Vicente
era um soldado romano do século V que, na França, abandonou
a desregrada vida no exército para "espantar a banalidade e a
soberba de sua vida e dedicar-se somente a Deus na humildade cristã". Para
isso dirigiu-se a um dos principais mosteiros da época, na ilha de
Lérins (hoje, Santo Honorato) no Mar Mediterrâneo, próximo a
Cannes. Foi ordenado sacerdote, adotando o nome de Peregrinus (peregrino).
Pelas suas qualidades de caráter e austeridade monástica, acabou sendo eleito
abade.
Nesta função, promoveu grande reforma,
transformando o mosteiro num centro de cultura e espiritualidade, de onde surgiram bispos e santos de grande importância para a evangelização
da França.
Sendo um profundo conhecedor das Sagradas Escrituras e
de larga cultura humanística, destacou-se como teólogo e escritor
famoso, em cujos textos brilham o estilo apurado, o vigor, e a clareza e
precisão de pensamento. Polemizou com Santo Agostinho
sobre livre-arbítrio, predestinação e necessidade da Graça. Sua obra, de enorme difusão, tem repercussão até os dias atuais, e
entre outros temas, como Cristologia e Trindade, oferece argumentos
claros contra as heresias do arianismo, pelagianismo e donatismo.
Seu livro mais famoso é justamente o Commonitorium ("Manual
de Advertência aos Hereges", ou “Tratado para Reconhecer a Antiguidade e
Universalidade da Fé Católica Contra as Profanas Novidades dos Hereges”) de
434, que estabelece critérios básicos para se viver integralmente a
mensagem evangélica, e combate o pelagianismo. “Commonitorium” ou “conmonitorium” é uma palavra muito usada como
título de obras daquela época, e significa notas ou apontamentos de auxílio à
memória, sem a intenção de se compor um tratado exaustivo.
Realmente, através de exemplos da Tradição e da
História da Igreja, Vicente quis tornar acessível a todos os fiéis,
de todos os tempos, os critérios para diferenciar a verdade do erro e conservar
intacta a Santa Doutrina. Trata-se simplesmente de manter
a fidelidade à Tradição viva da Igreja: o católico deve crer
quod semper, quod ubique, quod ab ómnibus, “só e tudo quanto foi crido
sempre, por todos e em todas as partes” isto é, deve-se
considerar por verdadeiro na Fé aquilo que sempre e por toda
parte foi aceito por certo na Igreja.
Este conceito é como que uma definição do seja a Tradição, e
muitos Papas, e Concílios, confirmaram com sua autoridade a imutável
validez desta regra de Fé. Por este motivo, o Commonitorium é plenamente
atual, útil para esclarecer as confusões doutrinais desde as heresias antigas,
passando pelo protestantismo e chegando até a crise modernista; ele
traz respostas para os riscos do ceticismo e do relativismo teológico.
O Commonitorium é de fato uma joia da literatura patrística,
uma obra prima com regras claras e fáceis para a perfeição cristã
e orientação para a verdadeira Fé, e por isso chamado por São Roberto Belarmino de “livro todo de ouro”,
uma das obras mais reproduzidas da História***.
São Vicente de Lérins faleceu no seu mosteiro, em 450 ou pouco
antes. É considerado um farol de ortodoxia da Igreja, o teólogo, pensador
e escritor mais importante da França no século V.
***O leitor
interessado pode facilmente descarregar este opúsculo de 33 páginas
gratuitamente, da internet.
Colaboração: José Duarte de Barros Filho
Reflexão:
Num momento
histórico em que qualquer coisa “tradicional” é considerada sem valor e tratada
pejorativamente (ainda que, certamente, muitas tradições mundanas sejam de fato
desprezíveis), e a própria Tradição da Igreja venha sendo contestada de forma
agressiva e por caminhos inimagináveis, parece mais do que recomendável
reproduzir os pensamentos de São Vicente de Lérins que há mais de 15 séculos
servem de orientação doutrinal, pois de resto a Verdade – Deus (“Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida”, disse Jesus, cf. Jo 14,6) é mesmo imutável. Isso
não significa que a Verdade – Deus! – é estagnada e incapaz de lidar com as novidades
humanas, mas sim que para A entendermos e segui-La, devemos nos aprofundar
Nela, não desvirtuá-La segundo interesses particulares. São Vicente já
denunciava a este respeito, isto é, das confusões doutrinárias: a causa delas é
“… a introdução de crenças humanas no lugar do dogma vindo do céu.” Por isso,
ensina: “… é próprio da humildade e da responsabilidade cristã não transmitir a
quem nos suceda nossas próprias opiniões, mas conservar o que tem sido recebido
de nossos maiores.”; “Todo cristão que queira desmascarar as intrigas dos
hereges que brotam ao nosso redor, evitar suas armadilhas e manter-se íntegro e
incólume em uma fé incontaminada, deve, com a ajuda de Deus, apetrechar sua fé
de duas maneiras: com a autoridade da lei divina antes de tudo, e com a
tradição da Igreja Católica.”; “… o verdadeiro e autêntico católico é o que ama
a verdade de Deus e à Igreja, Corpo de Cristo; aquele que não antepõe nada à
religião divina e à fé católica: nem a autoridade de um homem, nem o amor, nem
o gênio, nem a eloquência, nem a filosofia; mas que desprezando todas estas
coisas e permanecendo solidamente firme na fé, está disposto a admitir e a crer
somente o que a Igreja sempre e universalmente tem crido.”; E, citando São
Paulo: “Meus irmãos, eu vos peço que tomeis cuidado com os que provocam
divisões e escândalos em contradição com a doutrina que aprendestes. Evitai-os.
Esta gente não serve a Cristo, Nosso Senhor, mas ao próprio estômago. Eles
seduzem os corações simples com frases belas e adulações.” (Rm 16,17-18); “Pois
bem, mesmo se nós próprios, mesmo se um anjo descido do céu vos anunciasse um
Evangelho diferente daquele que vos anunciamos, maldito seja! Já vos dissemos e
agora repito: se alguém vos anunciar um Evangelho diferente daquele que
recebestes, maldito seja!” (Gl 1,8-9). Não se enganem os católicos. Cristo
mesmo deixou claro, “Tomai cuidado para que ninguém vos engane; porque muitos
virão invocando Meu nome. Dirão: ‘Eu sou o Messias’, e enganarão a muitos”, e
“Muitos falsos profetas surgirão e não vão ser poucos os arrastados para o
erro” (cf. em Mt 24,4-14. Recomenda-se vivamente ao leitor que reveja toda esta
passagem). Só na Tradição da Igreja, que remonta a Cristo e não aos homens,
está a Verdade, e, como advertiu o Apóstolo das Gentes, não se deve seguir
ninguém, sequer apóstolo ou anjo, que dela se afaste. A Igreja tem por
obrigação, sim, estar atenta aos sinais dos tempos, mas é somente o imutável
Espírito Santo que na sã Doutrina a dirige. O que estiver em desacordo com isso
não vem de Deus.
Oração:
Fonte: https://www.a12.com/
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