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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

O terrorismo que veio de longe

John Olorunfemi Onaiyekan é um cardeal nigeriano, arcebispo 
emérito de 
Abuja [© Romano Siciliani]
dezembro/2011

O arcebispo de Abuja analisa a situação do país depois dos atentados às igrejas e reflete sobre as raízes do grupo Boko Haram: a cultura desses terroristas não é nigeriana. A Igreja Católica, que quer a paz e o acordo, é vítima do projeto louco de quem visa dividir o país com a finalidade de apropriar-se dos recursos naturais


por John O. Onaiyekan

 

O que está acontecendo em meu país e de quem é a culpa? Não existem informações que possamos definir exatas a respeito dos autores do massacre do Natal na paróquia de Santa Teresa, em Madalla, perto de Abuja. Quem reivindicou o massacre, ostentando-se diante de Deus, é o chamado grupo Boko Haram, gente sem rosto, cuja ideologia é a de quem frequenta o terrorismo internacional e se reveste de fanatismo islâmico. Mas é um grupo variegado, com interesses contraditórios. Há quem afirme que alguns deles tenham estagiado nos campos de treinamento com os talibãs e a al-Qaeda, no Afeganistão e no norte do Paquistão. Eles seguem os passos dos extremistas, que, também na Nigéria, imaginam uma aplicação da charia que chegue à pena de amputação das mãos e lapidação das adúlteras. São minoria, mas causam uma grande desordem, e cremos infelizmente que tenha chegado o momento em que se iniciará na Nigéria uma reação em cadeia, depois de anos em que esperamos e desejamos que esse fenômeno pudesse ser resolvido fisiologicamente, apenas pela aplicação de leis e pela negociação.
Repito que a cultura desses extremistas não é nigeriana, mas do terrorismo internacional. E que papel caberia ao islã nesse cenário?
Sabemos que a relação entre a Igreja e o islã na África não é homogênea. Em muitos países a convivência funciona, embora interrompida por ações contrárias à paz realizadas por pretensos islamistas. No norte do nosso continente, como no Oriente Médio, as pequenas minorias cristãs em países totalmente muçulmanos trabalham para encontrar um bom equilíbrio de convivência. Na Nigéria, não se dá o caso de uma pequena minoria cristã, mas há paridade numérica com o islã: e não existe outro caminho para evitar a autodestruição, além do reconhecimento mútuo e da igualdade substancial. Com isso estou simplesmente dizendo o que qualquer muçulmano nigeriano confirmaria: e sei disso com certeza. Cristãos e muçulmanos vivemos um equilíbrio em nível institucional e social, e na vida cotidiana não dá para perceber se o seu interlocutor – membro do establishment ou vendedor no mercadinho – é de fé islâmica ou cristã. Só esses gestos terroristas apontam o dedo para as diferenças. Tem razão quem especula sobre as intenções do chamado grupo Boko Haram, cuja finalidade seria exatamente provocar a reação armada dos cristãos, e portanto o caos e o fim da Nigéria como nós a conhecemos. Para chegar a isso, justamente, apostam também na divisão entre os cristãos.
Sob a genérica definição “cristãos nigerianos” se reúnem denominações diferentes. A nossa comunidade católica segue com todo o coração o que a Igreja de Roma nos sugere – e não nos ordena – no campo do diálogo religioso, convencidos de que essa seja a sua maneira de dar paz ao país, ainda que outros grupos, protestantes, pensem diferentemente e nos critiquem, alguns chegando penosamente a denegrir o islã enquanto tal, associando-o plenamente ao grupo Boko Haram. Com esses radicais cristãos achamos difícil caminhar juntos, pois eles não querem dialogar e “provocam” os extremistas, a ponto de a sua reação não se fazer esperar: é só ver, por exemplo, como as bombas acabam explodindo diante de uma igreja católica, no dia de Natal. Justamente contra nós, que fizemos de tudo para procurar a harmonia religiosa de nosso país, e que só podemos continuar a dizer a verdade.
Fora ou dentro de nosso país, há quem possa criticar a franqueza com que nos dirigimos aos nossos muçulmanos nigerianos. Nós não vemos contradição entre o diálogo e o pedido ao líder do islã nigeriano de que isole os terroristas infiltrados nas suas comunidades. Não nos preocupamos com o “politicamente correto”, justamente graças à natural sinceridade que temos uns com os outros. Os chefes muçulmanos sabem muito bem que o chamado grupo Boko Haram fez vítimas tanto islâmicas quanto cristãs. Não podem dizer que o problema de supostos terroristas muçulmanos não os toca. No dia de Natal, em Madalla, morreram muçulmanos também. Com igual franqueza, dizemos que não existe possibilidade nenhuma de uma represália violenta por parte dos católicos. Temos consciência de que é o governo central, antes de todos nós, que tem o poder e a responsabilidade de proteger seus cidadãos.

É errado pensar que a rivalidade entre cristãos e muçulmanos faça parte do jogo fisiologicamente. O país pertence a todos nós, cristãos e muçulmanos, cidadãos de um Estado rico exportador de petróleo, onde a hipótese da separação entre norte e sul é totalmente irrealizável. Quando vocês ouvirem alguém defender a tese dos dois Estados, islâmico no norte e cristão no sul, segundo o modelo do Sudão, saibam que a pessoa está mentindo ou não entende nada. A realidade é que há cristãos que não apenas vivem no norte, ao lado dos hausa-fulani islâmicos, mas são também originários do norte; ao mesmo tempo, quase cinquenta por cento da minha etnia, iorubá, tradicionalmente do sul, é composta por muçulmanos. Então,  traçaremos a linha de fronteira sobre a qual construir as nossas trincheiras, se alguém nos levar à guerra?
A igreja de Santa Teresa, em Madalla (perto de Abuja, capital da Nigéria),
onde a explosão de um carro-bomba matou vinte e cinco pessoas
durante a missa de Natal, em 25 de dezembro de 2011.
O atentado foi reivindicado pelo grupo fundamentalista Boko Haram
[© Associated Press/LaPresse]
Atingir a Igreja Católica significa atingir quem deseja o acordo, procurar o caos e impor rupturas violentas em nossas próprias religiões, cristianismo e islã: pois os “mais ortodoxos” de cada uma das duas partes acusarão de fraqueza os correligionários abertos ao diálogo.
O conflito religioso esconde uma outra verdade. As lutas têm origens tribais, políticas e econômicas – ligadas também à redistribuição iníqua das riquezas petrolíferas, acompanhada por um enorme desemprego – e se conjugam com a semi-incapacidade de ação por parte do governo central, cuja legitimidade eleitoral era até pouco tempo contestada nos tribunais. A presidência atual é de um cristão, que assumiu o cargo interrompendo a tradicional alternância entre um presidente islâmico e um cristão. A direção política do país é dividida em si mesma entre facções que não parecem saber bem para onde nos conduzir. Esperamos que entrem em acordo, e que o governo colabore com a oposição e não pactue com os terroristas.
Eles já são hoje conhecidos por todos como Boko Haram, que em língua hausa significa “a educação ocidental é abominável”. É a enésima definição usada com o intuito de aumentar o sentimento de conflito de civilizações. Mas esse tipo de educação não nos foi imposta, nem pelos colonos ingleses nem pelos governos nigerianos que se sucederam nos últimos cinquenta anos, inclusive aqueles que eram expressão do norte tradicionalmente muçulmano. Nenhum de nós é obrigado a confiar nesse modelo educativo ou social. Na Nigéria, não há imposição e cada um pode ter a educação religiosa que deseja.
O Boko Haram baseia-se no erro – que difunde – de identificar a Igreja com uma cultura. É um equívoco... mundial. Não muito tempo atrás me convidaram para um congresso em Madri sobre o tema do confronto entre o islã e o Ocidente. Esses senhores realizavam um congresso baseando-se na ideia de que o cristianismo fosse ocidental e hostil ao islã; então perguntei a eles onde deveria me sentar: porque não era ocidental e nem muçulmano, mas nigeriano e cristão. Talvez os “representantes do Ocidente” naquele congresso tenham-se ressentido com as minhas afirmações. Porém, eles mesmos não estavam dispostos a defender o cristianismo, enquanto os representantes islâmicos discutiam apenas sobre religião... Definitivamente, a Igreja era fechada numa morsa sufocante.
A sede das Nações Unidas de Abuja, devastada pelo atentado de 26 de agosto de 2011,
no qual foram mortas 18 pessoas. Esse massacre também foi reivindicado pelo
grupo fundamentalista Boko Haram [© Getty Images]
Quem usa a expressão Boko Haram usa inconscientemente um slogan que quer valer-se de um estereótipo em voga para poluir ainda mais o imaginário coletivo. Além disso, na realidade, o grupo que comete os atentados assumiu originalmente um nome em árabe, que se refere de modo genérico, como acontece com outros grupos, à jihad, que não significa “a educação ocidental é abominável”. Outros aplicaram seguidamente essa etiqueta. Mas, enquanto esses criminosos difundem por meio da violência o significado do Boko Haram, seus líderes estudaram todos “à ocidental” e alguns realmente no Ocidente. Na Nigéria, não se faz carreira sem uma “educação ocidental”: por exemplo, sem esse tipo de educação, os oficiais não progridem no exército nigeriano. Houve ainda defensores do Boko Haram que encenaram ostentosamente uma fogueira em praça pública, queimando seus diplomas universitários, que definiram como “inúteis e danosos”. Mas aqui estamos diante do irracional, de gente que eu definiria submetida a lavagem cerebral, pessoas com as quais até dialogar é árduo.
A nossa comunidade católica vive em paz com todos. A Igreja pronunciou-se definitivamente em favor da liberdade religiosa, eliminando assim qualquer possível mal-entendido. A Igreja do nosso Concílio Vaticano II, além disso, não temeu nem se esquivou da modernidade, sabe compreendê-la e abraçá-la, deu-nos meios para sustentar o diálogo com o mundo.
Nós não podemos aceitar a liberdade religiosa reticentemente, com um “sim, porém...”, pois isso significaria negar a liberdade de alguém, até a nossa própria.
Os ensinamentos do Concílio são um patrimônio que nos permite viver juntos, no mundo e entre as diversas religiões, as quais talvez não possuam ainda esse patrimônio e se esforçam para encontrar em suas teologias justificativas para viver a relação com a modernidade. Vale tanto para os meus amigos muçulmanos quanto para mim mesmo o fato de que no Alcorão, como na Bíblia, cada um de nós pode encontrar trechos que a interpretação permite forjar como apologia da intolerância e da violência. No Livro dos Juízes, Deus vem com o exército para debelar os pagãos...! Mas o Senhor deseja que neste mundo nós vivamos em paz e o reconheçamos como Pai. E não devemos forçar ninguém: quem deseja se tornar muçulmano esteja livre para isso, como também quem deseja continuar a ser cristão. E que o Estado seja a garantia de que isso possa acontecer pacificamente. Eis a minha liberdade religiosa: eu sou cristão por graça de Deus, mas isso não significa que essa graça seja dada sempre ou a todos. Não há obrigação na fé. Aqui na Nigéria citamos muitas vezes e de boa vontade uma bela sura do Alcorão: “Se Deus quisesse, nos teria feito todos muçulmanos”.

 

(Depoimento tomado por Giovanni Cubeddu, revisto pelo autor)


Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF