Editora Cidade Nova |
Mulheres, camponesas e comprometidas com o bem comum.
AGROECOLOGIA Associação da Zona da Mata alagoana resgata o protagonismo feminino, o cuidado com o meio ambiente e as relações em comunidade Quando Maria Lucilene dos Santos chegou às terras que formariam o Assentamento Zumbi dos Palmares, na cidade de Branquinha, zona da mata alagoana, em 1996, a paisagem era um tanto desoladora. A terra tinha se tornado improdutiva devido aos séculos de monocultura de cana-de-açúcar.
por publicado em 04/05/2022Foi preciso uma dose de paciência e muito trabalho para conseguir plantar, colher e construir o lar. Ao longo do tempo, pessoas, associações e organizações se dispuseram a ajudar. Mas ou desistiam nas primeiras dificuldades, ou tinham intensões escusas, ora tentavam se apropriar do dinheiro ganho com a atividade agrícola, ora dividiam-no somente entre os homens. Os atravessadores, por exemplo, costumavam comprar os produtos e não efetuar o pagamento.
“‘Lugar de mulher é em casa, cuidando dos filhos’, era isso que a gente ouvia”, lembra ela, que hoje é presidente da Associação de Produtoras Agroecológicas da Zona da Mata Alagoana (Aproagro). A associação conta com 17 membros ativos, e tem presença em pelo menos outros três assentamentos da região. Com o trabalho da Aproagro, a comunidade do assentamento conseguiu o primeiro certificado alagoano de produção orgânica e de agricultura familiar.
A partir desse reconhecimento, as produtoras conseguiram um caminhão do governo federal para escoar produtos, o que possibilitou multiplicar as feirinhas de orgânicos na região e na capital, Maceió, a 70 quilômetros dali.
Essas e tantas outras conquistas são fruto do suor de mulheres e homens da comunidade e de parcerias firmadas com a sociedade civil ao longo do tempo, tendo como base os relacionamentos humanos e sinceros.
MUNDO UNIDO E PÉ NA LAMA
Quando Cristina Lira chegou ao Assentamento Zumbi dos Palmares para desenvolver o seu projeto de mestrado, em 2000, não conseguia entender como uma zona de terra fértil, com solo de mata atlântica e chuvas regulares, poderia conter um dos municípios mais pobres do país.
Sua formação como arquiteta e urbanista abria a possibilidade de aprofundar o desenvolvimento sustentável e humano para combater a pobreza por meio da Economia de Comunhão. “Quando chovia, o carro não conseguia passar. Eu e os bolsistas da universidade tínhamos que ir caminhando na lama. Em uma dessas vezes, eu pisei e ali ficou um dos sapatos”, lembra Cristina.
Apesar de estar determinada a ajudar a comunidade, a pesquisadora era vista com desconfiança pelos moradores locais. “Ela chegou e eu não coloquei muita fé. Para mim seria mais uma que viria aqui e depois iria nos deixar, como todos os outros. Quando eu vi que ela vinha, fizesse chuva ou fizesse sol, mesmo sem saber caminhar na lama, aí eu me convenci de que seria diferente”, conta Lucilene. “Ela é quem constrói pontes desde então. Ela constrói e a gente passa”, completou, referindo-se aos sonhos concretizados.
Na ultima reunião para a conclusão do mestrado, Cristina ouviu de um dos líderes comunitários: “Mas agora você vai nos deixar?”. Mãe de quatro filhos, a arquiteta sentiu como se aquela experiência fosse uma quinta gestação: não poderia abandonar aquele povo, ainda que sozinha não pudesse fazer muito. O jeito foi encontrar parcerias.
Anos depois ajudou a fundar o Instituto Mundo Unido, para assessorar a comunidade na relação com instituições públicas, organizações sociais e empresas. Além do caminhão para escoar os produtos e do certificado de produção familiar e orgânica, o Instituto Mundo Unido e a Aproagro conseguiram capacitação para os jovens, aulas de artesanato, empreendedorismo, projetos de assistência odontológica e de saúde da família, além de educação para a paz com as crianças.
MULHER QUE ANDA NO MUNDO NÃO LEVA BOM NOME
Cristina conta que visita o assentamento com o intuito de servir, estar disponível e “gerar família”. Esse clima de comunidade é, possivelmente, o segredo das conquistas. “Se chega algum recurso, vemos primeiro a necessidade do outro. Vemos os que já têm uma caixa d’água, por exemplo, e sorteamos entre os que não têm. Não fica nada com a gente. O dinheiro que sobra dos projetos é aplicado na sede da associação”, explica Lucilene.
Cabe a Silvaneide Mota, tesoureira da Aproagro, a função de documentar meticulosamente cada gasto para as prestações de contas mensais e anuais junto às autoridades, esforço que já garantiu a permanência de alguns projetos. “Às vezes é cansativo. Não sobra uma hora do dia. Se não estou na associação, estou na igreja, ou nas feiras, ou plantando em casa e cuidando dos animais”, conta. “Nunca pensamos em desistir. Estamos construindo um mundo melhor para os que vão vir, mesmo que a gente não veja um resultado imediato”, afirma Lucilene. “A gente não para e isso gera muito preconceito, muito machismo. Mulher que anda no mundo não leva bom nome. Mas a gente não faz nada para a gente. É tudo pensando no coletivo”, completa.
FORÇA PARA IR ALÉM
Ainda hoje são diversos os desafios, como a falta de adesão de boa parte dos lotes do assentamento e a diminuição de membros da associação, mas Silvaneide garante que não desanima. “Tem dias em que chego em casa sem ter almoçado direito, depois de correr do banco para a igreja, da igreja para a plantação. Com dor de cabeça, penso em reclamar com Deus. Mas então olho para o quintal, vejo galinha, ovelha, vejo o que posso comer, tudo o que eu e meu marido conquistamos. Eu vou reclamar do quê? Fecho os olhos e agradeço a Deus por tudo. Depois peço força pra fazer ainda mais.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário