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quinta-feira, 5 de maio de 2022

Diminuir a fome pela metade? Falaremos disso daqui a cem anos

Crianças que se nutrem com ajudas alimentares no Sudão
Arquivo: Extraído do número 12 - 2003

O dramático Relatório 2003 deste órgão da ONU sobre o Estado de Insegurança Alimentar no mundo. Em todo o planeta, 842 milhões de pessoas passam fome. A situação piora principalmente na África. Um sinal positivo chegou de Maputo, onde os países pertencentes à União Africana decidiram acelerar a atuação do Programa Global de Desenvolvimento Agrícola.

de Paolo Mattei

“Caminhando nesse passo a meta estabelecida só poderá ser alcançada em 2115, ou seja, um século depois”. A meta é a diminuição pela metade do número de subnutridos no mundo até o ano de 2015 e a afirmação é de Jacques Diouf, diretor-geral da FAO. Foi pronunciada no dia 16 de outubro passado em Roma durante o XXIII Dia Mundial da Alimentação. Uma amarga constatação. O ano de 2015 volta a ser um ano como outro para o futuro dos pobres da terra. Já é bem claro que a promessa de diminuir pela metade o número de subnutridos para essa data - feita pelo World Food Summit da FAO em 1996 e reconfirmada em 2002 - não poderá ser mantida. É preciso de muito mais tempo, pelo menos mais cem anos. De acordo com o Relatório 2003 sobre o Estado da Insegurança Alimentar no Mundo (apresentado em 25 de novembro em vista da Conferência Bienal da FAO, realizada em Roma de 29 de novembro a 10 de dezembro), 842 milhões de pessoas sofrem de subnutrição; destes, 798 milhões vivem em países em desenvolvimento, 34 milhões em países semidesenvolvidos e cerca de 10 milhões no mundo industrializado. O número de pessoas com fome depois de ter tido uma leve flexão na primeira metade da década de 1990 - 37 milhões a menos - nos últimos cinco anos do milênio teve um incremento de 18 milhões de unidades; a situação piorou particularmente nos países da África central e ocidental por causa das guerras. A Índia, que nos primeiros anos da década de 1990 chegou a tirar 20 milhões de pessoas do inferno da fome, entre 1995 e 2001 teve essa tendência positiva anulada, pois outros 20 milhões de pessoas entraram nesse grupo. Embora tenha sido constatado um melhoramento geral na Ásia, na América Latina , no Pacífico e no Caribe, o número de pessoas com fome continuou a aumentar na África subsaariana, no Oriente Médio e na África setentrional. E, segundo as estimativas, continuam a morrer de fome 11 milhões de crianças abaixo dos cinco anos a cada ano, e uma criança abaixo dos 10 anos a cada 7 segundos. Na África subsaariana (onde 33% da população passa fome) de cada mil crianças que nascem, 170 morrem, e na Ásia centro-meridional, 95. Esses números podem ter um significado negativo ainda maior se for considerado que o mundo produz alimentos em abundância. E são justamente os produtores primários, os agricultores do Terceiro Mundo, cada vez mais obrigados a renunciarem às culturas locais para se adequarem ao mercado globalizado, a serem mais atingidos pela pobreza e pela fome. Como disse João Paulo II na mensagem enviada a Diouf em 16 de outubro: “O abandono dos métodos tradicionais de cultivação, criados e desenvolvidos para corresponder a efetivas necessidades nutricionais e sanitárias, para as populações indígenas é um dos motivos do aumento da pobreza”.

Mas, apesar de tudo, Diouf falou também de esperança. Olhando, em primeiro lugar, justamente para a África, onde, em julho de 2003, em Maputo, os chefes de Estado e de governo da União africana decidiram acelerar a atuação do Programa global de desenvolvimento agrícola, comprometendo-se a destinar, nos próximos quinze anos, pelo menos 10% dos respectivos recursos nacionais ao melhoramento da produção agrária. Um certo otimismo é justificado, segundo Diouf, também pelos outros sinais encorajadores provenientes do Uruguai, Brasil e Serra Leoa, que colocaram em ação programas concretos contra a desnutrição. Certamente trata-se de exceções, assim como são exceções os 19 países que desde os primeiros anos da década de 1990 diminuíram o número dos que passam fome; entre estes a China tirou da pobreza quase 60 milhões de pessoas. Mas o secretário-geral da FAO quer valorizar a - embora seja pequena - parte boa da questão, também no que se refere à atual capacidade mundial de produção alimentar. “Se todos os alimentos produzidos neste ano”, explicou, “fossem repartidos igualmente entre todos os cidadãos do planeta, a produção alimentar seria suficiente para fornecer 2800 calorias por dia para cada pessoa, cerca de 17% a mais do que 30 anos atrás. E isso apesar de, no mesmo período, a população mundial ter tido um aumento de 70%. Portanto, Diouf tenta de algum modo evidenciar na análise dessa dramática discrasia, o aspecto propositivo. Para isso, evidencia a necessidade de realizar um sistema eficaz de distribuição das riquezas que, evidentemente, existem em abundância para todos.


Porém, já é claro que se trata de um trabalho que os Estados, por si, não têm condições de levar adiante. Assim como é claro que nem mesmo um mercado desenfreado, na atual perspectiva de absoluta liberdade de circulação global das mercadorias, possui a força necessária para originar o círculo virtuoso de uma distribuição equilibrada das riquezas.


Na declaração final da World Food Summit “Five years later”, chamada “Aliança Internacional contra a Fome”, que retomava uma idéia lançada em 2001 pelo presidente alemão, E. Johannes Rau, os chefes de Estado esperavam a participação da “sociedade civil”, cuja ação para enfrentar o drama da desnutrição, em parceria com o mundo político, era considerada de capital importância. Esse auspício foi novamente confirmado também em 16 de outubro, durante o Dia Mundial da Alimentação. A Aliança - entre produtores agrícolas e consumidores, governos locais e líderes das comunidades, cientistas, mundo acadêmico, grupos religiosos, ONGs, políticos, - deve, disse Diouf, tornar-se o quanto antes uma realidade operativa. Mas, naturalmente, isso não pode se substituir aos compromissos econômicos que cada nação assume internacionalmente. Infelizmente, são compromissos raramente mantidos. A coleta de recursos para o Terceiro Mundo, com efeito, é um falimento. Se dez anos atrás os países ricos destinavam 16 milhões de dólares à agricultura das nações pobres, hoje este valor desceu para 9 milhões, 40% a menos.


“Mesmo diante destes dados eu não acredito que a política seja completamente falimentar”, declara à 30Dias Giulio Albanese, comboniano, diretor da agência jornalística missionária Misna. “Há muitos políticos de boa vontade no panorama internacional. Infelizmente, com freqüência, são isolados e não conseguem um lugar de destaque nas agendas dos próprios governos e Parlamentos para a questão das ajudas econômicas aos países pobres. Por isso, considero muito positiva a iniciativa da Aliança Internacional contra a Fome. Penso que com um diálogo operativo entre políticos e representantes da sociedade civil é possível começar a estabelecer gradualmente estratégias de intervenção comum”. As ãracas iniciativas nacionais, segundo padre Albanese, não podem ser reforçadas senão dentro de uma perspectiva de redefinição das regras da economia mundial: “A partir da época de Nixon nos encaminhamos na direção de uma total deregulation econômica. Vivemos em um mundo sem regras, em um mercado sem controle, que ninguém consegue governar, nem mesmo os magnatas das multinacionais, nem mesmo os especuladores. É preciso reformular as normas, não apenas para combater a fome, mas também para relançar o mercado de modo mais racional. Digo isso no interesse do empresariado. Se mais de um bilhão de pessoas não consegue ganhar nem mesmo 1 dólar por dia, quem comprará produtos?”. O diretor da agência Misna concorda plenamente com o Papa que, na mensagem ao secretário da FAO, distingue também na “gestão administrativa” e na “difusão de sistemas ideológicos e políticos afastados do conceito de solidariedade” o atual agravamento das injustiças socioeconômicas no mundo.


Monsenhor Renato Volante, observador permanente da Santa Sé na FAO, no Ifad (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola) e no PAM (Programa Alimentar Mundial), não concorda com os críticos exasperados do mercado global, os que vêem escondida por trás da globalização econômica de mercadorias uma “mente maldosa” que opera estrategicamente para oprimir os pobres e enriquecer-se cada vez mais tirando proveito do bem comum: “As coisas são bem mais complicadas”, explica à 30Dias. “Ao analisar o problema da má nutrição, não se pode não considerar as questões logísticas, como o transporte dos bens produzidos, ou as questões climáticas. Na África Oriental, por exemplo, especialmente na Etiópia, atualmente há um alarme pela seca que coloca em risco a vida de muita gente. Na África Ocidental, há situações incontroláveis de guerras e desordens sociais. Esses fatos colocam diariamente em risco estratégias e programas mesmo bem planificados. Portanto, não é possível atribuir a culpa da impossibilidade de resolver o problema da fome apenas à má vontade das políticas nacionais dos vários Estados, ou senão apenas ao mercado globalizado. Mesmo porque há sinais positivos, como no caso da Índia, que neste ano, pela primeira vez, teve condições de doar ao PAM cerca de um milhão de toneladas de bens alimentares para serem distribuídos entre os países limítrofes necessitados”. Monsenhor Volante também avalia de modo positivo a iniciativa da Aliança Internacional contra a Fome: para resolver esses problemas, é preciso que se empenhem não apenas os vários governos que representam os próprios cidadãos, mas também as Organizações não Governamentais às quais todo cidadão pode participar de modo voluntário, prescindindo da própria nacionalidade”.


A iniciativa da FAO parece ter tido um bom sucesso. O Santo Padre na mensagem a Diouf afirma que “a Igreja com as suas várias instituições e organizações deseja desempenhar o seu papel nesta Aliança Mundial contra a Fome”. Os pobres do planeta esperam que não se trate de outra promessa irrealizável.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF