Caminho Sinodal Alemão | iCatolica |
Alguns católicos nos
Estados Unidos estão profundamente preocupados com o “Caminho Sinodal” da Igreja
alemã. Uma rápida pesquisa no youtube dá como resultados títulos
como (traduzidos do inglês): “O que está acontecendo na Alemanha!?!?!”;
“Bispo inglês ALERTA Vaticano ‘Parem os bispos alemães, nós estamos de
frente pro cisma!’”; e “Vaticano no modo administração de crise
sobre os bispos católicos na Alemanha”.
Algumas dessas coisas é
verdade? Não exatamente. O podcast “Inside the Vatican”, da revista
jesuíta estadunidense America, conversou com quatro católicos
alemães que entendem bem do Caminho Sinodal: um bispo envolvido no
fórum sinodal sobre o poder, uma teóloga envolvida no fórum sinodal sobre o
papel das mulheres, um dos guias espirituais do Caminho Sinodal e
um crítico do processo. Os quatros tem diferentes ideias sobre o que a Igreja
alemã necessita, mas todos eles acreditam que o Caminho
Sinodal é um esforço de boa-fé para assegurar o futuro da Igreja
Católica na Alemanha – e nenhum deles acredita que há risco de cisma.
A reportagem é de Colleen Dulle, publicada por America, 24-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O podcast pode ser ouvido, em inglês, abaixo.
https://traffic.megaphone.fm/AMMD9596066458.mp3?source=player&updated=1624541790
Afinal, o que é um Caminho Sinodal?
Em resumo, o “Caminho Sinodal” (“Synodaler
Weg”, em alemão) é um grupo de 230 pessoas reunidas para discutir o que
elas veem como algumas das mais pressionadoras questões encaradas pela Igreja
Católica na Alemanha. O grupo inclui todos os bispos alemães, mais
representantes de ordens religiosas, movimentos leigos, dioceses e paróquias,
universidades, consultantes de outras Igreja e especialistas nos campos que
estão sendo discutidos.
O grupo está focado em quatro
áreas de estudo: poder e separação de poderes na Igreja; relacionamentos e
sexualidade; ministério sacerdotal, incluindo conversas sobre o celibato; e
mulheres em ministérios e ofícios na Igreja.
O grupo de 230 se encontrou
apenas duas vezes: uma vez pessoalmente e outra por Zoom, devido à
pandemia de covid-19. Mas há “fóruns” com 40 pessoas cada, focados em cada uma
das áreas de estudo que as sessões do grande grupo trabalham.
O Caminho Sinodal é estruturado suavemente para permitir aos participantes avaliar o que é e não trabalhado e fazer mudanças como acharem. Não está claro ainda como o processo se encerrará. Originalmente, pretendia-se finalizar em dois anos, 2019 a 2021, mas, com a pandemia, o processo atrasou. O grupo espera se reunir novamente no inverno (europeu) e votar nas resoluções no verão de 2022, e que suas recomendações possam ser contribuições da Alemanha para o processo sinodal iniciado para todo o mundo pelo Papa Francisco, que será concluído em 2023.
Quão diferente é de um sínodo regular?
O Caminho Sinodal
Alemão é internacionalmente estruturado de forma diferente dos outros
sínodos. Em um sínodo ordinário, os bispos se reúnem para discutir um tópico de
interesse para a Igreja em sua região, discutir possíveis soluções, às vezes
com contribuições de leigos, e então votar em uma série de propostas. O Caminho
Sinodal Alemão foi organizado pelos bispos alemães em colaboração com
o Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK), o maior
de vários grupos na Alemanha que representam os católicos leigos.
Os bispos e representantes
leigos queriam que os leigos pudessem votar nas decisões no processo sinodal,
então eles evitaram a estrutura sinodal usual em favor de uma em que tanto
leigos quanto bispos pudessem votar e ser representados em números iguais. Como
a lei da Igreja não permite que leigos imponham uma decisão a um bispo, as
decisões do sínodo serão, no máximo, recomendações. Cada bispo terá que decidir
por si mesmo se e como implementar as decisões do grupo em sua própria diocese.
Claro, haverá pressão sobre os bispos por parte dos fiéis leigos para aprovar as mudanças após um processo consultivo tão longo. Como a Dra. Juliane Eckstein, pesquisadora da Escola de Pós-Graduação em Filosofia e Teologia Sankt Georgen em Frankfurt, Alemanha, e participante do fórum sobre o papel da mulher na Igreja, disse vigorosamente: “Legalmente, não é obrigatório; moralmente, é”.
Em que propostas estão votando os participantes do Caminho Sinodal?
O Caminho Sinodal ganhou
as manchetes por causa de suas discussões abertas sobre tópicos que foram
considerados tabu na Igreja, como a ordenação de mulheres, que o Papa João Paulo II declarou não aberta à
discussão em 1994, e o celibato sacerdotal.
O Papa Francisco encorajou os participantes dos sínodos que
convocou a não considerar nenhum assunto tabu, mas a falar aberta e
francamente, como o Caminho Sinodal Alemão está fazendo.
O grupo votará propostas em
três níveis:
o Propostas locais
que cada bispo pode implementar em sua própria diocese. A julgar pelos relatórios do
fórum, essas recomendações provavelmente incluirão a simplificação da
administração paroquial e diocesana; empregar leigos em suas áreas de
especialização, como finanças, para que padres e bispos possam se concentrar
mais nas necessidades pastorais; e garantir que os leigos estejam envolvidos na
tomada de decisões.
o Mudanças no
direito canônico. A Igreja alemã
reconhece que não pode mudar os ensinamentos que afetam toda a Igreja, então
o Caminho Sinodal planeja recomendar que o Papa Francisco faça
algumas mudanças. De acordo com Eckstein, uma mudança na lei
canônica que o grupo pode recomendar é o afrouxamento de alguns laços legais
entre ordenação e administração, como aqueles que dão a um padre a palavra
final sobre as finanças de uma paróquia.
o Um concílio
ecumênico. Algumas
mudanças que o modo sinodal alemão provavelmente irá propor, como a ordenação
de mulheres, exigiriam consulta com toda a Igreja. Portanto, de acordo com
Eckstein, o Caminho Sinodal planeja propor um concílio ecumênico – o primeiro
desde o Vaticano II.
As recomendações para mudanças na lei canônica e para um concílio serão enviadas a Roma para serem consideradas pelo papa e também serão incluídas na contribuição da Alemanha para o sínodo global em 2023, onde serão consideradas em nível continental, juntamente com contribuições de outros países europeus, e depois a nível global no Vaticano.
Por que isso está acontecendo?
A Alemanha tem
visto uma diminuição massiva no número de católicos desde o
escândalo de abusos sexuais cometidos pelo clero em 2010. No
ano passado, 402 mil católicos deixaram a Igreja, o maior êxodo em um único ano
da história.
Para entender as causas
da crise de abuso, os bispos alemães encomendaram um estudo em
2018. Esse estudo revelou milhares de casos de abuso e deixou
claro para os bispos que o abuso era permitido não apenas por indivíduos, mas
pelas estruturas de poder da Igreja e pela cultura de sigilo em torno da sexualidade.
Então, dentro de um ano, eles resolveram convocar o Caminho Sinodal,
enfocando quatro áreas relativas ao poder e sexualidade.
“O abuso sexual tem apenas uma origem, [e é] no uso incorreto do poder em nossa Igreja”, disse-me o bispo Franz-Josef Overbeck, um dos líderes do fórum do Caminho Sinodal sobre o poder ao “Inside the Vatican”. “Alguns bispos e padres não exerciam o seu ofício da maneira certa, sem ao mesmo tempo serem impedidos pela hierarquia e outras pessoas, outros fiéis. E assim, esta não é apenas uma questão de empoderamento e a questão do poder dos bispos e padres, mas também... do empoderamento dos leigos”.
O que os críticos estão dizendo?
As duas principais
preocupações sobre o Caminho Sinodal são que ele está
desrespeitando o ensino da Igreja e que sua estrutura é ineficaz.
É verdade que o Caminho
Sinodal está discutindo mudanças na doutrina; no entanto, todos os
especialistas com quem falei – mesmo um crítico franco – reiteraram que a
Igreja alemã não tem intenção de romper com Roma ou tentar mudar a doutrina sem
a aprovação de Roma, mesmo que nenhuma de suas propostas seja aceita.
Alguns apontaram ao
recente movimento na Alemanha para a benção de casais
homossexuais desafiando o Vaticano, sendo um sinal de como
a Igreja alemã está pretendendo romper com Roma, mas a Conferência dos
Bispos Alemães se opôs às bênçãos. O movimento revela a tensão que
algumas vezes existe entre bispos e leigos progressistas na Alemanha, mas
o Caminho Sinodal é geralmente um local onde esses grupos,
entre outros, estão procurando um terreno comum.
A outra crítica é à estrutura:
o Dr. Thomas Schueller, diretor do Instituto de
Direito Canônico da Universidade de Münster, explicou que está preocupado que
o Caminho Sinodal possa ser ineficaz porque sua estrutura não
é vinculativa para os bispos e que sua estrutura mais frouxa poderia fazer com
que as decisões do caminho fossem desconsideradas em Roma. Schueller disse
que teria preferido uma estrutura sinodal aprovada por Roma, como a empregada
no Sínodo de Würzburg, na década de 1970, na qual
bispos e leigos poderiam votar.
Mesmo como um crítico do processo, Schueller acredita, como todo especialista entrevistado para esta matéria, que os gritos de cisma de alguns nos Estados Unidos ficaram fora de controle. “A conversa sobre o cisma em alguns círculos católicos nos Estados Unidos é uma difamação cruel e infundada”, escreveu Schueller em uma entrevista por e-mail. Reconhecendo que “brigamos como irmão e irmã” sobre questões como sexualidade, disse: “cada Igreja local tem que ver quais problemas tem que resolver. Pode haver uma variedade polifônica legítima de respostas católicas aqui. Ninguém na Alemanha questiona nosso credo ou a constituição papal-episcopal de nossa Igreja”.
O que o Papa Francisco pensa sobre tudo isso?
Como Schueller,
o Vaticano não ficou feliz com a decisão do Caminho
Sinodal de não seguir uma estrutura sinodal tradicional, o que teria
permitido muito mais supervisão por parte de Roma do processo e dos tópicos de
conversação.
Quando as áreas de estudo
focadas na autoridade e sexualidade foram anunciadas no verão
de 2019, o Papa Francisco escreveu uma carta à
Igreja na Alemanha alertando contra a tentação da Igreja
alemã para a independência. Por causa da imensa riqueza da Igreja
alemã – o patrimônio líquido da Diocese de Colônia é maior do que o do Vaticano
– e suas contribuições intelectuais da época da Reforma através do Papa Emérito Bento XVI, escreveu o papa, há
uma tentação de “sair de sua problemas por si só, contando apenas com suas
próprias forças, métodos e inteligência”, que podem acabar “multiplicando e
alimentando os males que desejava superar”.
O papa pediu ao sínodo para
fazer da evangelização seu objetivo principal. Em resposta, dois bispos alemães
redigiram uma proposta de Caminho Sinodal com foco na
evangelização, com grupos de estudo sobre temas como pastoral juvenil, mas a
proposta foi rejeitada. A sensação da maioria do grupo era que resolver as
questões difíceis na raiz da crise de abuso era a única maneira de recuperar a
credibilidade da Igreja para que pudesse evangelizar com eficácia.
“Sempre ouvimos sobre
evangelização, devemos evangelizar... Isso é verdade, mas nos sentimos
hipócritas fazendo isso se o que estamos espalhando é um sistema abusivo”,
disse Eckstein, membro do fórum sobre mulheres. “Abusivo não apenas
em termos de relações sexuais, mas também abusivo em relação ao poder e como o
poder é controlado e como se abusa do poder de tantas maneiras. Simplesmente
não podemos ser evangélicos se não começarmos por nós mesmos”.
Pouco depois da carta do papa,
o Vaticano seguiu com algumas orientações, dizendo que o sínodo não
poderia tomar decisões vinculativas para a Igreja. Um representante do ZdK respondeu
que as preocupações do Vaticano já haviam sido tratadas em uma versão mais
recente dos documentos de planejamento e que, de fato, o processo não é
vinculativo.
Como o Papa Francisco respondeu
aos desdobramentos do processo desde sua carta? Ele não fez nenhum comentário
oficial, embora muitas pessoas tenham considerado um comentário que ele fez em
novembro de 2020 como uma referência ao Caminho Sinodal. Ele disse:
“Às vezes, sinto uma grande
tristeza ao ver uma comunidade que, de boa vontade, segue o caminho errado
porque pensa que está fazendo a Igreja por meio de aglomerações, como se fosse
um partido político: a maioria, a minoria, o que isso pensamos nisto ou naquilo
ou noutro ... ‘É como um sínodo, um Caminho Sinodal que
devemos percorrer’. Eu me pergunto: ‘Onde está o Espírito Santo aí? Onde está a
oração? Onde está o amor comunitário? Onde está a Eucaristia?’ Sem essas quatro
coordenadas, a Igreja se torna uma sociedade humana, um partido político”.
O correspondente do Vaticano
nos Estados Unidos, Gerard O'Connell,
e Bernd Hagenkord, editor de longa data do
Vatican News que foi eleito pelo ZdK para ser um conselheiro
espiritual do Caminho Sinodal, não acreditam que os comentários do
papa pretendiam ser uma crítica ao Caminho Sinodal Alemão.
O'Connell disse ao “Inside the Vatican”: “Sempre parti do princípio de que o papa, tendo considerado e entendido o que os alemães estavam tentando fazer, escreveu uma carta dizendo: 'Aqui, eu lhes dou alguns conselhos, mas sigam em frente. É bom discutir. Aqui estão alguns conselhos'. E ele colocou alguns marcadores. E, claro, se eles ignoraram totalmente os marcadores, essa é outra questão. Mas eu não vejo isso”.
A história não contada
Em última análise, a imagem
que surgiu em minhas conversas com o padre Hagenkord, Eckstein, Schueller, Overbeck e O'Connell pintam
um quadro muito diferente daquele que aparece em algumas mídias nos Estados
Unidos. Em vez de uma Igreja que está convencida de sua própria força e
independência e determinada a seguir em frente desafiando os ensinamentos da Igreja e com o perigo da
unidade da Igreja, um olhar mais atento sobre o Caminho
Sinodal Alemão encontra uma Igreja que vê suas feridas profundas e que
está disposta a trabalhar juntos, apesar das diferenças de opinião, a fim de
resolver os problemas básicos da crise dos abusos, para que ela
possa se tornar confiável e e atrair novos fiéis mais uma vez.
O padre Hagenkord enfatizou
que o processo, embora não seja imune às manobras políticas, é, por fim, um
trabalho de discernimento espiritual.
“Sim, existem pessoas com uma
agenda”, disse ele. “E você os encontra falando muito nos microfones. Mas a
maioria dos participantes não tem uma agenda como tal, a não ser seguir em
frente, encontrar soluções juntos... e ouvir o Espírito para que haja uma Igreja,
haverá a Igreja do Senhor amanhã também”.
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário