Jornalista Filipe Domingues na Rádio Vaticano/Vatican News |
Baseado nas respostas dos jovens no Sínodo de 2018,
Filipe Domingues concluiu sua tese de doutorado no ano passado e publicou um
livro, que fala sobre consumismo e cultura do descarte na “era dos selfies”.
Filipe Brogliatto – Cidade do
Vaticano
O jornalista brasileiro Filipe
Domingues, radicado em Roma e especialista na cobertura do Vaticano, publicou
um livro que contextualiza – pelo olhar dos Jovens do Sínodo de 2018 –, um dos
principais problemas da atualidade: a falta de comprometimento para com o
próximo. O livro Selflessness in the Age of Selfies – “O
altruísmo na era dos selfies” (em tradução livre para o português) –, é
resultado da pesquisa realizada por Domingues para sua tese de doutorado na
Universidade Gregoriana de Roma. Atualmente, além do trabalho como
correspondente para jornais brasileiros, o jovem é vice-diretor do The
Lay Centre, uma comunidade que recebe leigos que moram na capital italiana
por motivos de estudo.
Para divulgar a publicação,
Filipe esteve na Rádio Vaticano-Vatican News e concedeu
entrevista ao padre Bruno Franguelli. De acordo com Domingues, o livro surgiu a
partir de um questionamento pessoal sobre os estudos que tratam do egoísmo
presente na sociedade e como as respostas dos jovens no Sínodo poderiam
elucidar alguns temas significativos. Além disso, sua tese de doutorado também
analisou as possibilidades e atitudes que ajudaria a acabar com esse problema
crônico. “Como a gente pode esvaziar esse egoísmo, esse egocentrismo que a
gente vê nas redes sociais?”, afirma o jornalista.
Filipe participou das
consultas e acompanhou de perto a rotina do Sínodo, que ocorreu entre os dias 3
e 28 de outubro de 2018. “Nesse livro, eu usei muitas coisas que os jovens
falaram no sínodo”, diz Domingues. O jornalista acredita que se os jovens não
tivessem sido ouvidos nesse processo, muitas questões importantes não teriam
chegado para reflexão da Igreja Católica e comunidade, entre elas, os modelos
de relacionamento interpessoal, a sexualidade, a educação, a família, as
maneiras de utilizar o tempo, dentre outras.
Consumismo
“A cultura do descarte é
basicamente um outro nome para aquilo que a gente chama de consumismo”, afirma
Domingues. Atualmente – diz ele –, quase todas as relações e práticas sociais
estão baseadas no consumo, principalmente por conta da lógica do mercado, que
ele mesmo define como “o ambiente onde a gente consome, um ambiente de encontro
e de troca”.
Porém, segundo Domingues, o
problema é quando a lógica do mercado passa a dominar outras partes da vida
pessoal. Como exemplo, ele cita os relacionamentos: “quando eu vou escolher as
minhas relações com base nas vantagens e desvantagens, pensando na oferta e
demanda, isso é um problema”, diz. O jornalista lembra também que os produtos e
objetos são feitas para estragar logo porque o mundo capitalista depende do
consumo e do crescimento econômico. “Você precisa sempre produzir coisas novas,
para que haja consumo, crescimento e gere emprego”, afirma.
“A cultura do descarte é uma
cultura que a gente consome muito, consome rápido, a gente consome em uma
lógica de mercado. A gente desperdiça coisas, desperdiça objetos mas também
vidas e pessoas, que acabam ficando fora de qualquer dinâmica social”, resume o
escritor.
Vatican News |
Dignidade e
acesso aos bens
Outro grande problema da
sociedade é a concentração dos bens e riquezas – inclusive naturais – nas mãos
de poucas pessoas, geralmente os mais ricos, afirma Filipe. “O princípio é que
todos nós temos a mesma dignidade. Deus criou o mundo para todos. A criação é
para todos. Então, se a gente instrumentaliza isso e só quem tem dinheiro e
recursos tem acesso à terra e a água, isso é um problema. Precisamos criar
mecanismos de distribuição e de acesso aos bens” afirma Domingues.
Para além do desperdício de
materiais e produtos que o consumismo pode gerar, também existe uma outra
dimensão, que é a humana. “Se a gente consome muito, consome rápido e troca as
coisas muito rápido, o resultado é um grande desperdício. Esse desperdício na
nossa cultura é material. Mas tem também uma dimensão humana, que o Papa
Francisco nos lembra sempre. Ela fala que existe uma parte da sociedade hoje
que está marginalizada, fora da dinâmica e de tudo que acontece. Essa parcela é
esquecida como se não existisse. É aquilo que chamam de globalização da
indiferença”, lembra Filipe.
Fé como objeto
de consumo
Além dos relacionamentos e da
questão econômica e financeira, Domingues diz que a fé também se transformou em
um componente dessa engrenagem. “A gente vive em uma sociedade em que também a
manifestação da fé virou objeto de consumo. Buscamos o ambiente ou a igreja no
contexto que nos agrada mais, que é mais conveniente, que tenha um
custo-benefício mais adequado”.
O jornalista explica que
muitas pessoas acabam participando dessa dinâmica de consumo da religião ou da
própria fé porque é aquela que mais agrada, que faz bem para elas mesmas. “Não
estou disposto a fazer nenhum sacrifício, a fazer nada diferente da rotina. O
consumo, também na dimensão da fé, trabalha no conforto e no prazer”, afirma.
Mídia
tradicional e redes sociais
No livro Filipe lembra que, ao
contrário da grande parte da mídia tradicional, as redes sociais não nascem
dentro de uma lógica de mercado, pensando em dinheiro ou no lucro. “Elas nascem
de uma proposta de democratização, de abertura a todos, de acesso. Nascem com o
objetivo de que vamos nos unir e todo mundo vai poder falar” completa ele.
Porém, Domingues recorda
também que, aos poucos, a lógica do mercado começa a invadir também as redes
sociais, a partir daquilo que chamamos de monetização, quando o Facebook se
transforma em uma empresa que precisa dar lucro.
O escritor afirma que o
mecanismo do “curtir”, virou uma maneira de saber o que o usuário gosto ou não,
para depois oferecer algum anúncio ou enquadrar em alguma categoria, para
posteriormente vender como um produto. “A monetização desvirtuou um pouco as
redes sociais”, diz ele.
Filipe Domingues na conversa com padre Bruno Franguelli SJ |
Redes Sociais no Sínodo dos Jovens em 2018
A tecnologia presente nas
relações e a influência das redes digitais, foram temas recorrentes no Sínodo
de 2018. Filipe explica que muitos dos pontos levantados no livro são
contextualizados justamente com base nas falas dos jovens. E, o mais
importante, destaca ele, é que “se a gente quer falar de redes sociais, de
igreja e mundo digital, a gente tem que envolver os jovens nessa conversa”.
Analisando as respostas dos
jovens nos questionários do Sínodo apresentadas, Domingues diz que eles
confirmam toda essa questão da cultura do descarte nas redes sociais. Cada dia
mais – completa o escritor – “os jovens sentem uma pressão de se mostrar bem,
de aparecer bem para seu grupo restrito de ‘amigos’ na internet.
Para o jornalista, a
possibilidade de bloquear, apagar, restringir, também vai fechando as pessoas
naquilo que os estudiosos chamam de ‘bolha’. “Se eu só fico com as pessoas que
eu gosto, com as pessoas que são iguais a mim e não com os outros, eu começo a
me fechar em uma bolha. Assim, a minha visão de mundo vai ficando limitada”,
afirma Filipe.
Mudanças nas
relações
Outro ponto abordado por
Filipe em seu livro, é a questão da mudança ocasionada pelas redes sociais e a
internet nas interpessoais. O jornalista afirma que essa mudança não ocorre
apenas na formação de “amigos pela rede digital”, mas também no próprio
relacionamento familiar, entre pais e filhos, por exemplo.
“As relações vão mudando. A
mídia, ao longo dos anos, foi substituindo papéis sociais que antes eram de
instituições tradicionais, como igreja, família e escola. Hoje a mídia ocupa
boa parte desses papéis. Entre eles o de educar, que é um papel tipicamente da
família e da escola”, diz Filipe Domingues.
Para o escritor, atualmente “a televisão, Youtube e a
Netflix, estão fazendo o papel de educar”. Além disso, esses meios de
comunicação estão ensinando as questões “de valores, o que é conceito de
família, o que é bom e o que é ruim, está sendo ensinado pela mídia”, conclui
ele.
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