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Na avaliação da entidade, a medida, difundida por
meio de um ofício circular no dia 29 de dezembro de 2021, “afronta a
Constituição Federal e as leis que tratam da matéria, vulnerabilizando ainda
mais os povos indígenas que sofrem cotidianamente com a invasão e destruição de
seus territórios”.
O ofício foi expedido pelo coordenador de
Monitoramento Territorial da Funai, Alcir Amaral Teixeira, após uma consulta da
Diretoria de Proteção Territorial (DPT) à Procuradoria Especializada do órgão
indigenista.
Além de excluir as terras indígenas não homologadas
dos planos de proteção territorial, o ofício determina que informações sobre
crimes ambientais em terras indígenas não homologadas que cheguem ao
conhecimento das Coordenações Regionais da Funai “devem ser formalmente
encaminhadas aos órgãos competentes”, como Polícia Federal, Ibama e secretarias
estaduais do meio ambiente.
No caso de crimes contra comunidades ou indígenas
que habitam essas terras, a orientação é para que as coordenações apenas
repassem as denúncias às Polícias Civil, Militar e Federal, não prevendo
medidas administrativas ou judiciais voltadas à proteção dos povos indígenas.
A única exceção para essas determinações é no caso
de terras indígenas cuja proteção é garantida por meio de ordem judicial.
“A conduta temerária e recorrente da atual gestão
da Funai pode se enquadrar em possíveis atos de improbidade administrativa,
exigindo atuação firme do MPF para apuração dos atos e responsabilização de
seus agentes”
Terras afetadas
Na prática, segundo dados do relatório Violência
contra os povos indígenas do Brasil – dados de 2020, do Cimi, a medida deixa
desprotegidas pelo menos 282 terras indígenas que se encontram em diferentes
fases do processo de demarcação, e torna ainda mais vulneráveis as comunidades
de 536 terras indígenas que ainda não tiveram providências do Estado para seu
reconhecimento. Entre as áreas afetadas estão, inclusive, 14 terras indígenas
com portarias de restrição devido à presença de povos em isolamento voluntário.
Posição inconstitucional
A medida, na análise do Cimi, “escancara mais uma
vez o afastamento da atual gestão do governo federal de suas atribuições
constitucionais na proteção dos direitos indígenas”.
A proteção garantida pela Constituição Federal aos
territórios indígenas não se restringe apenas às terras homologadas, mas “a
todos os territórios ocupados por comunidades indígenas no país, homologados ou
não”, destaca a nota técnica.
“O órgão indigenista não pode se furtar de cumprir
com as suas atribuições legais, muito menos dar interpretação restritiva à
Constituição Federal e leis ordinárias que fixam seus deveres institucionais”
Além da Constituição, instrumentos legais
anteriores a ela, como o Estatuto do Índio e a lei de criação da própria Funai,
garantem a proteção a todos os territórios indígenas, independentemente da fase
em que se encontra seu procedimento administrativo de demarcação.
A mesma posição já foi reafirmada em diversas
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e, inclusive, em manifestação
recente do Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, no julgamento de
repercussão geral sobre a demarcação de terras indígenas.
“Nossa
Corte Constitucional em diversas oportunidades se manifestou no sentido de que
não é da conclusão de processo de demarcação que advém o dever de proteção aos
direitos indígenas, pois o procedimento demarcatório não constitui terra
indígena, mas apenas reconhece a existência de posse tradicional preexistente,
tratando-se de ato meramente declaratório”, prossegue a nota.
Recentemente, essa posição foi novamente defendida
pelo ministro Roberto Barroso, em decisão que determinou que o governo federal
ampliasse as medidas de proteção aos povos originários em meio à pandemia. A
determinação ocorreu no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 709, movida pela Apib e apoiada por diversas organizações e
partidos.
A decisão também suspendeu a validade da Resolução
04/2021, que havia sido publicada pela Funai no início de 2021 e estabelecia
critérios para restringir o autorreconhecimento dos povos indígenas.
“É inaceitável a postura da União com relação aos
povos indígenas aldeados localizados em Terras Indígenas não homologadas”,
sustentou o ministro do STF. “A identidade de um grupo como povo indígena é, em
primeiro lugar, uma questão sujeita ao autorreconhecimento pelos membros do
próprio grupo. Ela não depende da homologação do direito à terra. Ao contrário,
antecede o reconhecimento de tal direito”.
Atuação anti-indígena
A nota técnica do Cimi cita, além da resolução
suspensa pelo STF, outras medidas da atual gestão da Funai que vão no sentido
de diminuir a proteção a terras indígenas não homologadas, como a Instrução
Normativa 09, publicada em abril de 2020, que passou a permitir a certificação
de propriedades privadas sobre essas terras indígenas, gerando grave
insegurança jurídica em todo o país.
“O
órgão indigenista não pode se furtar de cumprir com as suas atribuições legais,
muito menos dar interpretação restritiva à Constituição Federal e leis
ordinárias que fixam seus deveres institucionais”, aponta a nota técnica.
“A conduta temerária e recorrente da atual gestão
da Funai pode se enquadrar, dada a previsão legal, supralegal e constitucional,
em possíveis atos de improbidade administrativa, exigindo atuação firme do
Ministério Público Federal para apuração dos atos e responsabilização de seus
agentes”, avalia o Cimi.
Clique aqui para ler a nota
técnica na íntegra.
Com
informações da Assessoria de Comunicação do CIMI.
Foto:
TI Ituna/Itatá (PA), com portaria de restrição devido à presença
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