Uma imagem do Centro Nocetum | Vatican News |
A história do Centro Nocetum começa com a oração na
igrejinha dos santos Felipe e Tiago, um lugar de refúgio para os primeiros
cristãos de Milão enquanto fugiam das invasões dos bárbaros e das perseguições.
Hoje, o Centro tornou-se um símbolo de coesão social, sustentabilidade
ambiental e custódia da Criação, mas entre a agricultura, alimentos km zero e a
produção de produtos orgânicos, a característica distintiva deste lugar sempre
foi sua acolhida, agora incluindo mulheres e crianças ucraniana.
Cecilia Seppia – Vatican News
Era o ano de em 2013 quando
Hamidah, da Nigéria, chegou ao Centro Nocetum. Ela estava sozinha e grávida, em
seu sétimo mês de gravidez, mas não sabia nada sobre o bebê que carregava no
ventre, ou melhor, parecia não querer saber. Fazia pouco tempo, graças a uma
associação, que ela tinha conseguido sair do tráfico que durante anos a forçou
à prostituição, sofrendo violência e torturas de todos os tipos. Seu rosto,
jovem e belo, trazia os sinais da desfiguração da dignidade daqueles que são
vítimas da escravidão e uma profunda cicatriz causada por seu
"protetor" no dia em que Hamidah fugiu. Nos olhos o medo, a raiva e a
solidão. Ela nem sequer falava bem inglês, não confiava em ninguém e era
difícil de lidar. Gloria Mari, responsável pelo Centro, localizado ao sul de
Milão, foi a primeira a recebê-la. Juntamente com os outros membros da
comunidade, buscava uma forma de diálogo e o amor parecia ser o único caminho
percorrível. "Hamidah estava sempre triste, assustada, zangada. Oferecemos-lhe
abrigo e esperamos juntas pelo dia do parto, tentando transmitir-lhe a alegria
deste iminente nascimento. Uma noite, Hamidah começou a sentir contrações, ela
passou mal", conta Gloria Mari, "então chamamos uma ambulância".
Os socorristas me disseram para subir a bordo e acompanhá-la ao hospital. Eu me
sentia inadequada, entendam, sou uma geóloga, venho de uma formação diferente,
não sabia nada sobre o parto, mas eles foram firmes: ‘fique ao lado dela’.
Fiquei segurando sua mão durante todo o percurso até o hospital e, uma vez na
sala de parto, a encorajei. Depois, de repente testemunhei o milagre da vida:
após algumas horas de contrações no trabalho de parto, nasceu Vitória, uma
linda menina, e ao ter a criança junto de si, vi Hamidah sorrir pela primeira vez.
Não há o que pague quanto o sorriso de alguém a quem você ajuda.
Espontaneamente agradeci a Deus por aquele imenso dom, pela beleza depois de
tanto sofrimento e tanto horror. Vitória mudou o seu caráter, mas acima de tudo
lhe deu uma perspectiva para o futuro. Nos meses seguintes, Hamidah ficou
conosco, ela até quis batizar sua filha, e quanto a mim, esta experiência me
mudou profundamente"
A entrada do Centro Nocetum | Vatican News |
Proteger e
acolher
Há muitas histórias como estas
em Nocetum, assim como há muitas áreas em que esta realidade, de forma surpreendentemente
interligada, consegue operar: um lugar de espiritualidade, de cuidado com a
Criação e ao mesmo tempo de acolhida das pessoas mais frágeis e
"invisíveis", o Centro foi fundado pela Irmã Ancilla Beretta, em
1988, em Cascina Corte San Giacomo, ao sul de Milão, e traduz na prática a
"ecologia integral" defendida pelo Papa Francisco na Laudato
si' para conjugar a dimensão ambiental com a social. O nome já indica
uma vocação que ainda não se manifestava nos primeiros anos de atividade:
Nocetum é de fato o nome latino de um antiguíssimo bosque de nogueiras que
circundava a atual igrejinha dos Santos Filipe e Tiago, o coração do Centro. A
história de Nocetum", continua Gloria Mari, "começa com a oração
nesta pequena igreja que foi usada pelos primeiros cristãos para fugir das
invasões bárbaras e das perseguições". Assim como na época, também no
terceiro milênio, continua sendo um refúgio para os que fogem da confusão, da
agitação da cidade, mas também para dar abrigo aos que não têm mais um lar, um
teto, como Hamidah, como tantos migrantes que fogem de suas pátrias, ameaçados
pela guerra, fome, pobreza; sobretudo, o então arcebispo de Milão, Cardeal
Martini, nos deu um mandato muito preciso: escutar as necessidades da cidade. E
assim, com muita coragem e um pouco de imprudência, alugamos a Cascina Corte
San Giacomo, que na época estava abandonada, e se encontrava no coração de uma
área de grande degradação ambiental e civil, começamos a rezar e planejar o
futuro".
Um dos lugares do Centro que funciona também como Escola | Vatican News |
Ora et labora
No meio do verde, na porta de
entrada para o "Parque Agrícola do Sul de Milão”, inicia o Caminho
dos Monges, que fez a história da Idade Média cristã na Itália, embora
tenha os clássicos edifícios cinzentos dos subúrbios metropolitanos de outro
lado, Nocetum tornou-se com o tempo um símbolo de coesão social e
sustentabilidade ambiental. Vindo de uma espiritualidade que é muito
influenciada pela proximidade da Abadia de Chiaravalle e outras realidades
ligadas ao monaquismo", continua Gloria Mari, "sentimos a necessidade
ao longo dos anos de combinar a oração com o trabalho. Ou seja, ao lado do
“ora”, há também o “labora”. E o trabalho desta comunidade nunca para.
"Estamos orientados principalmente a acolher mães e crianças, que vêm até
nós após terem sido recomendadas pelos Serviços Sociais do Município de Milão,
mas também pessoas frágeis e desfavorecidas ou em situação de liberdade
condicional. Somos uma comunidade educativa e uma cooperativa social; lidamos
com estágios de trabalho, sempre para pessoas desfavorecidas, que nos permitem
continuar a área produtiva de Nocetum: um hectare de campo para cultivar, nossa
oficina, a cozinha a km zero, ou melhor, a zero metro, porque em Nocetum, você
realmente caminha entre os torrões, as ervas aromáticas, as árvores frutíferas.
Nós crescemos e cuidamos dos animais junto com profissionais e estagiários;
produzimos tudo organicamente, não usamos pesticidas ou inseticidas e tentamos
ser sustentáveis".
Uma imagem do Centro Nocetum | Vatican News |
Atenção às "pedras
vivas”
A referência à "Laudato
si" aqui em Nocetum é constante. “Tentamos todos os dias colocar em
prática a ecologia integral do Papa Francisco", assegura a diretora do
centro. Entre outras coisas, esta encíclica responde plenamente a uma pergunta
que nos fazemos há algum tempo: a dimensão da acolhida e da atenção aos pobres,
aos excluídos e à proteção da Casa Comum pode realmente falar entre eles, podem
se comunicar entre eles? Ou é apenas uma utopia? O que estamos fazendo faz
sentido ou é algo que inventamos? Ao ler a Laudato si' abriu em nossos corações
também a dimensão ecumênica da qual o Santo Padre fala e que respiramos e
vivemos constantemente: aqueles que trabalham aqui em nosso país muitas vezes
não são crentes, não praticam ou pertencem a outra religião, e ainda assim a
diversidade encontra unidade no objetivo da redenção social e do cuidado com o
meio ambiente. Talvez tenhamos previsto algumas das coisas deste texto, dentro
do nosso pequeno contexto já colocávamos em prática, mas suas indicações foram
cimento e estímulo ao mesmo tempo. Uma noite recebemos um grupo de ciganos que
tinha escapado de um incêndio que havia acontecido diante de nossos olhos. O
edifício ainda não tinha sido restruturado, não sabíamos onde colocá-los, então
abrimos a igrejinha, que também é aquecida, e colocamos colchões e cobertores
no chão. Nem todos na vizinhança concordavam com este gesto. Nos diziam:
"mas estas pessoas cheiram mal, são ciganos, temos que ter cuidado".
Ao invés, através desta experiência, tive a certeza de que eles talvez sejam
mais filhos de Deus do que nós, fazem parte da Criação, exatamente como nós.
Quero dizer quem fala com orgulho de proteção, do cuidado com o meio ambiente,
mas depois despreza os pobres, não está prestando um serviço à Criação. Além
das pedras no sentido estrito do termo, devemos prestar atenção às pedras
vivas, às pessoas, que compõem a casa de Deus".
A igrejinha dos Santos Tiago e Felipe, usada também como refúgio | Vatican News |
Outras
atividades
Além da acolhida, o Centro Nocetum
organiza percursos didáticos-educativos para escolas e grupos, trabalho
voluntário e iniciativas para promover a integração e a coesão social. Também
promove projetos e atividades que visam melhorar a área, também em colaboração
com a Cáritas Ambrosiana. “Nosso ponto de partida", reitera Gloria Mari,
"é sempre colocar a pessoa no centro". Estando nos subúrbios, muitas
vezes entramos em contato com os descartados e rejeitados da sociedade, não
apenas os pobres e sem teto, mas também aqueles que, apesar de terem um salário
no final do mês, não se encaixam na lógica de uma cidade que exige cada vez
mais, mais produtividade, mais eficiência, causando o desmembramento das
famílias e laços afetivos. Pais ausentes, crianças que praticamente vivem nas
ruas. Para nós, portanto, tomar medidas fortes contra o descarte e o
desperdício, dando dignidade à pessoa, foi a principal resposta. Nossa vocação
para a proteção ambiental também nos permitiu agir na terra, restaurando sua
beleza original: replantamos nogueiras, rosas e flores; outras espécies de
frutas nativas foram acrescentadas, num total de cerca de 160 árvores, assim
como numerosos arbustos para a produção de pequenas frutas e uma horta. E as
pessoas ficaram maravilhadas com esta beleza, que também se tornou uma fonte de
trabalho para mulheres com baixos níveis de escolarização. Também tentamos
insistir no que chamamos de economia circular, ensinando as pessoas a se
desfazerem corretamente do lixo, como evitar o desperdício. Somente o
testemunho concede a credibilidade!”.
A produção de produtos orgânicos no Centro | Vatican News |
“Pão”, o
primeiro elemento de coesão
"Nos últimos anos,
recebemos pessoas dos cinco continentes e vimos que todas as mulheres, talvez
não conhecendo o idioma, tinham crenças diferentes, hábitos e costumes
diferentes que dificultavam a comunicação, mas todas tinham familiaridade com a
comida, todas sabiam cozinhar algo típico de sua terra. Assim, a alimentação
foi o elemento de agregação: daí a horta, a agricultura social, a "Cucina
Nocetum", um serviço de refeições que presta especial atenção à origem dos
produtos e à sua genuinidade e que emprega várias pessoas. A apicultura e nossa
loja onde vendemos mel; e depois a distribuição das cestas básicas que nos
permitem encontrar e ajudar muitas pessoas, simplesmente dando-lhes alimentos.
Pouco tempo atrás, depois de permanecer conosco por um tempo, uma mulher nos
deixou para ser transferida para outro lugar. Antes de partir, ela estava
procurando uma maneira de nos agradecer, mas não tinha nada a oferecer. Antes
de partir ela nos disse: ‘deem-me água e farinha’. E nos preparou um pão típico
de seu país. O que me ficou marcado era que sobre o pão ela desenhou uma cruz,
e era muçulmana"!
As mulheres acolhidas no Centro, todas de países, idiomas e fés diferentes, durante um curso de culinária | Vatican News |
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