Manuscrito original do padre António Vieira - Foto: Arquivo Pontifícia Universidade Gregoriana (Direitos Reservados) |
Manuscrito original da «Clavis Prophetarum» esteve
desaparecido durante 300 anos e foi descoberto por investigadores portugueses.
Lisboa - Ecclesia
O manuscrito original da
‘Clavis Prophetarum’ (em português A Chave dos Profetas), da autoria do Padre
António Vieira (1608-1697), foi apresentado nesta segunda-feira (30) em Lisboa,
após ter sido dado como desaparecido há 300 anos.
O documento foi divulgado numa
sessão especial, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em ligação
direta com a Universidade Pontifícia Gregoriana, de Roma.
“Estou certo de que apresentar
em 2022 este manuscrito de António Vieira é motivo de satisfação para todos
nós: pelo valor do manuscrito em si mesmo e porque o seu autor, Vieira, é uma
figura luso-brasileira por excelência; uma figura capaz de continuar a juntar
as duas margens do Atlântico”, referiu o reitor desta instituição académica, o
jesuíta português padre Nuno da Silva Gonçalves.
O religioso destacou a
descoberta de um manuscrito “tão importante para a história luso-brasileira” no
momento em que se comemoram os 200 anos da independência do Brasil.
“Fica também patente na
apresentação de hoje que há ainda um longo caminho a percorrer, para continuar
a estudar este precioso manuscrito em todas as suas vertentes”, acrescentou, em
ligação por videoconferência.
O documento foi descoberto por
dois investigadores portugueses em Roma, na Biblioteca da Universidade
Pontifícia Gregoriana: Ana Travassos Valdez, especialista em literatura
apocalíptica e investigadora principal do Centro de História da Universidade de
Lisboa; e Arnaldo Espírito Santo, professor emérito da Faculdade de Letras,
responsável por uma edição crítica do livro III da ‘Clavis’.
Ana Travassos Valdez falou das
circunstâncias que lhe permitiram aceder ao arquivo da Gregoriana, e a um
volume, o 1165/1, com “mau aspeto”, que lhe abriu uma hipótese aparentemente
“impossível”: que aquele fosse o texto original.
“As minhas certezas cresciam,
a par das minhas inseguranças”, confessou.
Em fevereiro de 2020 começaram
os primeiros testes materiais, que apontavam para o último quartel do século
XVII, com papel diferente – a escrita começou na Europa e foi continuando até à
morte do autor – e vários cadernos.
Apresentação em Lisboa - Foto Ecclesia |
A pandemia fez com que,
durante dois anos, se tornasse impossível trabalhar fisicamente com o
manuscrito, entretanto restaurado.
“Hoje, as dúvidas já não
existem: é o original da ‘Clavis”, concluiu.
Ele está aqui e o trabalho só
agora começou, para se desvendarem os segredos da Clavis Prophetarum”.
Arnaldo Espírito Santo
apresentou o processo que levou à identificação da obra como o texto original,
com o cruzamento de várias fontes e referências cronológicas, a partir da
correspondência do próprio padre António Vieira, ao longo de várias décadas.
O classicista falou de uma
obra “profusamente” censurada pela Inquisição e “mutilada” pela censura, com
cópias em vários países.
“Entretanto, o original foi
dado como desaparecido”, observou.
Apresentação em Lisboa - Foto Ecclesia |
O diretor da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, Miguel Tamen, sublinhou no início da sessão
que se está perante “um verdadeiro livro”.
O jesuíta Martín Morales,
professor da Gregoriana e diretor do Arquivo Histórico da Universidade
Pontifícia, falou sobre a história do manuscrito, “caído no esquecimento”, e o
futuro da sua edição.
Irene Pedretti, restauradora e
arquivista da Gregoriana, e Giulia Venezia, responsável pelo projeto de
digitalização do documento, abordaram “os aspetos materiais” do manuscrito.
OC
Nascido a 6 de fevereiro de
1608, em Lisboa, António Vieira partiu com a família para o Brasil aos seis
anos de idade; como religioso jesuíta foi missionário e diplomata, ficando
conhecido pelas denúncias da desumanidade com que os colonos tratavam indígenas
e escravos.
Ana Travassos Valdez destacou
a importância desta figura, assumindo o “enorme desafio” da transcrição de um
texto manuscrito e em latim, que vai ser digitalizado e colocado ao dispor de
todos os investigadores e dos leitores de todo o mundo, com uma tradução
crítica em inglês.
Foto: Arquivo Pontifícia Universidade Gregoriana (Direitos Reservados) |
A investigadora do Centro de
História da Universidade de Lisboa deixou votos de que o manuscrito original de
um tratado político-teológico seja “um documento vivo, sempre em evolução”,
numa abordagem transdisciplinar.
O padre Francisco Mota,
jesuíta, diretor-geral da ‘Brotéria’, destacou a “importante descoberta”
apresentada hoje, com impacto “académico, histórico e cultural”.
“Esta descoberta recorda-nos a
necessidade de ter profetas e profecias”, sustentou.
Foto: Arquivo Pontifícia Universidade Gregoriana (Direitos Reservados) |
Luís Ferreira, reitor da
Universidade de Lisboa, considerou que a descoberta do original da ‘Clavis’
mostra a importância da “possibilidade de procurar”, num tempo de pressa
excessiva.
O responsável
apresentou Vieira como “mestre maior da língua portuguesa”, lembrando a
admiração que por ele nutriam, entre outros, Pessoa e Saramago.
No final da sessão, Ana
Travassos Valdez e Arnaldo Espírito Santo afirmaram aos jornalistas que, com a
descoberta do original, se abre uma janela “completamente diferente” para a
obra, com as anotações originais e texto que se encontrava escondido por baixo
de páginas coladas com farinha da mandioca, por exemplo.
Os dois investigadores
descartaram a possibilidade de o documento ser transferido e depositado em
Portugal, considerando-o propriedade da Companhia de Jesus.
Fonte: ECCLESIA
Apresentação em Lisboa - Foto Ecclesia |
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