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O que
é o relativismo?
Em síntese: O
relativismo é uma corrente que nega toda verdade absoluta e perene assim como
toda ética absoluta, ficando a critério de cada indivíduo definir a sua verdade
e o seu bem. Opõe-se-lhe o fundamentalismo, que afirma peremptoriamente a
existência de algumas verdades e algumas normas fundamentais. .. O indivíduo se
torna o padrão ou a medida de todas as coisas. Tal atitude está baseada em
fatores diversos, entre os quais o historicismo: com efeito a história mostra
que tudo evolui e se tornam obsoletas coisas que em tempos passados eram
plenamente válidas. A Igreja rejeita o relativismo, mas também não aceita o
fundamentalismo: ao lado de verdades e normas perenes, existem outras, de
caráter contingente e mutável. Ao cristão toca o dever de testemunhar ao mundo
de hoje que a profissão d fé e a Moral católicas nada têm de obscurantista e de
recusa dos autênticos valores da civilização contemporânea.
No fim do século passado
manifestou-se com certa pujança o fenômeno do relativismo. Segundo esta
corrente, o intelecto humano não pode alcançar a verdade como tal, mas apenas
aspectos enquadrados dentro do subjetivismo de quem os professa. Essa
relativização da Verdade e da Ética tem conseqüências de vasto alcance na vida
moderna, de modo que lhe dedicaremos as páginas subseqüentes. Trataremos de
apresentar as notas típicas do relativismo, suas causas e a atitude que cabe ao
cristão assumir diante do problema.
1. Relativismo: em que
consiste?
O relativismo é a recusa de
qualquer proposição filosófica ou ética de valor universal e absoluto. Tudo o
que se diga ou faça é relativo ao lugar, à época e demais circunstâncias nas
quais o homem se encontra. No setor da filosofia não se poderia falar da
verdade ou erro-falsidade, como na área da Moral não se poderia apregoar o bem
a realizar e o mal a evitar. O homem (indivíduo) seria a medida de todas as coisas,
como já dizia o filósofo grego Protágoras. Em conseqüência o comportamento do
homem ignora a lei natural, que é a lei de Deus incutida a todo ser humano
desde que ele dispõe do uso da razão; da mesma forma a sociedade só conhece e
respeita as leis que os seus governantes lhe propõem sem questionar a
consonância dessas leis (ditas “positivas”) com a lei do Criador: por
conseguinte, se as leis dos governantes legalizam o aborto, a clonagem, o
anti-semitismo. .., a população lhes obedece, não levando em conta que, antes
da palavra do legislador humano, existe a do Legislador Divino, que é a mesma
para todos os homens.
Os comentadores dessa situação
chegam a falar de uma “ditadura do relativismo”, contra a qual não há como
apelar para uma instância ulterior, mas elevada ou mais profunda. A essa
ditadura aludia o então Cardeal Joseph Ratzinger aos 18 de abril de 2005 na
homilia da Missa preparatória do conclave:
Baseando-se em Ef 4, 14 (“não
vos deixeis sacudir por qualquer vento de doutrina”), advertia o pregador:
“Quantos ventos de doutrina viemos a conhecer nestes últimos decênios, quantas
correntes ideológicas, quantas modalidades de pensar…! O pequeno barco do
pensamento de não poucos cristãos foi freqüentemente agitado por essas ondas,
lançado de um extremo para o outro: do marxismo ao liberalismo ou mesmo
libertinismo, do coletivismo ao individualismo radical, do ateísmo a um vago
misticismo religioso, do agnosticismo ao sincretismo. .. Todos os dias nascem
novas seitas e se realiza o que diz São Paulo sobre a falsidade dos homens,
sobre a astúcia que tende a atrair para o erro (Ef 4, 14). O ter uma fé clara,
segundo o Credo da Igreja, é muitas vezes rotulado como fundamentalismo.
Entrementes o relativismo ou o deixar-se levar para cá e para lá por qualquer
vento de doutrina aparece como orientação única à altura dos tempos atuais.
Constitui-se assim uma ditadura do relativismo, que nada reconhece de
definitivo e deixa como último critério o próprio eu e suas veleidades”.
Assim é posta de lado a
metafísica, de acordo com a advertência de Ludwig Wittgenstein: “É preciso não
falar daquilo que a mente do homem não atinge”.
Examinemos sumariamente
algumas modalidades do relativismo:
1.1. Relativismo filosófico
Não se pode pretender chegar a
uma verdade objetiva, pois a mente humana não conhece a realidade como ela é,
mas como o sujeito a consegue enquadrar dentro dos seus parâmetros de
pensamento. A verdade portanto não é aquilo que a filosofia clássica ensina
(conformação do intelecto com a realidade em si), mas, ao contrário, é a
conformação da realidade com o intelecto. A verdade assim é algo de subjetivo,
pessoal, em vez de ser objetiva e universal, para todos os homens. Já que não
há um intelecto só para todos os homens, mas cada qual tem seu intelecto, diverso
do intelecto do próximo ou mesmo oposto a este, em conseqüência há muitas
verdades. Cada um tem a sua própria verdade.
1.2. Relativismo ético
Não existem normas morais
válidas para todos os homens; os valores éticos variam de acordo com as fases
da história e das culturas; há normas e opiniões subjetivas, que o indivíduo
formula para si mesmo, fazendo uso da sua liberdade, que é refreada apenas
pelos limites que os direitos alheios lhe opõem.
O relativismo assim descrito
conhece um único absoluto, a saber: o ser humano ou, mais precisamente, a
liberdade de cada ser humano. Essa liberdade é indiscutível .
Pergunta-se agora:
2. Quais as causas do fenômeno
relativista?
Apontaremos cinco causas:
2.1. Filosofia imanentista
Imanência opõe-se a
Transcendência. Significa a negação de todo valor que esteja além do alcance da
experiência humana. Ora o relativismo contemporâneo é ateu; vê na religião e na
Moral católicas um obstáculo e um adversário, pois Deus parece escravizar
o homem e a Moral católica parece destinada a tornar o homem infeliz ou
cerceado. Como pode o ser humano levar Deus em conta, já que todo tipo de
conhecimento não é senão uma “representação” mental e subjetiva?
2.2. O historicismo
O historicismo ensina que
“tudo é histórico” ou provisório e variável; o que ontem era importante, hoje
deixa de ser tal. Ora a verdade é conhecida e vivida na história, sujeita a
contínuas mudanças; ela é “filha do seu tempo”. Tudo o que é verdadeiro e bom é
tal unicamente para o seu tempo, e não de modo universal, para todos os tempos
e todos os homens. Nenhuma cultura tem o direito de se julgar melhor do que as
outras; todos os modos de pensar e viver têm o mesmo direito.
2.3. O contínuo e insaciável
progresso
Apesar de todas as
dificuldades e hesitações por que passa a ciência, há quem julgue que ela trará
ao homem as almejadas respostas; proporcionará um crescente bem-estar, porque
desvinculadas de qualquer ligação religiosa ou moral. Tenha-se em vista a
teoria da evolução, que deu início à nova concepção da humanidade,. .. a época
das luzes, que sucedeu ao “obscurantismo” medieval… os regimes democráticos,
que tomam o lugar do ancien regime ou da monarquia absoluta dos reis…
2.4. O ceticismo
O ceticismo ensina que não há
verdades objetivas e normas morais sempre válidas e que, mesmo que as houvesse,
o homem não seria capaz de as apreender. Na época moderna, o ceticismo desponta
com René Descartes (+ 1650), que propõe a “dúvida metódica” e vai dominando o
pensamento posterior sob formas diversas: agnosticismo, empirismo, positivismo
de Augusto Comte, fideísmo, “o pensamento fraco” (como dizem).
O relativismo é marcado também
pelo ceticismo. A verdade é pragmática, prática: são verdadeiras e válidas as
teorias que levam a resultados concretos satisfatórios; se determinada
concepção resolve (ao menos aparentemente) um problema concreto, é tida como
verídica e ponto de referência para o comportamento humano.
2.5. O utilitarismo
Associado ao ceticismo, o
utilitarismo só aceita o que pode ajudar a viver em certo bem-estar aqui e
agora. Tal bem-estar é geralmente hedonista, ou seja, avesso ao sacrifício, à
renúncia, ao incômodo e tem por programa: “Maximizar o prazer e minimizar a
dor”.
Exposto sumariamente o que
seja o relativismo, resta perguntar:
3. Como diante dele se situa a
Igreja?
Responderemos em duas etapas
3.1. A Igreja não é
fundamentalista
O fundamentalismo é uma
atitude que teve origem no ambiente protestante dos Estado Unidos na segunda
metade do século XIX: apega-se ferrenhamente a certas proposições da Bíblia e
não permite que sejam estudadas à luz das pesquisas lingüísticas e
arqueológicas modernas, pois a ciência poria em perigo a fé. Portanto professa
a criação do mundo em seis dias de 24 horas; Moisés seria o autor do Pentateuco
tal como chegou até nós; o livro de Daniel terá sido escrito por inteiro nos
tempos de Nabucodonosor (século VI a.C.)… O mundo moderno é dominado por
Satanás, que Jesus derrotará definitivamente quando vier (e talvez venha em
breve) a julgar os homens.
Fundamentalista é, por
exemplo, a atitude do Islã, que propõe:
1) o Corão é livro divinamente
inspirado e deve ser entendido ao pé da letra;
2) o Islã deve reger as leis
do Estado, pois todos devem conformar-se aos preceitos de Alá.
O fundamentalismo, aliás,
também penetrou em outras correntes religiosas, como o Judaísmo e o próprio
Cristianismo (em alguns de seus setores).
Há também o fundamentalismo
leigo, não religioso, principalmente no campo da política, quando se procura
impor à sociedade o fanatismo de um chefe “carismático” e tirânico.
Pois bem; a Igreja não é
fundamentalista. Ela aceita e promove os estudos bíblicos voltados para a
lingüística, à arqueologia, a paleontologia. .. Professa que a Bíblia é inspirada
por Deus, que utilizou formas de pensamento antigo e oriental para se revelar.
A Igreja reconhece que, fora dela, existem valores suscitados pelo próprio Deus
ou, como diziam os Padres da Igreja, existem “sementes do Verbo” (logoi
spermatikói); cf. Declaração Nostra Aetate nº 2 do Concílio do Vaticano II.
Professa outrossim a liberdade religiosa ou o direito que todo ser humano tem
de estudar livremente a questão religiosa e viver de acordo com suas conclusões
sem ser coagido a abraçar algum Credo que violente a sua consciência, nem
adotar o ateísmo; ver Declaração Dignitatis Humanae do Concílio:
“2. Este Concílio Vaticano
declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Consiste tal
liberdade em que todos os homens devem ser imunes de coação, tanto por parte de
pessoas particulares, quanto de grupos sociais e de qualquer poder humano, de
tal modo que, em matéria religiosa [in re religiosa], ninguém seja obrigado a
agir contra a própria consciência, nem seja impedido de agir de acordo com ela,
em particular e em público, nem só ou associado a outros, dentro dos devidos
limites.
Declara, além disso, que o
direito à liberdade religiosa está realmente fundado na própria dignidade da
pessoa humana, tal como é conhecida tanto pela palavra revelada de Deus como
pela própria razão. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa deve
ser de tal forma reconhecido no ordenamento jurídico da sociedade que se
transforme em direito civil”.
Para evitar mal-entendidos,
seja dito: o Concílio apregoa a liberdade para pesquisar o problema religioso.
Essa pesquisa, porém, é obrigatória, pois se trata de dar sentido à vida; se
Deus existe, o rumo é um; se não existe, o rumo é outro. Ninguém está
autorizado a fugir dessa pergunta: Deus existe? …Mas pesquise sem sofrer
coação.
Há portanto um meio-termo
entre o fanatismo cego fundamentalista e o relativismo. Quem não é relativista,
não é necessariamente fanático.
3.2. A Igreja professa a
Verdade Absoluta
A inteligência humana foi
feita para a Verdade e não para a penumbra das semi-verdades ou do erro. O
homem aspira naturalmente à Verdade; esta aspiração congênita não pode ser
frustrada num mundo em que as demandas têm sua resposta; com efeito
– para o olho, há a luz para a
qual ele foi feito.
– para o ouvido, há o som.
– para os pulmões, há o ar.
– para o estômago, há o alimento.
Não haveria então resposta
para as aspirações mais elevadas do ser humano à Verdade e ao Bem?
A Igreja sabe que a Palavra de
Deus revela com veracidade quem é Deus e qual o seu plano de salvação. Fora das
verdades da fé, julga que o homem, pesquisando através de altos e baixos, pode
chegar ao conhecimento da Verdade Absoluta.
O fato, porém, de professar a
Verdade Absoluta não deve tornar o fiel católico cego e fanático. Sim; muitos
seres humanos podem estar professando o erro, julgando que o erro é a verdade;
estão de boa fé numa fé (ou religião) errônea. Deus não lhes pedirá contas
daquilo que Ele não lhes revelou, mas há de julgá-los de acordo com os ditames
da sua consciência que, sincera e candidamente, os impelia ao erro.
É o que ensina o Concílio do
Vaticano II em Lumen Gentium nº 16.
“O Salvador quer que todos os
homens sejam salvos. Aqueles portanto que sem culpa ignoram o Evangelho de
Cristo e sua Igreja, mas de coração sincero buscam a Deus e se esforçam, com o
auxílio da graça, por cumprirem com obras a sua vontade conhecida pela voz da
consciência, também esses podem alcançar a salvação eterna. A Divina
Providência não recusa os meios necessários para a salvação àqueles que, sem culpa,
ainda não chegaram ao conhecimento explícito de Deus, mas procuram com a graça
divina viver retamente”.
Há um só Deus para todos os
homens; Ele distribui suas luzes sobre todo indivíduo como lhe apraz e não pede
mais do que a justa resposta da criatura à Palavra que o Senhor lhe comunica.
Ao proclamar a verdade
absoluta, a Igreja não ignora a influência, às vezes prejudicial, das culturas
na formulação dos juízos religiosos e éticos de cada indivíduo, mas os
católicos crêem que esses possíveis obstáculos e desvios podem ser corrigidos
pela insistência de quem procura sinceramente.
Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, Osb.,
Nº 531, Ano 2006, Página 394.
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