Machismo gera problemas emocionais para mulheres e até para os próprios homens — Foto: André Mello/Editoria de Arte |
Opressão de gênero
gera problemas emocionais, cognitivos e comportamentais, como baixa autoestima,
insegurança, depressão e ansiedade, além da incapacidade de lidar com os
próprios sentimentos.
Por Thayz Guimarães, O GLOBO
29/05/2022
O machismo tem impactos profundos na saúde mental das
mulheres. De acordo com especialistas, a opressão de gênero pode gerar
problemas emocionais, cognitivos e comportamentais, como baixa autoestima,
insegurança, estresse pós-traumático, depressão, ansiedade,
crise de pânico e outros transtornos psicológicos. Mas o machismo também afeta
diretamente os homens. Segundo psicólogos ouvidos pelo GLOBO, a masculinidade
tóxica tende a criar adultos incapazes de lidar adequadamente com seus próprios
sentimentos, o que faz com que, muitas vezes, eles reajam às adversidades de
maneira incompatível ou mesmo violenta.
— No caso das mulheres, ser vista como uma pessoa
inferior causa problemas de desamparo aprendido, sensação de incompetência,
falta de confiança e perda de referência em si mesma, o que te leva a aceitar o
que o outro impõe a você — diz Elizabeth Barham, professora do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). — [Disso pode advir]
depressão, ansiedade, insegurança emocional, falta de conexão com suas próprias
necessidades e até com outras pessoas.
Já para os homens, o machismo gera muita tensão e
estresse porque os impele constantemente para um espaço de competição e busca
por superioridade em relação às mulheres, mas também entre os próprios homens,
explica Barham. Ademais, “é como se os homens não pudessem demonstrar
dificuldades e fragilidades”, o que faz com que eles também sofram de depressão
e ansiedade, mas expressem isso de maneira diferente: homens tendem abusar mais
de álcool e drogas que mulheres, o que também é um “jeito ativo de lidar com o
problema que é coerente com a ideia de machismo”, afirma.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os homens
responderam por 79% das mortes por suicídio em 2020, de acordo com um
levantamento do Washington Post baseado em dados do Centro de Controle e
Prevenção de Doenças. A maioria dessas mortes envolveu armas de fogo, após
consumo excessivo de álcool ou drogas. Em comentário ao mesmo jornal, Bill
Hawley, especialista em prevenção do departamento de saúde pública no Condado
de Johnson, no Kansas, disse que “isso tem a ver com a lacuna entre as
expectativas que os homens têm de suas vidas e a realidade de suas experiências
individuais, agravada por normas culturais que os desencorajam a expressar
qualquer emoção além da raiva”.
Os homens também costumam ser mais resistentes do
que as mulheres a procurar ajuda e cuidar de sua saúde mental, porque as
emoções não baseadas na raiva são consideradas, dentro dessa ótica machista,
questões “femininas” ou “coisa de veado”, Pedro Ambra, professor do
departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Machismo invisível
De acordo com o especialista, o machismo pode ser
definido como “um conjunto de práticas, discursos e culturas que atribuem a
homens e mulheres lugares fixos e hierarquicamente subordinados”.
— Mesmo discursos que enaltecem a mulher, como os
de sacralização da mãe, podem ser considerados discursos machistas, na medida
em que essa sacralização serve para invisibilizar muitas vezes o trabalho não
remunerado da mulher que é mãe. As pessoas dizem “Ela faz tudo isso por amor”,
“Ela é uma grande guerreira”. Mas isso apenas reifica o que é a mulher [do
ponto de vista da estrutura patriarcal], enquanto o homem deve ser forte,
agressivo e não levar desaforo para casa — comenta Ambra, autor do livro “O que
é um homem? Psicanálise e história da masculinidade no Ocidente”. — Os efeitos
disso são os mais diversos, desde a violência física e psicológica contra as
mulheres, até as violências dos homens contra os próprios homens.
Comportamentos machistas, porém, não se limitam a
casos de violência. Eles permeiam nosso cotidiano e muitas vezes até passam
despercebidos. São gestos que parecem inofensivos, mas que na prática limitam
as possibilidades das mulheres. A ONG Think Olga, de combate à desigualdade de
gênero, destaca em seu glossário quatro tipos de machismos invisíveis:
manterrupting, bropriating, mansplaining e gaslighting.
Junção de man (homem) e interrupting (e
interrupção), manterrupting significa “homens que interrompem”, ou seja, é
quando um homem não deixa uma mulher falar, interrompendo-a a todo instante. O
bropriating é uma junção de bro (nome curto para brother, irmão, mano) e
appropriating (apropriação) e se refere à quando um homem se apropria da ideia
de uma mulher e leva o crédito por ela. Mansplaining, por sua vez, é uma junção
de man (homem) e explaining (explicar) e ocorre quando um homem dedica seu
tempo a explicar obviedades para uma mulher, por não a considerar capaz de
entender.
Já o gaslighting é a violência emocional por meio
de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao seu redor a acharem
que ela enlouqueceu ou que é incapaz. O termo foi baseado no título do thriller
"Gaslight" (“À meia-luz”), de 1944, e é uma forma de fazer a mulher
duvidar de seu senso de realidade, de suas próprias memórias, percepção,
raciocínio e sanidade. Este comportamento também afeta os homens, mas as
mulheres são vítimas culturalmente mais fáceis — qual mulher nunca ouviu frases
como: “Você está exagerando”, “Nossa, você é sensível demais”, “Para de
surtar”, “Você está delirando?”, “Cadê seu senso de humor?”, “Não aceita nem
uma brincadeira?”, e o clássico “Você está louca?”?
Há ainda outro impacto invisível do machismo na
vida das mulheres: a carga mental. Sabe quando um homem alega que “ajuda muito
nas tarefas de casa”? Isso ocorre devido à visão machista de que os trabalhos
domésticos (gestão da casa, cuidado com os filhos etc.) são de responsabilidade
da mulher, mesmo que ela também trabalhe fora.
— Na grande maioria das famílias, são as mulheres
as responsáveis por cuidar da casa e dos filhos. E isso é ensinado desde a
infância, com brincadeiras que envolvem bonecas e panelinhas, na relação com os
irmãos e até em piadinhas “inocentes” como “já está pronta para casar” — diz
Pedro Ambra, antes de lembrar que o machismo atua em três níveis: individual,
institucional e estrutural. — Então dentro dessa estrutura patriarcal, as
mulheres têm que planejar tudo. É delas a responsabilidade pela gestão da casa
e por manter a família unida. O cara muitas vezes não sabe nem a data de
aniversário dos filhos.
Manual antimachismo
No livro “Guia prático antimachismo” (Sextante), a
advogada Ruth Manus defende que “homens e mulheres são machistas” e que “o
machismo não é um problema apenas para as mulheres”. Homens também são
oprimidos por essa cultura, porque o machismo “dita regras comportamentais
muito rígidas para todos, independentemente do gênero”, ela diz.
— Os homens perdem, principalmente, a liberdade de
serem o que quiserem, porque o machismo prega uma masculinidade tóxica, pautada
na falta de sensibilidade e compaixão, que muitas vezes chega perto da
violência — comentou, em entrevista ao GLOBO. — Você pode até dizer que os
homens do seu convívio não são truculentos, mas quantas vezes eles são
confrontados a agirem dessa forma? “Nossa, mas você obedece a sua mulher,
ein?”, “Não vai ficar bebendo cerveja até duas da manhã numa quarta-feira
porque sua mulher é brava e você tem que ir para casa cuidar do filho”. Não,
gente. É só um homem decente querendo fazer parte de uma dinâmica familiar
saudável.
Manus também sustenta que o machismo existe sob
diversas roupagens. Ela cita alguns exemplos: o machista old school (aquele que
pensa que “homem que é homem não chora nem faz exame de próstata); o
esquerdomacho (“diz que é desconstruído, mas repete modelos de infidelidade e
soberba masculina e se incomoda ao ser confrontado com a realidade); o
politicamente incorreto (“reclama que não pode nem mais fazer piada”); o do
“mimimi” (“sempre tenta anular o debate com menosprezo pela causa”); o
palestrinha (“tenta explicar o óbvio e sempre interrompe as mulheres”); e o
violento, “lembrando que a violência não é só física e sexual, ela é também
psicológica”.
Fonte: https://oglobo.globo.com/
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