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A realidade relatada pelo livro: “Conflitos no Campo,
Brasil 21” pela CPT.
Dom Vital Corbellini, Bispo de
Marabá – PA.
A Comissão Pastoral da Terra
(CPT), organismo da Conferência Nacional do Brasil (CNBB) lançou o livro:
“Conflitos no Campo, Brasil 2021” [1], relatando a realidade do campo no último
ano do Brasil onde contém os dados da terra, os seus conflitos, as mortes
ocorridas de lideranças da terra, e, outros aspectos de conflitos, provocados
por interesses do capital, de políticos, de fazendeiros, de grileiros, de
pessoas que tornam a vida do campo difícil, mas também o livro é carregado de
esperanças por uma vida digna, conforme a palavra de Jesus que veio para dar
vida em abundância (Jo 10,10). Jesus morto e ressuscitado ilumine a nossa vida
para que a vida no campo e na cidade seja feita na paz e no amor. Uma análise é
feita para uma perceber a realidade do campo no Brasil na qual o diálogo é
fundamental para ser construído, almejado pelo povo de Deus e por pessoas de
bem.
A terra, dom de
Deus
A terra é um dom de Deus, para
todas as pessoas, pois, estas têm direito à terra, de modo que ela é um bem
universal. Infelizmente o egoísmo, o interesse pessoal fizeram com que as
pessoas se apropriassem de terras, resultando a milhares de pessoas que não tem
um pedaço de terra. A CPT está completando quarenta e sete anos de existência,
sendo uma comissão que não estimula a invasão de terras, mas procura entrar em
contato com as partes interessadas nos conflitos, sobretudo com os mais pobres,
com aqueles que não têm terra, ou sofreram os despejos, para a resolução de
problemas dados muitas vezes por encaminhamentos jurídicos.
A ideia de CPT
A CPT é uma ação pastoral da
Igreja que tem a sua raiz e fonte no Evangelho e tem como destinatários de sua
ação os trabalhadores e as trabalhadoras da terra e das águas. Ela está em
comunhão com o Deus dos pobres, à terra que vem de Deus e dos pobres da terra,
de modo que a CPT assumiu a tarefa de registrar e denunciar os conflitos de
terra, água e a violência contra os trabalhadores e seus direitos, criando o
setor de documentação que desde 2013 foi renomeado Centro de Documentação Dom
Tomás Balduíno. Ela documenta os dados com uma fundamentação teológica, que vem
da própria bíblia, pois Deus ouviu o clamor do seu povo (Ex 3,7-10) e está
presente na luta dos trabalhadores e trabalhadoras da terra.
A CPT à luz da
palavra de Jesus e do Magistério
É preciso reforçar o olhar
pastoral da atuação da CPT à luz do Senhor Jesus e do magistério eclesial. É
pastoral, pois vem de pastor, a exemplo do Pastor dos pastores, Jesus Cristo. A
CPT é uma comissão pastoral da Igreja Católica, que age em favor de todas as
pessoas, sobretudo os sofredores no mundo rural e urbano. Ela tem presente a
opção pelos pobres que se realiza pela palavra de Cristo, pelo amor a Deus, ao
próximo como a si mesmo. Os documentos da Igreja falam da terra como um bem
dado para todos, universal, doutrina bem presente nos santos padres, os
primeiros escritores cristãos. Os últimos Papas, como São Paulo VI, São João
Paulo II e Francisco colocaram a questão agrária como questão fundamental que
se soluciona pelo diálogo, pela justiça, pelo amor. As diversas manifestações
eclesiais afirmam a importância que a terra tem para todas as pessoas em vista
da solidariedade, e à produção agrária.
Os números
A CPT registrou em 2021
diversos assassinatos no campo, trinta e cinco, um número que supera setenta e
cinco por cento o número registrado em 2020, que foi de vinte mortos. Se a
pandemia da Covid 19 tem presente mais de 660 mil mortos, desde 2016 o governo
federal sustentado pelo agronegócio, tem aumentado o número de conflitos do
campo, que somou na base aproximadamente de mil setecentos e sessenta oito, em
2021.
Os relatos dos
conflitos no campo
A CPT desde a sua criação em
1975 se defrontou com os conflitos do campo e o grave problema da violência
contra os trabalhadores e trabalhadoras da terra, com as diversas categorias de
comunidades tradicionais, assalariados rurais, povos indígenas, pescadores,
pescadoras artesanais, que vivem em espaços rurais, tendo o uso da terra e da
água como seu sistema de sobrevivência e dignidade humana. Todos querem ter uma
vida digna pela terra, dom de Deus, dado para todos e não somente para algumas
pessoas.
A CPT sempre registrou os
dados para colocar para a Igreja e para a sociedade os conflitos do campo, para
lutar por uma sociedade digna, de vida sobre a morte, como o Senhor
ressuscitado quer de todos os seus filhos e filhas. Desde a sua fundação, a CPT
realiza uma ampla pesquisa sobre os conflitos do campo. Ela formou um dos
acervos mais importantes sobre as lutas da terra no território nacional,
colocando as formas de resistência dos trabalhadores e trabalhadoras da terra,
das águas, das florestas, bem como sobre a defesa e conquista de direitos.
A história do
Brasil
A história do Brasil é um
continuo registro de conflitos pela terra. Todos os anos registram-se conflitos
agrários que atingem trabalhadores e trabalhadoras rurais, agricultores e
agricultoras, comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, e
outros povos do campo, das florestas e das águas. Nós vemos também o aparato
ruralista na exploração agrícola voltada à monocultura com ampla representação
parlamentar que muitas vezes legisla em seu favor, impondo no território
nacional, uma dinâmica de seus interesses políticos, econômicos e fundiários.
Nestes últimos anos os números de conflitos atingiram, mas de cinco milhões de
pessoas aprofundando uma política contra a reforma agrária, e sendo violenta
nas áreas rurais do país.
A situação do
Norte
O Norte teve quatrocentos e
oitenta e oito famílias atingidas em 2021, com milhares de ocorrências,
representando quarenta e sete por cento em relação ao território nacional de
conflitos da terra. Os povos indígenas, os quilombolas, os posseiros, os sem-terra
sofreram mais nos conflitos por ação. O Estado do Pará foi o Estado com maior
número de conflitos, com cento e cinquenta e seis ocorrências, envolvendo
muitas famílias.
O cultivo da
terra
Segundo o IBGE nas últimas
três décadas a área cultivada com soja, milho, e cana, produtos para a
exportação superou a área cultivada com arroz, feijão, e mandioca, principais
alimentos da população brasileira e da agricultura familiar. Muitos conflitos
por terra envolvendo água ocorreram pela atividade minerária em que o atributo
de solvente da água contribuiu para separar o minério do chamado rejeito, de modo
que a água não é usada para matar a sede, nem para plantar, pois quando a água
é poluída, impede que se plante e até mesmo sirva para vida humana. O fato é
que teve mais de setenta milhões de hectares de terras, cerca de oito vírgula
quatro por cento do total do território brasileiro, objeto de disputa em 2021.
O relatório em
relação à Amazônia
O relatório também fala dos
conflitos agrários na Amazônia, a violência e a agro bandidagem. A Amazônia tem
sofrido pela invasão dos territórios dos povos indígenas, comunidades
tradicionais e o campesinato regional. Como disse o Papa Francisco a Amazônia é
cobiçada por grupos econômicos, sociais, políticos. É preciso preservar a
Amazônia. Cristo olha para a Amazônia, afirmou São Paulo VI. Deve-se dizer
também que há uma violência estrutural dos conflitos agrários no Brasil, pois
ela impossibilita a paz no campo.
Os conflitos em
relação à água
É preciso dizer que os
conflitos por água no Brasil colocam-na na linha de disputas, no entanto ela é
um bem comum. No âmbito nacional, as empresas privadas são responsáveis por
quase dezenove milhões de pessoas e o processo de privatização das águas
assumiu uma dimensão complexa que intercala os efeitos da instalação de
empreendimentos minerários e ao agronegócio pela contaminação hídrica, dando
prejuízos diretos sobre a qualidade da água disponíveis para o uso vital da
vida humana. Dentre os conflitos centralizados nas disputas das águas muitos
foram provenientes de mineradoras internacionais, setores empresariais,
fazendeiros, instalação de hidrelétricas, entes governamentais e atuação de
garimpeiros. O abastecimento de água via carros-pipa é uma face perversa da
negação do direito à água por ser um direito universal de um bem dado por Deus
para toda a população. É preciso dizer uma palavra sobre a violência contra a
pessoa: o garimpo ilegal na terra do povo indígena Yanomami, sendo uma das
terras mais afetadas pela vida destes povos das florestas, constatando-se
também uma violência contra as mulheres indígenas, e contra as mulheres na
cidade, com mortes, feminicídios que tira a vida de muitas mulheres em nossas
comunidades.
A importância
das notas da CPT
Nestes últimos tempos, notas
diversas foram divulgadas pela CPT denunciando as ações contra o despejo de
famílias, as quais destroem casas sem autorização judicial. Elas colocaram o
desmatamento, a invasão de terras nos povos indígenas e dos camponeses, ameaças
de mortes por lideranças da sociedade e da Igreja. Elas aludem às famílias
camponesas que sofrem com a utilização de agrotóxicos, a importância das
pastorais sociais denunciando os projetos de lei da morte, e estão a favor dos
Institutos federais e à educação brasileira.
Nós dizemos que o livro
“Conflitos do campo, Brasil 2021” é fundamental para a vida agrária e urbana no
Brasil, para a nossa região, para a Igreja e para a sociedade. Ele diz muita
coisa nos conflitos, mortes no Brasil e a vontade do diálogo pela CPT para o
bem e a vida de todas as pessoas atingidas pelos conflitos. Nós reflitamos
através do livro a realidade brasileira em vista da unidade e da fraternidade
para tornar a nossa sociedade mais justa e fraterna conforme o plano de Deus: a
terra é um dom de Deus dado para todos, com alegria e com amor.
[1]Cfr. Conflitos no Campo, Brasil 2021, CPT.
Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno. Goiânia, CPT Nacional 2022.
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