Presbíteros |
Tradução e
abreviação de M. C. Henriques, Lisboa, Ática, 1996
§ 1 O meio social. Imprensa e Audiência
A Reforma foi o primeiro
grande movimento social a contar para a sua propagação com um novo meio
técnico: a palavra escrita. Aproveitando as circunstâncias do extraordinário
desenvolvimento da imprensa desde meados do século XV e que aumentou o número
de obras em circulação de algumas dezenas de milhares de manuscritos para
alguns milhões de livros e panfletos, Lutero chegou a atingir um quase
monopólio das casas editoras alemãs ocupadas em imprimir os seus sermões,
panfletos, as cartas e a tradução da Bíblia. Em segundo lugar, a Reforma é
alimentada por um novo e grande público de professores e alunos. Entre 1385
(Heidelberg) e 1502 (Wittenberg) são fundadas na Alemanha 15 novas
universidades. Em Wittenberg junta-se o trio formado por Lutero, Melanchton e Carlstadt.
Ao serem nomeados professores, o primeiro tem menos de 30 anos, o segundo tem
21 anos (1518). No século XV, apenas em Espanha houve um surto paralelo de
energia cultural, estando as 7 universidades então fundadas dependentes da
Inquisição, fundada em 1478, da Coroa (Concordata de 1482) e da Ordem
Dominicana. Estes novos meios de comunicação social criaram um mundo de
escritores e leitores, de livros e debates literários com grande rapidez e
coesão na disseminação das ideias. A mensagem e os problemas agitados não eram
novos e o estado da Igreja não era mais grave que no cativeiro de Avinhão. Só
que as instituições, as questões teóricas e os acontecimentos eram agora
avaliados por um crivo mais apertado e numa situação cada vez mais explosiva. E
o monge de Wittenberg será o epicentro da Reforma, esse vasto movimento da
consciência europeia que começa com atos e não com doutrinas e cujo curso é em
grande parte determinado pela interação entre a situação histórica a
personalidade de um homem.
§ 2 O debate de Leipzig em 1519
Supõe-se correntemente que o
cisma das Igrejas é consequência fatal da ação de Lutero. Na realidade, a
sequência é inversa. O cisma das Igrejas é anterior e, inicialmente, ninguém
pretendia agravá-lo. Desde 1054 que existia um cisma entre Roma e a Igreja
Ortodoxa, um facto que o Concílio de Florença de 1439 não conseguira modificar.
Esta questão dormente veio à tona no debate de Leipzig em 1519 entre os
teólogos Lutero e Eck. Este, como adiante se verá, queria promover a sua
carreira, Lutero não sabia calar-se e o Eleitor da Saxónia, que poderia ter
proibido o debate, acreditava que da livre discussão nasceria a luz. Sustentava
Eck que os cristãos Gregos estavam condenados ao inferno por não reconhecerem o
pontificado de Roma enquanto Lutero defendia a possibilidade de salvação dos
Gregos. Apesar de os Gregos jamais terem reconhecido o pontífice romano, os
santos e padres da Igreja Grega não eram heréticos. Iria o Papa expulsar do céu
S.Basílio e S.Gregório de Nazianzeno ? O debate conduziu à questão da natureza
do papado. Segundo Eck, considerar o papado como instituição humana era
característico dos Hussitas,de Wycliff e dos manifestos de York, posição
condenada pelo Concílio de Constança. Pretenderia alguém saber mais que o Concílio?
O que Lutero afirmava é que um cristão não podia ir para o inferno só porque
nascera nos arredores de Constantinopla.
O que estava em jogo não era
novo. Conquanto o tema raramente fosse referido, a concórdia cristã sempre
estivera exposta a um risco de decisionismo. A unidade da Igreja sempre
assentou na boa vontade para haver compromisso e cooperação de acordo com o
espírito de Jesus Cristo. Se a liberdade de cooperação se atrofia a ponto de a
unidade ter de assentar na decisão de uma autoridade parcial, cresce o perigo
de cisma, como se verificara nas tentativas de reforma inglesa e boémia. O
movimento conciliarista do século XV desprestigiara a acção dos Concílios no
momento em que o consenso era mais necessário. E a literatura de controvérsia
volveu-se em literatura sectária, estendendo-se posteriormente às divisões
partidárias e nacionais. A verdade é que a cristandade como religião histórica
se diferenciara de acordo com áreas de civilização, um problema que não podia
ser arrumado com declarações mútuas de heresia.
BIBLIOGRAFIA:
Joseph Denifle, Luther und seine Entwicklung, 2 vols., 1904-6
Jacques Maritain, Trois Réformateurs, 1923
Nenhum comentário:
Postar um comentário