Refúgio de 15 meninas judias durante as perseguições de 1943na igreja romana de Santa Maria ai Monti |
No Dia da Memória das Vítimas do Holocausto, uma história
de salvação: a de uma paróquia romana que salvou quinze meninas judias. Na
igreja de Santa Maria ai Monti, a poucos passos do Coliseu, um grupo de meninas
foram escondidas graças às irmãs e ao pároco durante as rondas nazistas de
1943. O pároco, padre Francesco Pesce: "Uma antecipação da fraternidade
invocada pelo Papa na Fratelli Tutti".
Salvatore Cernuzio – Vatican
News
Passavam o dia desenhando,
sempre desenhando. Assim as meninas judias refugiadas em um túnel estreito e
escuro sob o campanário da igreja romana de Santa Maria ai Monti se distraíam
do incessante rumor das botas dos soldados sobre os paralelepípedos, durante o
horrível mês de outubro de 1943. Um longo período de terror que transformou
Roma em uma floresta onde os predadores alemães arrancaram de suas casas
vítimas inocentes. As meninas desenhavam principalmente rostos: os de suas mães
e pais para que o terror ou o tempo não turvassem sua memória, os das bonecas
perdidas na fuga, o rosto da Rainha Esther segurando um kallá, o
pão da oferta. Escreviam seus nomes e sobrenomes, Matilde, Clelia, Carla, Anna,
Aida.
Nas paredes
desenhos, rostos, recordações
Aida, cuja assinatura ainda
está marcada nas paredes com sua elegante caligrafia:
"Aida Sermoneta. Moro
na sombra destes arcos".
Arcos nos quais são visíveis,
embora desbotados pela umidade, peixes e frases em hebraico, dedicatórias à
"Roma santa e popular". Talvez com o atrito do carvão nas paredes, as
meninas quisessem cobrir gritos, tiros, portas batidas.
Uma imagem da paróquia de 1943 | Vatican News |
Refugiadas no
convento
Eram quinze, a menor tinha
quatro anos de idade. Elas se salvaram escondendo-se em um espaço de seis
metros de comprimento e dois metros de largura no ponto mais alto desta igreja
do século XVI a poucos passos do Coliseu. Ali passavam horas agonizantes, que
às vezes se transformavam em dias. Entre as paredes e os arcos moviam-se como
sombras para escapar dos soldados e delatores. Ajudadas pelas irmãs e pelo
pároco da época, padre Guido Ciuffa, elas escaparam do rastreamento e morte
certa nos campos de concentração que levaram a vida de seus parentes. As mesmas
pessoas que tiveram a coragem de confiá-las às Filhas da Caridade no então
Convento das Neófitas. Misturadas com as estudantes e noviças, ao primeiro
sinal de perigo, eram levadas à paróquia por uma porta interna de comunicação.
O que não deve
mais acontecer
Hoje aquela porta é uma parede
de concreto no sala da catequese. "Costumo explicar sempre às crianças o
que aconteceu aqui e principalmente o que não deve mais acontecer”, explica
ao Vatican News o padre Francesco Pesce, que é o pároco de
Santa Maria ai Monti há doze anos. Padre Francesco é muito apreciado em toda a
vizinhança, um emblema de uma Roma que ainda é capaz de fazer dialogar etnias e
religiões. "Esta porta é simbólica, é uma passagem do desespero para a
esperança, do mal para o bem". Daquela porta as meninas corriam para
a sacristia na direção de outra porta, disfarçada pelo padre Guido com
tapeçarias, vestes, mantos de Nossa Senhora. Era o ponto de junção para subir a
escada que levava sobre a abside, 30 metros acima do solo. Mais acima, tinham
apenas os sinos. Ou o céu, a única via de fuga.
A passagem para o esconderijo sobre o campanário da igreja | Vatican News |
A escada para a
salvação
Padre Francesco nos conduz
nesta imensidão de memórias levando-nos escada acima, iluminada por uma tocha.
Noventa e cinco degraus de uma escada em espiral escura. Uma espiral
angustiante. Nos momentos de perigo, no entanto, o único caminho para a
salvação. O chão range por causa das carcaças de pombos mortos, a respiração
encurta e os olhos só se acostumam à escuridão após alguns minutos, quando
janelas do tamanho de tijolos deixam entrar vislumbres de luz. As meninas
subiam e desciam a torre, sozinhas, por sua vez, para recolher alimentos e
roupas e levá-los às suas colegas, que esperavam na cúpula de concreto que
cobria a abside. O mesmo que usavam nos raros momentos de brincadeira, quando
os cantos da missa cobriam o barulho.
Uma história de
fraternidade
A história de Santa Maria ai
Monti não é apenas a história de uma Igreja comprometida em resistir à fúria
dos nazistas, mas é uma história de fraternidade escrita entre as linhas do que
o Papa Francisco chamou de ‘a página mais negra’ da humanidade. "Aqui
tocamos o auge da dor, mas também o auge do amor", diz ainda o pároco.
"Toda a vizinhança ajudava, não apenas cristãos católicos, mas também
irmãos de outras religiões que se mantiveram em silêncio e continuaram a obra
de caridade. Nisso eu vejo uma antecipação da Fratelli tutti".
Silêncio e
caridade
Todos no bairro sabiam que tinha quinze meninas judias
escondidas na paróquia, e todos faziam escudo para protegê-las. Não cederam a
ameaças ou promessas de recompensas sujas de sangue, não quiseram compartilhar
nem mesmo as informações necessárias para organizar as ajudas. Muito arriscado
com soldados patrulhando o bairro continuamente; muito perigoso com delatores e
espiões infiltrados nas missas para escutar e observar e depois vender a vida
de outros. As meninas simplesmente tiveram que desaparecer. Todas elas foram
salvas. Como adultas, tendo se tornado mães, esposas e avós, elas continuaram a
visitar a paróquia. Uma delas continuou a visitar a paróquia até alguns anos
atrás, indo ao refúgio até onde suas pernas permitissem. Mesmo quando ficou
idosa, ela parava diante da porta da sacristia de joelhos e chorava. Assim como
fazia 80 anos atrás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário