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Há dois mil anos, Nazaré era
uma aldeia desconhecida para a maioria dos habitantes do mundo. Naquela aldeia,
estava a criatura mais extraordinária que existiu.
Há dois mil anos, enquanto
Roma brilhava no seu esplendor, havia muitas outras cidades nas margens do
Mediterrâneo que, embora longe de possuírem a importância da capital do
Império, gozavam de prosperidade e em alguns casos tinham sido protagonistas de
gloriosas páginas da história: Atenas, Corinto, Éfeso, Siracusa, Alexandria,
Cartago... e na antiga Palestina, a venerável cidade santa de Jerusalém e as
florescentes Cesareia e Jericó.
Ao contrário destas cidades,
Nazaré era uma aldeia desconhecida para a maioria dos habitantes do mundo: um
punhado de casas pobres, parcialmente escavadas na rocha, aglomeradas nas
encostas de alguns promontórios da Baixa Galileia. Mesmo na área reduzida da
região, Nazaré não era muito importante. Em duas horas a pé se chegava a
Séforis, onde se concentrava quase toda a atividade comercial da zona; este
local edifícios bem construídos, e seus habitantes falavam grego e estavam em
contato com o mundo intelectual greco-latino. Em Nazaré, por outro lado, viviam
poucas famílias, que só falavam aramaico. Os seus habitantes eram cerca de uma
centena. A maioria deles se dedicava à agricultura e à criação de gado, mas não
faltaram alguns artesãos como José, que com a sua engenhosidade e esforço
prestava bons serviços fazendo trabalhos de carpintaria ou ferraria.
Naquela aldeia, num canto
perdido da terra, onde ninguém que estivesse planejando um grande
empreendimento humano teria ido procurar alguém para o levar a cabo, estava a
criatura mais extraordinária que existiu, levando uma vida absolutamente normal
e simples, cheia de naturalidade[1].
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Ave Maria
Quando Isabel estava no sexto
mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada
Nazaré, a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da casa de
Davi. A virgem se chamava Maria[2]. São Lucas apresenta com simplicidade o
grande momento em que começou a nossa redenção. Sabemos muito bem como a
história continua: o anúncio do Anjo, a perturbação de Maria, aquele
diálogo impregnado de humildade e a resposta final de Nossa Senhora: Ecce
ancilla Domini; fiat mihi secundum verbum tuum[3].
Segundo uma antiga tradição,
recolhida por vários Padres da Igreja, no século II ainda moravam em Nazaré
alguns parentes de Jesus, que conservavam o quarto onde a Santíssima Virgem
recebeu o anúncio do Anjo e a outra casa onde a Sagrada Família morou mais tarde.
Também se conservava a memória da fonte onde a nossa Mãe, como as outras
mulheres daquela aldeia, ia buscar água. Há testemunhos escritos de peregrinos
que visitaram Nazaré no século IV para ver aquela casa, e testemunharam que já
naquela época era um lugar de culto cristão, onde havia um altar.
No século V, foi construída
uma igreja de estilo bizantino, que estava em ruínas quando os Cruzados
chegaram no final do século XI. O cavaleiro normando Tancredo, Príncipe da
Galileia, mandou construir uma basílica sobre a gruta, mas o novo edifício foi
demolido outra vez durante a invasão do Sultão Bibars, em 1263.
Em 1620, um emir autorizou os
franciscanos a adquirir as ruínas da basílica e da gruta. Em 1730, os
franciscanos obtiveram a autorização do Sultão otomano para construir uma nova
igreja naquele local. A estrutura foi ampliada em 1877 e completamente demolida
em 1955, para permitir a construção da atual basílica, que é o maior santuário
cristão do Oriente Médio.
Antes de começar a construção
da nova basílica, o Studium Biblicum Franciscanum realizou uma pesquisa
arqueológica no local: encontraram um edifício dedicado ao culto, com numerosos
grafites cristãos. Entre eles, destaca-se uma inscrição em grego: XE MAPIA (Ave
Maria); e outra na qual se menciona “o lugar santo do M”. Tanto o edifício
primitivo como o grafite são anteriores ao século III, e muito provavelmente
corresponderiam ao final do século I ou início do II.
Estas descobertas foram
completadas posteriormente com estudos realizados na Casa Santa de Loreto,
entre 1962 e 1965, que mostraram que as proporções da casa encaixavam com as
que eventualmente teriam um edifício anexo à gruta de Nazaré, e que os grafites
encontrados nas paredes da Casa que se conservam em Loreto são do mesmo estilo
e correspondem ao mesmo período que os encontrados em Nazaré. Estes dados,
somados aos fornecidos por fontes escritas e outros restos arqueológicos,
explicam porque é perfeitamente compatível que, tanto na basílica de Nazaré
como no santuário do Loreto, os peregrinos possam contemplar o lugar físico
onde ocorreu a Encarnação do Verbo, considerando com emoção e
agradecimento: Hic Verbum caro factum est.
As pesquisas arqueológicas
realizadas em Nazaré no século XX confirmaram que havia culto cristão ao redor
da Gruta da Anunciação desde os primeiros séculos. Além disso, descobriram os
restos de três igrejas (visíveis na cripta da atual basílica) que foram
construídas antes da deslocação da Casa Santa de Loreto para a Itália.
"Deus Pai me
receberá"
Era natural que esta emoção
interior, contida, mas ao mesmo tempo impossível de esconder completamente, se
apoderasse do Bem-Aventurado Álvaro del Portillo em 15 de março de 1994, quando
foi rezar e celebrar a Santa Missa na Basílica da Anunciação em Nazaré. Mons.
Javier Echevarría recordava, alguns dias depois, que Dom Álvaro estava muito
contente por ter esta oportunidade de “contemplar muito de perto os lugares
onde Cristo esteve, onde viveu Cristo, o seu grande amor”[4] .
Em Nazaré, o Bem-Aventurado
Álvaro foi primeiro rezar numa igreja onde se conserva um poço cuja antiguidade
parece remontar aos tempos da vida terrena de Maria. Aí voltou a considerar uma
ideia que muitas vezes levava à sua oração: como Nossa Senhora, “sendo a
criatura mais excelente, com todas as perfeições sobrenaturais que se podem
imaginar, tinha de cumprir todos os detalhes que lhe correspondiam como esposa
e mãe de família. Obrigações comuns, que dizem respeito a pessoas comuns como
nós – que ela faria com verdadeira delicadeza, com verdadeiro carinho, pensando
que, com o que parecia muito vulgar, ela estava honrando a Deus e ajudando as
pessoas que dependiam do seu trabalho e do seu serviço”[5].
Depois, foram à igreja de São José, onde é venerada a casa onde a
Sagrada Família viveu durante a vida oculta de Jesus. Ali, o Bem-Aventurado
Álvaro “recordou os ensinamentos do nosso Fundador sobre São José. O nosso
Padre chamava-o de “um grande senhor”, porque soube cumprir a sua missão com
verdadeira distinção, com verdadeiro entusiasmo, embora não faltassem
dificuldades ou dores; não teve dúvidas, mas deve ter tido inquietações, ao ver
tão de perto mistérios que ele não compreendia”[6].
De lá, foram para a Basílica
da Anunciação, e o Bem-Aventurado Álvaro ficou emocionado ao ler a inscrição
debaixo do altar: Verbum caro hic factum est. Dom Javier Echevarría
recordava que, diante daquelas palavras, “renovaram-se os desejos e os amores
que o nosso Padre tinha em 15 de Agosto de 1951, quando foi consagrar a Obra ao Coração Dulcíssimo de Maria, na Santa
Casa de Loreto, que a tradição chama de casa de Nossa Senhora”. Ali,
em cima do altar, está escrito: Hic Verbum caro factum est”.
Dom Álvaro celebrou a Missa na gruta da Anunciação opusdei.org |
Naquele momento, a basílica
estava fechada ao público e, como sempre, o Bem-aventurado Álvaro pôde celebrar
o Santo Sacrifício de uma maneira muito recolhida. Em sua homilia, ele falou do
sentido cristão do sofrimento. Estava presente um fiel supernumerário da Obra
que tinha sido diagnosticado pelos médicos com um câncer com um prognóstico
muito ruim, e que faleceu pouco tempo depois:
Sempre e em todos os momentos
é um grande privilégio celebrar ou assistir à Santa Missa. Mas Nosso Senhor é
tão bom que quis deixar estas recordações da sua passagem pela terra, da sua
vinda ao mundo. Aqui parece mais fácil falar com Deus, considerar com alegria o
Amor que o Senhor tem por nós, e é um privilégio especial celebrar a Santa
Missa.
Nesta gruta, lá em baixo, onde
está o sinal, o Verbo se fez carne. O Deus Todo-Poderoso, infinitamente grande,
assume a carne humana. Onde? Numa casa cheia de pobreza. E onde ele nasceu
também? Em outra gruta, que agora, com o passar dos anos, está muitos metros
abaixo do solo. O Senhor esteve ali. Foi aí que o Senhor nasceu. Para quê? Para
nos dar vida. Ele se tornou mortal, vivendo dessa maneira – e depois, morrendo
como morreu – para que pudéssemos viver.
O Senhor permite que passemos
por dores, sofrimentos e tristezas. Mas são carícias que nos aproximam mais
d'Ele. Hoje, ao contemplar aquela cena maravilhosa narrada pelos Evangelistas,
penso mais facilmente que quando o Senhor nos permite sofrer, depois nos
transmite mais o seu Amor, para nos parecermos mais com Ele.
Nós, sacerdotes e leigos do
Opus Dei, estamos aqui reunidos para assistir ao Santo Sacrifício da Missa
e dizemos-lhe: Senhor, obrigado por ser tão bom! Obrigado por dignar-se vir ao
mundo, assumindo a carne daquela donzela maravilhosa que era a Virgem Maria!
Para que nós fôssemos santos, para aprendermos a lutar e para sabermos
dizer: Quero o que quereis, quero porque o quereis, quero como o
quereis, quero enquanto o queirais.
Meus filhos: vamos pedir por
toda a Obra. Eu também me uno às intenções particulares de cada um de vocês.
O Senhor é muito bom. O Senhor
nos conduz por caminhos que não podemos compreender; mas tudo o que Ele nos
envia ou permite que nos aconteça é sempre para o nosso bem e para o bem das
pessoas que nos amam e que nós amamos.
Eu peço, como é natural, em
primeiro lugar, pela Obra, por todos os membros do Opus Dei espalhados
pelo mundo. Pelo muitos que sofrem; pelos muitos que têm lutas interiores e
precisam da ajuda de nosso Senhor. Podemos ajudá-los, recorrendo a Nosso Senhor
através da Santíssima Virgem Maria. Jesus não pode negar nada à sua mãe. Como
Ele, que é o melhor filho, pode dizer não a Maria, a melhor das mães? Nosso
Senhor ouve a Maria que também é nossa Mãe porque Jesus Cristo a deixou para
nós como herança antes de morrer. Maria é nossa Mãe e nos ouve o tempo todo.
Estejam sempre cheios de
alegria, cheios de paz, porque temos um Deus no Céu que é capaz de fazer
maravilhas e uma Mãe no Céu que recebeu todo o amor que uma Mãe pode ter.
Vamos rezar em primeiro lugar
pelo Santo Padre e pela Igreja universal, pela Igreja Católica. Especialmente
pelo Papa, que necessita muito de orações. Ele tem muitos inimigos, mas o
Senhor lhe dá paz e alegria abundantes. Ele não pensa nisso: pensa na falta do
amor de Deus. Meus filhos: falta amor de Deus no mundo!
É a hora de nos examinarmos
também, para ver se estamos amando a Deus como devemos. Vamos ver se podemos
dar algo mais ao Senhor, que tem o direito de pedi-lo e que nos pede agora,
enquanto nos oferece a graça para corresponder. É fácil assim! E quando o
momento chegar, poderemos dizer ao nosso Senhor: Senhor, eu fiz tudo o que
estava ao meu alcance, tudo o que pude. E quando chegar o momento, Você me
receberá, como recebeu o filho pródigo daquele bom pai.
Que não sejamos filhos
pródigos; que sejamos fiéis, sempre, até a morte, que virá quando Deus quiser.
Que Deus abençoe a vocês.
Vamos rezar uma Ave-Maria a
Nossa Senhora”[7].
Sempre fiéis
Oito dias depois, nosso Senhor quis levar consigo o Bem-Aventurado Álvaro,
que até o último suspiro manteve aquela paz inefável que quem vive
completamente nas mãos de Deus possui. A Missa pela sua alma foi celebrada na
basílica romana de Santo Eugênio, no dia 25 de Março, solenidade da Encarnação
do Senhor: “Como recordávamos – escrevia-se em Crónica – a
renovação do Sacrifício do Altar que o Padre fez na Basílica da Anunciação, em
Nazaré, apenas dez dias antes”. Também estavam vivas em todos as palavras que o
Bem-Aventurado Álvaro proferiu no final da sua homilia: “Sejamos fiéis, sempre,
até à morte, que virá quando Deus quiser”. Como eco desse conselho, na frente
do Sacrário que os fiéis da Obra deram ao Prelado em 2007, por ocasião do seu
75º aniversário, e que se destinava à casa de retiros Saxum, foi colocada a
inscrição: Semper fidelis, que resume a vida do Bem-Aventurado
Álvaro e dá o tom que devemos ter em nossa vida em todos os momentos.
[1] Inspirado na pregação do padre Francisco
Varo Pineda, em parte recolhida no seu blog: Un día en la vida de la Virgen María (Primeros Cristianos);
Retiro, pro manuscrito.
[2] Lc 1, 26-27.
[3] Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em
mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38).
[4] Javier Echevarría, Palavras publicadas
en Crónica, 1994, p. 279 (AGP, biblioteca, P01).
[5] Ibid.
[6] Ibid., p. 282.
[7] Álvaro del Portillo, Homilia,
15/03/1994, publicada en Crónica, 1994, pp. 283-285 (AGP, biblioteca,
P01).
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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