Papa Francisco na Audiência Geral de 15 de maio de 2013 (Vatican Media) |
"Nas Igrejas, nas orações, nas saudações invoca-se a
paz, muitas vezes. Ela se constituiu como a mãe dos bens divinos e o fundamento
da alegria. Onde a paz não reina, tudo é vão. É a paz que predispõe o caminho
do amor. Quem preside a Igreja não diz somente paz às pessoas mas também paz a
todos."
Por Dom Vital Corbellini,
Bispo de Marabá – PA.
A paz é dom de Deus e é também
responsabilidade humana. Ela seja estimulada por todas as pessoas de boa
vontade em vista de sua construção real. É preciso rezar para que o dom divino
da paz se concretize em nosso mundo a fim de que todas as pessoas se amem de
verdade. Nós presenciamos algumas guerras pelo mundo afora e também em nossa
nação de modo que estas sejam superadas pelo diálogo, pela reconciliação entre
as pessoas e entre os povos.
Como já se aproximam as
eleições, estamos vendo nesses dias, casos violentos, mortes de familiares,
motivados também pelas radicalizações políticas, partidárias. São casos
relacionados por mortes de inocentes. Pelo fato de que ainda não estamos no
período da propaganda eleitoral, elevemos a nossa voz ao Senhor, para que haja
a paz entre todas as partes. As autoridades cuidem nos seus discursos a fim de
não inflamar mais ainda o tecido social, tão ferido, sobretudo para com os mais
pobres. É fundamental construir laços de paz entre as partes interessadas, pelo
diálogo, pela aceitação das diferenças partidárias, ideológicas, e buscar o
amor de Deus, ao próximo como a si mesmo. A democracia é ação a ser implantada
sempre mais na sociedade e no mundo de hoje. Veremos a seguir a forma como os
padres da Igreja, os primeiros teólogos cristãos construíram laços de paz entre
os diferentes povos onde o cristianismo foi divulgado.
A paz dá-se na
concórdia
Santo Agostinho, bispo de
Hipona, séculos IV e V, afirmou que a paz é um grande dom de Deus dado na
concórdia entre as partes. A paz do corpo é dada pela ordem nas suas partes. A
paz da alma racional é o consenso ordenado do conhecimento e da ação. A paz
entre o corpo e a alma é a vida ordenada e bem estar físico. A paz entre os
seres humanos é a concórdia ordenada. A paz entre o ser humano mortal e Deus é
a obediência ordenada na fé sob a lei eterna do amor a Deus, ao próximo como a
si mesmo. A paz de todas as coisas é a tranqüilidade da ordem[1].
Deus criou tudo em paz de modo que os seres humanos são chamados a construir
relações de paz.
Amor para os
seres humanos
Santo Agostinho ainda disse
que é preciso ter amor para com todos os seres humanos, pela diversidade de
opiniões e de ações. Isto deve ser sempre mais estimulado na convivência a fim
de estabelecer a paz entre todas as pessoas. A distinção entre bons e maus não
é uma ação segura para ninguém. A separação cabe Àquele que não erra porque não
colocará o mau à direita nem o bom à esquerda. Nesta vida é difícil o
conhecimento próprio, quanto mais será difícil proferir ao outro uma sentença
improvisada. Desta forma o conhecimento de alguma pessoa que hoje está na
maldade, talvez será mudado amanhã e o que hoje é odiado de uma forma intensa,
será nosso irmão e irmã, logo mais. É preciso odiar com segurança a malicia dos
maus e amar a criatura de tal sorte que amemos o que Deus criou nas pessoas.
Todas as pessoas são chamadas a amar o que Deus criou e odiar o que fez ser
humano, o pecado, para assim ter paz necessária para todos[2].
O amor
cristão é dado para todas as pessoas
São Fulgêncio de Ruspe, atual
Tunísia, bispo nos séculos V e VI afirmou que os cristãos eram chamados a viver
a palavra de Cristo do amor para com todos os seres humanos, conhecidos e
desconhecidos, bons e maus, amigos e inimigos. A caridade cristã é benfazeja,
não é invejosa, ambiciosa, não busca o seu próprio interesse, não goza da
injustiça, mas se alegra na verdade; nela tudo crê, espera, suporta o bem que
jamais passará (1 Cor 13, 4). A caridade abraça os amigos estendendo-se também
aos inimigos. O próprio Senhor disse para amar os inimigos, fazer o bem para
aqueles que odeiam a vida da gente e pregar por aqueles que perseguem os fiéis
e caluniam a vida dos seguidores de Cristo (Mt 5,44). O Senhor ordena para os
seus discípulos de estender o amor até aos inimigos, de dilatar a bondade de
coração cristã até aos perseguidores. Quem amará os inimigos e beneficiará a
quem os odeia, será filho de Deus Pai que está nos céus (Mt 5,45)[3].
O desejo da paz
São João Crisóstomo, bispo de
Constantinopla, séculos IV e V, afirmou o desejo da paz que está no coração de
todas as pessoas e dos povos. Cada fiel possui um anjo, como disse Jacó que
educa a pessoa e defende-a desde a juventude (Gn 48,16). Por isso os fiéis suplicam
em alta voz ao anjo da paz e em todo o lugar pedindo ao Senhor a paz porque
nada a iguala. Nas Igrejas, nas orações, nas saudações invoca-se a paz, muitas
vezes. Ela se constituiu como a mãe dos bens divinos e o fundamento da alegria.
Onde a paz não reina, tudo é vão. É a paz que predispõe o caminho do amor. Quem
preside a Igreja não diz somente paz às pessoas mas também paz a todos. A paz é
um bem muito grande que são chamados filhos de Deus aqueles que a operam e a
difundem (Mt 5,9). O Filho de Deis veio neste mundo para estabelecer, na
palavra do apóstolo Paulo, a paz, para que ela reine seja na terra, seja no céu
(Cl 1,20)[4].
São Jerônimo, presbítero dos
séculos IV e V, disse que a paz se constrói pelo desejo e pelos fatos entre as
pessoas e os povos. Só o desejo de realizá-la terá a sua recompensa por parte
de Deus, mas o fundamental é poder dar-se a reconciliação, entre as partes
conflituosas. O Apóstolo São Paulo já dizia da importância de as pessoas
manterem a paz com todos os seres humanos (Rm 12,18). As pessoas imploram a
implantação da paz, aquela que vem de Cristo, a paz autêntica, sem resíduos de
hostilidade, uma paz que não esconde em si a guerra, mas aquela paz que une a
todos em Cristo na amizade e no amor[5].
A paz é feita
pela caridade
São Jerônimo ainda dizia que a
paz é feita pela caridade. O fato é que onde existe o ódio tem hostilidade, não
tem paz. Mas onde existe a caridade, lá existe a paz e vale o contrário, onde a
paz é percebida, a caridade reina nas pessoas. Quem não anda em comunhão,
dilacera-se da vida da comunidade eclesial, não se sentindo feliz e contente. A
paz é dada pela caridade, de quem de fato a procura em sua vida e na vida das
pessoas. Jesus disse que a oferta verdadeira é aquela da reconciliação com o
próximo, porque caso contrário a pessoa deixará sobre o altar a sua oferta para
ir se reconciliar com o outro e depois sim poderá oferecer a sua oferta a Deus
(Mt 5,23s), de modo que a pessoa estará em paz por uma ação caritativa[6].
A paz é um dom de Deus para
ser construído nas relações humanas. Ela é a vivência do amor. Os padres da
Igreja eram bem objetivos em perceber a importância da paz nas relações
familiares, comunitárias e sociais. A paz verdadeira era aquela que vinha de
Cristo Jesus na qual consistia na construção de harmonias, de vivências de
perdão e do amor ao próximo, do amor a Deus como a si mesmo. O povo de Deus é
chamado a viver em paz para testemunhar o amor misericordioso do Senhor para
todas as pessoas. Nós rezemos para que paz reine na família, na comunidade e na
sociedade.
_____________
[1] Cfr. Agostino. La Città di Dio, 19,13. In: La
teologia dei padri, v. 3. Roma, Città Nuova Editrice, 1982, pg.
204.
[2] Cfr. Santo Agostinho. Comentário aos Salmos, 139, 2. São Paulo,
Paulus, 1998, pgs. 894-895.
[3] Cfr. Fulgenzio di Ruspe. Prediche, 5,4-6. In: La
Teologia dei padri, v. 3, pgs 209-210.
[4] Cfr.Giovanni Crisostomo. Commento alla lettera ai Colossesi,
3,4. In: Idem, pg. 211.
[5] Cfr. Girolamo. Le Lettere, III, 1-2 (A Teofilo). In:idem,
pgs. 213-214.
[6] Cfr. Idem, pg. 214.
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