O cardeal Fernando Filoni com Bento XVI / Bento XVI | ACI |
Vaticano, 28 jan. 22 / 04:30 pm (ACI).-
Abaixo, um texto especial do cardeal Fernando Filoni, grão-mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro
Essa é a pergunta que surge na mente de muitos nos últimos dias, dias de grande sofrimento para ele e para a Igreja.
No início de seu pontificado (2005) disse que se via como um humilde servo na vinha do Senhor, pensando na parábola do Evangelho Segundo são Mateus (21, 33-43). Nessa parábola, Jesus condenou o comportamento daqueles que, com a sua infidelidade, arruinaram aquela vinha plantada com sacrifício e dedicação. Naquela vinha, amada por Deus, para ser bem cultivada, o proprietário havia enviado trabalhadores. Pertencia a ele e os trabalhadores deveriam ter cuidado dela e não tomado posse.
Conheço Bento XVI pessoalmente, sobretudo porque, no início do seu ministério pontifício, ele me chamou a Roma das Filipinas, para onde, um ano antes, havia me mandado como representante pontifício. Lembro-me bem do nosso primeiro encontro; era o início de julho de 2007. Ele havia me nomeado Substituto da Secretaria de Estado, ou seja, um de seus colaboradores mais próximos. Isso me permitiu estar com ele pelo menos uma vez por semana para falar sobre os assuntos que lhe eram caros e receber informações apropriadas sobre muitos aspectos da vida da Cúria Romana e da Igreja.
Ao cargo do substituto também era confiada a organização das viagens papais, de modo que nos quatro anos em que permaneci no cargo, antes de me tornar prefeito da Congregação para as Missões, pude acompanhá-lo aos vários países aonde fez suas viagens apostólicas.
Naqueles anos, a 'questão da pedofilia' na Igreja surgiu com virulência. Não era conhecido nos termos em que gradualmente emergiu. Mas a vontade de Bento XVI de enfrentá-la com determinação sempre foi clara para mim.
Nisto posso testemunhar sobretudo a sua profunda e elevada honestidade moral e intelectual.
Isso é indubitável, mesmo que não faltem os que hoje se enfurecem contra ele. Eles são livres para fazê-lo, mas posso afirmar que nunca encontrei nele qualquer sombra ou tentativa de esconder ou minimizar nada. Tampouco sua delicadeza em lidar com coisas de profundo senso moral pode ser confundida com incerteza ou qualquer outra coisa.
Também estou bem ciente de sua imensa perturbação diante de graves questões eclesiais e lembro-me claramente de uma expressão que ele proferiu com um profundo suspiro: "Quão inescrutável é o abismo em que se cai pela miséria humana!" Isso o afligia intimamente e às vezes ele permanecia em silêncio por muito tempo. Ainda mais se essas misérias humanas tocaram os homens da Igreja.
Ele tinha um sentimento perceptível pelas vítimas. Quando em preparação para as suas viagens apostólicas (Estados Unidos, Austrália etc.) recebeu pedidos de encontros com vítimas de abusos, falou-me deles.
Ele queria saber o que eu pensava sobre como atender a esses pedidos. Posso afirmar que recomendou dois aspectos de que muito se preocupou: 1) o profundo respeito pelas vítimas cuja identidade deveria ser resguardada. Por isso ele queria que as reuniões ocorressem longe do olhar das câmeras ou de outras ferramentas visuais. Ele não queria testemunhas, mas queria que eu estivesse entre os poucos presentes discretamente; 2) desejava que a reunião não fosse uma espécie de 'audiência' com um simples aperto de mão e um rápido olhar, mas uma verdadeira reunião de oração. Que tivesse uma dimensão espiritual e tivesse lugar diante de Deus a quem era necessário implorar misericórdia. Por isso aceitou a ideia de que os encontros se realizassem na capela, em frente à Santíssima Eucaristia. Assim, depois de alguns minutos de oração com as vítimas, depois de pesados momentos de relacionamento, costumavam recitar juntos o Pai Nosso. Prestava atenção em cada um deles, ouvia com emoção visível e palpável e no final dava um rosário a cada um.
Nesses encontros havia não só a sensação da humilhação sofrida pelas vítimas, mas também a humilhação de um homem da Igreja que jamais poderia imaginar que ações tão degradantes pudessem acontecer, mas agora oferecia o bálsamo de uma oração e a alívio de uma solidariedade em nome daquele Deus que se humilhou e tomou sobre si a condição humana e seus pecados. Em cada encontro sempre houve um verdadeiro sentido humano e espiritual violado. Ainda havia a confiança em Deus de irmãos e irmãs profundamente comovidos. Houve um pedido de perdão de toda a Igreja a Deus, e houve um compromisso haveriam de ver Bento XVI combinar misericórdia e justiça, o que ele fez por meio de medidas que não existiam até então.
Esse é Bento XVI, que conheço de perto. Um 'pastor', um 'trabalhador' da vinha do Senhor, que sempre teve no coração uma profunda "preocupação por todas as Igrejas" e por uma humanidade aflita, caída e sem Deus, como ele disse durante a visita, naquela tarde distante de 25 de abril de 2005, à basílica de São Paulo Fora dos Muros, o apóstolo dos povos.
Fonte: https://www.acidigital.com/
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