Antoine Mekary | ALETEIA |
Assim gostaria que fossem as nossas avós e os nossos avôs.
Hoje não é raro
viver muitos anos depois da aposentadoria. Mas como fazer frutificar este tempo
que temos à disposição? Esse foi o questionamento do Papa Francisco na
catequese desta quarta-feira aos peregrinos na Praça de São Pedro.
“Vou para a
aposentadoria hoje, e serão muitos anos, e o que posso fazer, nesses anos, como
posso crescer – a idade cresce sozinha – mas como posso crescer em autoridade,
em santidade, em sabedoria?”, perguntou o Papa.
Para muitos, a perspectiva
da aposentadoria coincide com um merecido e desejado descanso de atividades
exigentes e cansativas. Mas – segundo Francisco – também acontece que o fim do
trabalho represente uma fonte de preocupação e seja esperado com uma certa
inquietação.
“O que farei agora, que a minha vida se esvaziará daquilo
que a preencheu durante tanto tempo?”: esta é a pergunta. O trabalho diário
significa também um conjunto de relações, a satisfação de ganhar a vida, a
experiência de desempenhar um papel, uma merecida consideração, um tempo
repleto, que vai além do simples horário de trabalho.
Netos
Nesse sentido, o
Papa reconheceu que há o compromisso, “alegre e cansativo” de cuidar dos netos,
“e hoje os avós desempenham um papel muito importante na família para ajudar a
criar os netos”; mas “sabemos que hoje em dia nascem cada vez menos filhos, e
os pais estão frequentemente mais distantes, mais sujeitos a deslocamentos, com
situações de trabalho e de habitação não favoráveis”.
Acontece também de
os pais estarem mais relutantes em confiar aos avós espaços de educação, e só
lhes concedem aqueles estritamente ligados à necessidade de assistência.
Mas alguém me dizia, quase sorrindo com ironia: “Hoje, os
avós, nesta situação socioeconómica, tornaram-se mais importantes, porque
possuem a pensão”. Há novas exigências, até no âmbito das relações educativas e
parentais, que requerem a reformulação da aliança tradicional entre as
gerações.
Reformulação
Mas,
perguntemo-nos – prosseguiu o Papa –, será que fazemos este esforço de
“reformulação”? Ou será que simplesmente sofremos a inércia das condições
materiais e económicas?
Com efeito, a coexistência das gerações prolonga-se.
Procuramos, todos juntos, torná-las mais humanas, mais carinhosas, mais justas,
nas novas condições das sociedades modernas? Para os avós, uma parte importante
da sua vocação é ajudar os filhos na educação das crianças. Os pequeninos
aprendem a força da ternura e o respeito pela fragilidade: lições
insubstituíveis que, com os avós, são mais fáceis de transmitir e de receber.
Os avós, por sua vez, aprendem que a ternura e a fragilidade não são apenas
sinais de declínio: para os jovens, constituem passagens que humanizam o
futuro.
Judite
O Papa falou então
sobre a velhice da heroína bíblica Judite, que fica viúva cedo e não teve
filhos, mas na velhice pode viver um tempo de plenitude e serenidade,
consciente de ter vivido até ao fundo a missão que o Senhor lhe confiara.
“Para ela é o
tempo de deixara boa herança da sabedoria, da ternura, dos dons à família e à
comunidade: uma herança de bem e não só de bens. Quando se pensa em
herança, às vezes pensamos nos bens, e não no bem que
se pratica na velhice e que foi semeado, aquele bem que é a
maior herança que podemos deixar”, disse.
Precisamente na sua velhice, Judite “concedeu a liberdade
à sua serva preferida”. Isto é sinal de um olhar atento e humano em relação a
quem lhe esteve próximo. Esta serva acompanhou-a no momento daquela aventura
para derrotar o ditador e degolá-lo. Na velhice, perde-se um pouco da vista,
mas o olhar interior torna-se mais penetrante: vê-se com o coração. Torna-se
capaz de ver coisas que antes passavam despercebidas. Os idosos sabem olhar e
sabem ver… É assim: o Senhor não confia os seus talentos apenas aos
jovens e aos fortes: tem talentos para todos, à medida de cada um, também para
os idosos. A vida das nossas comunidades deve saber desfrutar dos talentos e
carismas de tantos idosos que no registo civil já estão reformados, mas que são
uma riqueza a valorizar. Isto requer, da parte dos próprios idosos, uma atenção
criativa, uma atenção nova, uma disponibilidade generosa. As antigas
habilidades da vida ativa perdem a sua parte de constrangimento, tornando-se
recursos de doação: ensinar, aconselhar, construir, cuidar, ouvir… De
preferência, em benefício dos mais desfavorecidos, que não podem dar-se ao luxo
de alguma aprendizagem ou que são abandonados à sua solidão.
Judite libertou a sua serva, enchendo todos de atenções.
Como jovem, conquistou a estima da comunidade com a sua coragem. Na velhice,
mereceu-a pela ternura com que enriqueceu a sua liberdade e afetos. Judite não
é uma reformada que vive melancolicamente o seu vazio: é uma idosa apaixonada
que preenche com dons o tempo que Deus lhe concede. Recomendo-vos: pegai, um
destes dias, a Bíblia e abri o Livro de Judite: é pequenino, lê-se facilmente,
são 10 páginas, não mais. Lede esta história de uma mulher corajosa que acaba
assim, com ternura, com generosidade, uma mulher à altura. Assim gostaria que
fossem as nossas avós. Todas assim: corajosas, sábias e que nos deixem a herança
não de dinheiro, mas a herança da sabedoria, semeada nos seus netos.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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