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sábado, 25 de junho de 2022

No silêncio das nossas igrejas

O teto da Mesquita de Roma [© Paolo Portoghesi]
Arquivo 30Dias - nov/2011

No silêncio das nossas igrejas

“As igrejas são domus Dei. Sempre considerei fundamental que numa grande cidade haja a possibilidade de abrir uma porta e ver aquela luzinha acesa que indica a presença do Senhor na Eucaristia”. Entrevista com Paolo Portoghesi, por ocasião de seu octogésimo aniversário.

Entrevista com Paolo Portoghesi por Paolo Mattei

“Talvez tenha sido justamente o fato de ter nascido e vivido em Roma que amadureceu em mim a convicção de que na arquitetura, e não apenas nesse ramo, a tradição é uma condição vital, e de que pode haver continuidade na mudança. Roma mudou radicalmente muitas vezes, mas manteve essa sua profunda unidade e continuidade. Minhas ideias são sem dúvida influenciadas pela experiência da cidade”.

Paolo Portoghesi começa daqui, de Roma, para dar conta de sua posição histórica no debate sobre a cultura arquitetônica, que, a partir da década de 1960, teve nele, como representante máximo da corrente pós-modernista italiana, um adversário das posturas mais extremistas de uma parte do racionalismo, segundo as quais seria preciso romper radicalmente com o passado e com a tradição em favor de um funcionalismo exasperado e abstrato. Segundo o arquiteto romano, entre o antigo e o novo, entre a tradição e a modernidade, não existe contraposição dialética, mas convergência e continuidade.

“Professor aposentado” na Sapienza de Roma, onde lecionava Geoarquitetura – um curso que ele mesmo criou para ensinar aos alunos a arte de construir respeitando a história e as peculiaridades dos lugares em que se dá a intervenção –, um dos maiores especialistas em barroco romano e na obra de Borromini, crítico e arquiteto criador (entre suas obras mais famosas, devemos lembrar a Casa Baldi, a Mesquita de Roma e a igreja da Sagrada Família, em Salerno), Portoghesi completou oitenta anos há pouco tempo. Seu aniversário foi festejado no início de novembro no Vaticano, no Salão Sistino da Biblioteca, redecorado pelo arquiteto para a sua reabertura como sala de leitura para os estudiosos, que ocorrerá em breve. Na ocasião, Portoghesi apresentou um modelo de igreja intitulada a São Bento, que ele projetou como presente para o papa Ratzinger.

Fomos encontrá-lo em Calcata, na província de Viterbo, uma esplêndida cidadezinha que domina o vale de Treja do alto de uma montanha de pedras calcárias. Aqui, a menos de cinquenta quilômetros de Roma, Portoghesi dirige seu escritório e toca seus projetos, que são muitos e variados. Daqui a alguns meses, será inaugurada em Estrasburgo sua segunda mesquita: a primeira foi a de Roma, aberta em 1995.

Fizemos a ele algumas perguntas sobre sua vida e suas ideias a respeito da arquitetura das igrejas.

 

Paolo Portoghesi [© Giovanna Massobrio]


Professor, comecemos por Roma.

PAOLO PORTOGHESI: Nasci lá e até os dezoito anos nunca tinha saído da cidade. Sempre a amei e nunca deixei de estudá-la. Sou um fruto da condição humana que se vive em Roma, à qual dediquei muitos livros e muitas pesquisas e da qual ainda hoje continuo a aprender coisas novas. A capacidade que essa cidade tem de falar àqueles que nasceram lá, como eu, mas também a quem a visita por qualquer motivo, é inesgotável.

Que lugares da cidade o senhor mais frequentava e apreciava quando era jovem?

Nasci no coração da cidade, em via Monterone, num velho edifício que pertencia a um príncipe. Meu pai, que também era arquiteto, tinha reaberto o portão original do edifício, que fora fechado séculos antes, depois do assassinato de um cardeal. Assim, eu vivia a dois passos de Santo Ivo da Sapienza, que via todos os dias quando ia para a escola, no vicolo Valdina: esse foi o meu primeiro “itinerário forte”, que tinha ainda a praça do Panteão e a via della Maddalena. Era “forte”, também, o percurso que me conduzia à casa dos meus avós, em via della Chiesa Nuova, 14, uma casa famosa, por ser sede da “Comunidade do Leitão”, lugar de encontro de alguns protagonistas da época da Constituinte, como Lazzati, Dossetti e La Pira.

Qual era sua relação com a fé, quando menino?

Minha família era católica. Fiz a primeira comunhão com as Irmãs do Cenáculo, num belíssimo parque em Gianicolo. Mas vivi o episódio da guerra num momento particular da minha vida, entre o final da infância e o início da adolescência, e por uma série de questões familiares fiquei muito isolado naquele período. Passava muitas vezes dias inteiros sem sair de casa. Lembro-me de que durante o “inverno dos alemães”, entre 1943 e 1944, quase nunca fui à escola. Na minha primeira formação religiosa, portanto, faltou completamente o aspecto, que na época era comum, da participação da vida paroquial. Meu itinerário foi bastante mais complexo que o dos jovens da minha idade. Eu invejava muito, por exemplo, o meu irmão que estudava no Colégio Romano, dos jesuítas, e estava inserido numa realidade juvenil muito viva. Sempre cultivei minha relação com a fé como algo a ser escavado no “foro íntimo”, mais que como partilha com os outros. Nessa solidão eu lia muitos livros, também de conteúdo religioso.

Que tipo de livros?

Eu tinha predileção especial pelo catolicismo francês: Charles Péguy, Jacques Rivière, Georges Bernanos, por exemplo. Gostava, naturalmente, também de Pascal. E, um pouco rebelde como todos os jovens, me apaixonei por Rimbaud. Vivia minha relação pessoal – sofrida, nada pacífica – com a Igreja também passando pela mediação desses grandes personagens. Depois tive um período de afastamento, e em 1959 me inscrevi no Partido Socialista, com o desejo de encontrar nesse filão de pensamento a possibilidade de uma continuidade com o que tinha sido a minha experiência cristã até então. Reaproximei-me da Igreja na década de 1980, e depois vivi com particular intensidade a experiência de projetar e construir igrejas.

No debate sobre a arquitetura das igrejas, o senhor critica a ideologia da tábula rasa, da ruptura com o passado e com a tradição.

O que eu penso sobre isso está muito bem sintetizado na Sacrosanctum Concilium, a primeira das quatro constituições do Concílio Vaticano II, promulgada em 4 de dezembro de 1963, em que se recomenda, a propósito da inovação litúrgica, que “as novas formas de um certo modo brotem como que organicamente daquelas que já existiam”. Essas palavras valem também para a inovação das formas e das tipologias arquitetônicas das igrejas. Com grande frequência isso não foi levado em conta, nestas últimas décadas.

Por que, na sua opinião?

Porque nos debates entre os arquitetos, a partir dos anos de 1960, ficaram em contraposição radical os conceitos de Igreja espiritual e igreja construída, noções que a tradição indica como complementares. Puseram em dúvida também a sacralidade do edifício cristão. Hoje há quem teorize um cristianismo sem templo. Isso é um erro enorme. Basta pensar na Eucaristia, presença real do Senhor celebrada e conservada nas igrejas, para entender que elas são domus Dei, casas de Deus. Nesse sentido, é sugestiva a provável etimologia das palavras Church e Kirche, “igreja” em inglês e alemão: kyriakón, que significa “o que é próprio do Senhor”. Sempre considerei fundamental, por exemplo, que numa grande cidade haja a possibilidade de abrir uma porta e ver aquela luzinha acesa que indica a presença do Senhor na Eucaristia.

A cúpula de Santo Ivo na Sapienza, de Francesco Borromini,
no bairro romano de Santo Eustáquio [© Foto Scala, Firenze]

Quais foram os efeitos dessas interpretações na arquitetura das igrejas?

Confusão e indistinção, em primeiro lugar. O posicionamento dos polos litúrgicos tradicionais – altar, tabernáculo, batistério, ambão – foi completamente rediscutida, e chegaram a soluções paradoxais, como a adotada na igreja de Jesus Redentor em Módena, onde o altar e o ambão se encontram nos dois extremos de um corredor central, dos lados do qual os fiéis, divididos em filas contrapostas, olham-se de frente, movendo os olhos, de vez em quando, ora para a direita, ora para a esquerda, para acompanhar com dificuldade os deslocamentos do celebrante entre os dois polos. Infelizmente esse modelo de igreja – na Alemanha definido “communio” – é um dos mais seguidos no plano internacional. A propósito disso, é muito bonito o que diz Ratzinger em seu livro Introdução ao espírito da liturgia, em que, citando Josef Andreas Jungmann, um dos pais da Sacrosanctum Concilium, explica a antiga conformação da assembleia litúrgica: “Sacerdote e povo sabiam que caminhavam juntos para o Senhor. Eles não se fecham em círculo, não olham uns para os outros, mas, como povo de Deus em caminho, estão de partida para o Oriente, para Cristo, que avança e vem ao nosso encontro”. Muitas igrejas recentes, como a de Módena, refletem essa perda da “dimensão cósmica” da liturgia...

O que o senhor entende por “dimensão cósmica”?

Era a razão profunda pela qual antigamente todos, fiéis e celebrante, durante a oração eucarística, se voltavam para o Oriente, direção que “se encontrava em estreita relação com o ‘sinal do Filho do homem’, com a cruz, que anuncia o retorno do Senhor”, diz ainda Ratzinger, que explica que esse ato não era, portanto, a “celebração para a parede”, não significava que o sacerdote “voltava as costas ao povo”: o sacerdote, observa Ratzinger, “não se considerava, pois, tão importante”. A perda do sentimento dessa dimensão, de fato, gerou de um lado um certo tipo de retórica definida como “clericalização” da liturgia – a dinâmica em que o sacerdote se torna o centro da celebração, o protagonista do evento; de outro lado, quase por reação, deu origem à “criatividade” dos grupos que preparam a liturgia, que querem em primeiro lugar “mostrar a si mesmos”. “A atenção”, continua Ratzinger em seu livro, “está cada vez menos voltada para Deus, e é cada vez mais importante o que fazem as pessoas que ali se encontram”. Tudo isso conduziu a considerar a igreja como lugar de entretenimento, um lugar fechado, levando a esquecer as duas constantes que caracterizaram o desenvolvimento tipológico realizado desde a era paleocristã até o barroco.

Que constantes?

Em primeiro lugar, a profundidade de perspectiva obtida com a estrutura longitudinal, que expressa o caminho do povo de Deus para a salvação e para Cristo que vem, o êxodo “dos nossos pequenos grupos para entrar na grande comunidade que abraça o céu e a terra”, comenta ainda Ratzinger; e, em segundo lugar, o movimento vertiginoso para o alto, visto nas cúpulas e nos cibórios: a Igreja, lemos em Povo e casa de Deus em Santo Agostinho, “não tem seu fundamento sob si, mas acima de si, e seu fundamento portanto é também a sua cabeça”. Enfim, o que quero dizer é que os homens não vão à igreja como vão a um círculo recreativo, para trocar um aperto de mão, mas vão até lá porque ali acontece essa aproximação com o Senhor. A arquitetura das igrejas deve chamar a atenção para essa dimensão de encontro com Deus. Não pode limitar-se a celebrar a presença da comunidade entendida como algo fechado. Uma igreja não é a sede de determinados grupos ou movimentos, ou um lugar de reunião. É um pequeno fragmento da Igreja universal. Essa tendência para a universalidade deve-se manifestar na arquitetura, não certamente por meio da ostentação e da complexidade. Aliás, hoje eu diria que a simplicidade é um elemento profundo pelo qual podemos atingir essa universalidade.

Na sua opinião, há exemplos modernos positivos de arquitetura de igrejas?

Sim, penso em Antoni Gaudí, Alvar Aalto, Rudolf Schwarz, Giovanni Michelucci... São exemplos de como é possível que a criatividade não se contraponha de modo algum a uma atenta consideração da tradição, que é a transmissão de uma herança que deve dar frutos.

Quando o senhor começou a projetar igrejas?

No final da década de 1960, quando construí a Sagrada Família em Salerno. Mas aquela é uma igreja “assinada”...

Em que sentido?

É a que é mais apreciada pelos críticos, porque é um esforço de linguagem, o típico edifício que, por seu estilo reconhecível dentro de um debate, pode encontrar seu lugar numa história da arquitetura. A partir da década de 1990 comecei a projetar outras igrejas, pondo entre parênteses a problemática expressiva pessoal – a linguagem – para dar mais ouvidos às exigências de quem as encomendava e para tentar realizar seus desejos.

O senhor lembra com especial satisfação de alguma das igrejas que projetou?

Bem, Nossa Senhora da Paz, em Terni, me envolveu e emocionou muito. Depois da aventura da Mesquita de Roma, que durou vinte anos, eu voltava a pensar numa igreja, cujo projeto me foi proposto em 1998 pelo então bispo da diocese, Franco Gualdrini. Fui tomado por um fluxo de sentimentos, ideias e imagens que brotavam dos títulos escolhidos para a igreja: a Santíssima Trindade e a Virgem portadora da paz. Mergulhei na leitura de textos sobre Maria e me confirmei na identificação simbólica de Nossa Senhora com a estrela e a luz, imagens para mim estreitamente ligadas à lembrança das ladainhas de Loreto, que eu ouvia depois da oração do rosário em casa, com meus avós, durante a guerra. Fui conquistado pelos versos do hino Akathistos – “Estrela anunciadora do Sol...” –; pelo hino medieval das Vésperas de Maria, o Ave maris stella; pelos tercetos de Dante no Paraíso – “Aqui és para nós a transparente / face da caridade...” –; e pelas palavras de Péguy na Apresentação da Beauce a Nossa Senhora de Chartres– “Estrela do mar... Estrela da manhã... / eis-nos em marcha para a vossa ilustre corte, / e eis a travessa do nosso pobre amor, / e eis o oceano da nossa pena imensa...”. Esses versos cristãos me fizeram lembrar da poesia Na foz, à noite, de Caproni, não propriamente um defensor da fé em sentido tradicional, mas poeta de que gosto muito: “Eu a via elevada sobre o mar. Altíssima. / Bela. // Infinitamente bela, / mais que qualquer outra estrela [...]. Ignorava o seu nome. / O mar / me sugeria Maria. / Era já a minha / única estrela. / Na incerteza // da noite, eu, disperso, / me surpreendia a rezar. // Era a estrela do Mar”. Eu me sentia muito contente: tinha encontrado o núcleo formador do edifício, o ideograma estelar, cujas primeiras aplicações à planta das igrejas remetem ao Barroco, embora seus prenúncios possam ser encontrados já na Idade Média.

Que características o senhor desejava que tivesse a nova igreja?

Queria que representasse o recolhimento: o silêncio nas igrejas é importante, o silêncio é a condição de acesso ao sagrado. Depois, desejava privilegiar a “pobreza”, mais que a riqueza. Por isso tive de fazer a cobertura em madeira, como nas igrejas medievais.

A maquete da igreja dedicada a São Bento que o senhor deu ao Papa vai virar uma igreja de verdade?

Não sei... Aquilo é sobretudo um presente para o papa Ratzinger. E são também os votos de que São Bento proteja a sua Europa nestes momentos difíceis.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF