A dor de uma mãe na pobreza | Vatican News |
Em sua Mensagem para o 6° Dia Mundial dos Pobres,
Francisco volta a condenar a guerra na Ucrânia: "Uma ‘superpotência’, que
pretende impor a sua vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos”.
O apelo: "Diante dos pobres, não serve retórica, mas arregaçar as
mangas". A advertência contra o dinheiro: "Não pode tornar-se um
absoluto, tal coisa ofusca o olhar".
Salvatore Cernuzio/Jane Nogara
- Vatican News
Pobres e
"empobrecidos" pela "tempestade" da pandemia, indigentes,
refugiados e deslocados pela guerra na Ucrânia, onde "a intervenção direta
de uma ‘superpotência’” pretende "impor sua vontade contra o princípio da
autodeterminação dos povos". É a todos eles que o Papa Francisco dedica
sua Mensagem para o 6º Dia Mundial do Pobre, a ser celebrado em 13 de novembro.
Um longo documento no qual o Papa condena desde as primeiras linhas uma das
principais causas da pobreza em nosso tempo: a guerra. Um "desastre",
escreve, que apareceu no horizonte pouco depois de "uma nesga de céu
sereno" ter se aberto após a pandemia. Uma tragédia "destinada a
impor ao mundo um cenário diferente".
A ameaça dos
poderosos e a voz da humanidade
O conflito que vem ocorrendo
há mais de cem dias, afirma o Pontífice, veio "unir-se às guerras
regionais que nestes anos tem produzido morte e destruição", mas "o
quadro apresenta-se mais complexo".
Vemos repetir-se cenas de
trágica memória e, mais uma vez, as ameaças recíprocas de alguns poderosos
abafam a voz da humanidade que implora paz.
Atingidos os
fracos e indefesos
"Quantos pobres gera a
insensatez da guerra", exclama Francisco. " Para onde quer que
voltemos o olhar, constata-se como os mais atingidos pela violência sejam as
pessoas indefesas e frágeis. Deportação de milhares de pessoas, sobretudo meninos
e meninas, para os desenraizar e impor-lhes outra identidade".
Milhões de mulheres, crianças
e idosos veem-se constrangidos a desafiar o perigo das bombas para pôr a vida a
salvo, procurando abrigo como refugiados em países vizinhos. Entretanto,
aqueles que permanecem nas zonas de conflito têm de conviver diariamente com o
medo e a carência de comida, água, cuidados médicos e sobretudo com a falta de
afeto familiar.
Dificuldade à
ajuda
Nestes momentos, “a razão fica
obscurecida e quem sofre as consequências é uma multidão de gente simples, que
vem juntar-se ao número já elevado de pobres. Como dar uma resposta adequada
que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da
precariedade?”. Não apenas isso: "Quanto mais se alonga o conflito, mais
se agravam suas consequências", observa o Papa. Portanto, a
disponibilidade que, nos últimos anos, moveu “populações inteiras” para abrir
as portas a fim de acolher milhões de refugiados das guerras no Oriente Médio,
na África Central e, agora, na Ucrânia, assim como o altruísmo de tantas
famílias que "abriram suas casas para dar lugar a outras famílias",
colide com a dureza de uma realidade fora de controle:
“Os povos que acolhem têm cada vez mais dificuldade em
dar continuidade à ajuda; as famílias e as comunidades começam a sentir o peso
duma situação que vai além da emergência.”
Todavia agora é “o momento de
não ceder, mas de renovar a motivação inicial”, encoraja Francisco, “o que
começamos precisa de ser levado a cabo com a mesma responsabilidade”. Com
efeito, a solidariedade é precisamente isso: “partilhar o pouco que temos com
quantos nada têm, para que ninguém sofra. Quanto mais cresce o sentido de
comunidade e comunhão como estilo de vida, tanto mais se desenvolve a
solidariedade”.
Não retórica,
mas agir
Aliás, escreve o Papa, deve-se
considerar que há países onde, nas últimas décadas, se verificou um
significativo crescimento do bem-estar de muitas famílias, que alcançaram um
estado de vida seguro. “Como membros da sociedade civil, mantenhamos vivo o
apelo aos valores da liberdade, responsabilidade, fraternidade e solidariedade;
e, como cristãos, encontremos sempre na caridade, na fé e na esperança o
fundamento do nosso ser e da nossa atividade”. “Agir”, é de fato, para o
Pontífice, a palavra-chave:
“No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar
as mangas e pôr em prática a fé através de um envolvimento direto, que não pode
ser delegado a ninguém.”
Mau uso do
dinheiro
Às vezes, porém, pode sobrevir
“uma forma de relaxamento que leva a assumir comportamentos incoerentes, como
no caso da indiferença em relação aos pobres”. Acontece “que alguns cristãos,
devido a um apego excessivo ao dinheiro, fiquem empantanados num mau uso dos
bens e do património. São situações que manifestam uma fé frágil e uma
esperança fraca e míope”, anota o Papa.
Sabemos que o problema não
está no dinheiro em si, pois faz parte da vida diária das pessoas e das
relações sociais, mas sim, sobre o valor que o dinheiro tem para nós:
Um tal apego impede de ver,
com realismo, a vida de todos os dias e ofusca o olhar, impedindo de reconhecer
as necessidades dos outros. Nada de mais nocivo poderia acontecer a um cristão
e a uma comunidade do que ser ofuscados pelo ídolo da riqueza, que acaba por
acorrentar a uma visão efémera e falhada da vida.
Não é o ativismo
que salva
Portanto, acrescenta
Francisco, não se trata de ter "um comportamento assistencialista" em
relação aos pobres.
“Não é o ativismo que salva, mas a atenção sincera e
generosa que me permite aproximar de um pobre como de um irmão que me estende a
mão para que acorde do torpor em que caí.”
Novas políticas
sociais
O Papa renova seu convite
"urgente" para encontrar "estradas que possam ir além da
configuração daquelas políticas sociais “concebidas como uma política para os
pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres,
e muito menos inserida em um projeto que reúna os povos".
Estamos diante dum paradoxo,
que, hoje como no passado, é difícil de aceitar, porque embate na lógica
humana: há uma pobreza que nos torna ricos... A experiência de fragilidade e
limitação, que vivemos nestes últimos anos e, agora, a tragédia de uma guerra
com repercussões globais, devem ensinar-nos decididamente uma coisa: não
estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma
vida digna e feliz.
A pobreza que
mata
Jesus mostra-nos o caminho que
há “uma pobreza que humilha e mata, e há outra pobreza – a d’Ele – que liberta
e nos dá serenidade”. A pobreza que mata é “a miséria, filha da injustiça, da
exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza
desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não
oferece perspectivas nem vias de saída”.
Quando a única lei passa a ser
o cálculo do lucro no fim do dia, então deixa de haver qualquer freio na adoção
da lógica da exploração das pessoas: os outros não passam de meios. Deixa de
haver salário justo, horário justo de trabalho e criam-se novas formas de
escravidão, suportada por pessoas que, sem alternativa, devem aceitar este
veneno de injustiça a fim de ganhar o mínimo para comer.
A pobreza que
liberta
Ao contrário, pobreza libertadora é “aquela que se
nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de
supérfluo e apostar no essencial”. “Encontrar os pobres – afirma o Pontífice -
permite acabar com tantas ansiedades e medos inconsistentes, para atracar
àquilo que verdadeiramente importa na vida e que ninguém nos pode roubar: o
amor verdadeiro e gratuito”. Na realidade, os pobres, “antes de ser objeto da
nossa esmola, são sujeitos que ajudam a libertar-nos das armadilhas da
inquietação e da superficialidade”.
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