, rompe o silêncio, porém, sempre parece envolta no silêncio. Está neste mundo, mas parece pertencer por inteira ao mundo da graça. Sua figura está docemente iluminada pela luz invisível e se faz resplandecente para aqueles que a contemplam. Com mão forte e ligeira, toca, maneja tudo o que tocamos. Vê o que não vemos. Ouve o que não ouvimos. Nunca se recolhe. Cuida das feridas. Serve a mesa. Seus gestos são justos e precisos. Permanece de pé entre aqueles que estão sentados. Segue também de pé entre aqueles que se afastam. Seu coração vela durante a noite para aqueles que dormem. Vela. E desperta. Desperta o amor entre aqueles que estão ali sem amor. Transmite amor aos que tocam com o olhar a sua mão. Bebe incessantemente da fonte. Entrega-se com atenção apaixonada.
Dr. Federico Rubio e Galí, 9. 28039 - Madrid
® EDITIONS ET LIBRAIRIE DE CHEVETOGNE Bélgica
Título original: Amour sans limite
Tradução (para o espanhol): CARLOS CASTRO CUBELLS
Tradução para o português: Pe. André Sperandio
Capa: Fragmento de um ícone de meados de século XVII atribuída a Emanuel lombardos
ISBN: 84-277-0758-4
Depósito Legal: M-26455-1987
Impressão: Notigraf, S. A. San Dalmácio, 8. 28021 - Madrid
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