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domingo, 31 de julho de 2022

Companhia de Jesus no Brasil

Os jesuítas participaram da fundação das primeiras cidades brasileiras, como representado
no painel de azulejos (foto), do artesão Eduardo Gomes. A obra integra o Marco de
Fundação da Cidade de Salvador, na praia de Porto da Barra, na capital baiana

Especial: Companhia de Jesus no Brasil

(Em 2019, a Ordem religiosa celebrou seus 470 anos no País)

(Publicado em 12 de dezembro de 2018)

 

No dia 29 de março de 1549, após 56 dias de viagem, uma das maiores armadas portuguesas desembarcava no Arraial do Pereira, na Bahia de Todos os Santos. Vindos de Portugal, os navios trouxeram mais de mil homens, entre eles, Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, e um grupo de seis religiosos que pisava pela primeira vez na Terra de Santa Cruz. Liderados pelo padre Manoel da Nóbrega, então com 32 anos, os padres Antônio Pires, Leonardo Nunes e João de Azpilcueta, junto com os irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome, tornaram-se os primeiros jesuítas a chegar às Américas.

470 anos depois, em 2019, a Província dos Jesuítas do Brasil – BRA celebrará a chegada desses primeiros companheiros de Jesus no País. Um ano para fazer memória da importância dos jesuítas na construção da nação brasileira e um momento para refletirmos: qual o legado que a Companhia de Jesus aportou na constituição da sociedade brasileira?

Para padre Carlos Alberto Contieri, coordenador do Cuidado do Patrimônio Histórico e Cultural da Companhia de Jesus no Brasil, o que moveu esses jesuítas foi o desejo de transmitir a doutrina cristã. “Somos uma Ordem religiosa eminentemente missionária e que tem como finalidade ‘ajudar as almas’. Essa expressão, típica do século XVI, dava a dimensão de ajudar as pessoas, por meio de diferentes ministérios, como a pregação da Palavra, os Exercícios Espirituais etc.”, explica.

Segundo o jesuíta, além do objetivo missionário, também um fator externo presente na época foi fundamental: a expansão europeia. “A Companhia não somente vai se aproveitar dessa era expansionista, mas ela mesma vai, por causa da credibilidade que tem, ser solicitada para poder, de fato, engrossar as esquadras expansionistas, tanto da Espanha quanto de Portugal”, afirma padre Contieri.

No artigo Trajetória da educação jesuítica no Brasil (2016), o padre Luiz Fernando Klein lembra que, no contexto do século XVI, evangelizar outros povos era um desejo da sociedade. “[…] não era de estranhar essa missão, pois vigorava à época a concepção de sociedade de cristandade, que não tolerava que nenhum povo ou grupo humano vivesse sem o conhecimento de Deus e a obediência aos seus mandamentos”, explica o delegado da Educação da CPAL (Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe). Por isso, segundo ele, o grupo dos primeiros jesuítas a desembarcar no Brasil “trazia a missão de difundir o Evangelho nas novas terras e catequizar os indígenas para a fé católica”.

Nesse cenário, padre Contieri destaca a ousadia da Companhia de Jesus. “A Ordem religiosa tinha apenas nove anos quando os primeiros jesuítas desembarcam no Brasil. Evidentemente, nesses poucos anos, ela vai crescer tremendamente. Mas, naquele momento, enviar seis jesuítas para uma terra desconhecida, sem saber o que iriam encontrar, mostra o risco que a Ordem religiosa assumia correr. Então, aceitar o risco é característica própria da Companhia de Jesus”, ressalta o diretor do Pateo do Collegio e do Museu de Arte Sacra dos Jesuítas.

FORMAÇÃO DO BRASIL

A ousadia da Companhia de Jesus em levar a Palavra de Cristo para diferentes povos mostrou-se decisiva para a América Portuguesa. Segundo Paulo Roberto Pereira, doutor em Letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), os jesuítas foram essenciais para a difusão dos fundamentos da civilização cristã, por meio do desenvolvimento do trabalho catequético e educacional com os povos indígenas. “A Companhia de Jesus foi essencial para a constituição de uma nação cujos fundamentos são a tolerância e o amor ao próximo. Através da criação de escolas e do trabalho missionário, o intuito era abolir costumes primitivos dos índios, como a antropofagia”, conta.

Paulo Roberto acredita que a influência dos jesuítas na formação do Brasil é imensurável porque envolve aspectos religiosos, sociais, econômicos, artísticos etc. “Como a Companhia de Jesus esteve intimamente relacionada com a evolução da história política brasileira, de 1550 a 1750, não se pode pensar em conhecer qualquer transformação do nosso País sem que não se sinta a presença do legado jesuítico”, afirma.

Um desses legados está no desenvolvimento do primeiro mapa do País. Segundo padre Contieri, a primeira cartografia do Brasil foi feita por um jesuíta. “O mapa deu essa dimensão nacional ou, como podemos dizer nos tempos atuais, consciência geopolítica. Uma consciência de todos os pontos de vista, seja geográfico, político, mas também eclesial, pois deu a noção do território que estava sendo trabalhado, evangelizado, unido e assim por diante. A importância que isso teve e tem para o Brasil até hoje é enorme”, diz o jesuíta.

“A Companhia de Jesus foi essencial para a constituição de uma nação cujos fundamentos são a tolerância e o amor ao próximo” (Paulo Roberto Pereira)

Padre Contieri, que também é reitor do Colégio São Luís, destaca outros pontos marcantes da atuação dos jesuítas no Brasil. Para ele, existem quatro elementos fundamentais desse trabalho. O primeiro é o reconhecimento do território nacional. “Como apontado na elaboração da primeira cartografia brasileira, os jesuítas foram os primeiros a percorrer o Brasil de norte a sul. A primeira questão dessa consciência nacional foi dada pelos jesuítas pelo conhecimento que eles tiveram do território nacional”, aponta ele. “Esse é um conhecimento agudo, capaz de descrever com uma riqueza de detalhes impressionante não só a natureza, mas também os costumes. Explorando o território, eles iam aglutinando as pessoas em torno deles, em torno dos lugares onde eles iam ficando. Nisso, os jesuítas foram fazendo essa ou aquela vila, fundando cidades e assim por diante”, diz.

O segundo elemento ressaltado por padre Contieri é a preocupação dos jesuítas com as pessoas como um todo. “De maneira prioritária, eles passaram a se preocupar com os indígenas que eram ameaçados, inclusive, pela Coroa Portuguesa por meio da escravização e assim por diante. Essa preocupação com as pessoas vai fazer, em primeiro lugar, com que os jesuítas se adaptem aos costumes dos indígenas e não simplesmente importem coisas da Europa”, afirma.

ensinamento da doutrina cristã é o terceiro ponto. Padre Contieri destaca que, ao abordarmos esse tema, devemos levar em consideração o contexto da época. “Quando falamos de história e de um período tão distante, nós não podemos esquecer sobre a questão da consciência possível. É importante ressaltar que não podemos julgar o passado com a consciência que temos hoje. Desse modo, um dos elementos que deu identidade a este País, e a Companhia foi responsável por isso, é a fé. A fé cristã e a fé católica”, explica.

Para padre Contieri, o quarto elemento marcante da atuação da Companhia de Jesus no Brasil é a educação (veja ao lado). “Os jesuítas vão descobrir a educação como um meio eficaz de promover o bem comum, portanto a educação vai dar, também aqui no Brasil, uma perspectiva de identidade. Sem educação, não há identidade, pois é ela que nos permite dizer quem somos e isso não só como pessoas, mas também quem nós somos como comunidade e nação. A educação promovida pela Companhia de Jesus patrocinou essa consciência nacional”, afirma.

PERSONAGENS NACIONAIS

jesuitasbrasil.org

Fundadores das primeiras cidades brasileiras, os jesuítas foram pioneiros também na educação na colônia portuguesa. Em 1550, criaram o primeiro colégio do Brasil, em Salvador, sendo responsáveis, nos anos seguintes, pela fundação de inúmeras instituições de ensino nos mais variados cantos do território brasileiro. O legado jesuíta é percebido não só na educação, referência até hoje como ensino de qualidade, mas também na cultura, na ciência e na política, entre outras áreas.

Na carta de apresentação da reedição do livro A história da Companhia de Jesus no Brasil (2004), de Serafim Leite, o padre Cesar Augusto dos Santos, coordenador da publicação na época, afirmou: “Para escrever a História do Brasil, é preciso primeiro escrever a História da Companhia de Jesus no Brasil, disse o grande historiador Capistrano de Abreu. Isso porque, até o século XVIII, as duas histórias se confundem”.

O professor Paulo Roberto ressalta também as figuras jesuítas marcantes na formação do Brasil. “A influência dos membros da Companhia de Jesus sobre a nascente sociedade brasileira abrangeu diversos aspectos. Foi uma influência totalizante porque os jesuítas, em especial Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, no século XVI, participaram da fundação das primeiras cidades do Brasil: Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro”, conta.

Organizador do livro Obra completa de Manuel da Nóbrega (2017), ele fala sobre o mérito do primeiro provincial do Brasil. “Nóbrega foi o responsável pela primeira missão jesuítica na América. Então, sua contribuição é pioneira para a formação da nacionalidade brasileira com textos reveladores do seu itinerário humano e intelectual”, afirma Paulo Roberto. Além disso, ele destaca que o jesuíta foi o responsável pela peça teatral Diálogo sobre a conversão do gentio, considerada a primeira obra literária escrita no Brasil, e pelo O Caso da Mesa da Consciência, documento jurídico contra a escravidão indígena praticada na colônia. Esses textos marcam o início do desenvolvimento do Teatro e do Direito no País.

No livro A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil (2016), o jornalista Tiago Cordeiro conta que Nóbrega percorreu todo o território que formava a colônia, de São Paulo a Pernambuco, e   conseguiu, com isso, mapear vilas e tribos. Essas peregrinações o ajudaram a ter um olhar mais amplo sobre o País. “Nenhum europeu foi tão importante para o início da colonização do Brasil quanto ele”, afirma o escritor.  O papel desempenhado por Nóbrega no século XVI se faz presente até hoje no País, pois ele foi um dos responsáveis por nos dar essa visão nacional, o que conhecemos atualmente como identidade brasileira.

“Nóbrega era um homem que tinha visão do todo. Além disso, ele percebia nas pessoas – em particular, nos jesuítas que estavam com ele – o que elas tinham de melhor e podiam oferecer para o serviço ou para a missão”, explica padre Contieri. Para ele, “Anchieta não seria o que é hoje se não fosse Nóbrega, se ele não tivesse dado ao jovem jesuíta a possibilidade de desenvolver aptidões e seu potencial. Se ele ignorasse isso, Anchieta passaria desapercebido pela história do Brasil, assim como tantos outros”.

Anchieta foi uma figura marcante na história do País, não à toa é considerado o Apóstolo do Brasil. O jesuíta desembarcou em terras tupiniquins ainda muito jovem, aos 19 anos, em 1553.  Em pouco tempo, tornou-se auxiliar de Nóbrega, dedicado professor e excepcional linguista. “Além dessa face de intelectual humanista bafejado pelos ventos da Renascença europeia, havia em Anchieta o homem de ação que participou, ativamente, da fundação das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e foi figura fundamental na pacificação dos índios, quando os colonizadores tiveram de enfrentar a Confederação dos Tamoios”, explica Paulo Roberto. Essa atuação política de Anchieta demonstrou aos colonos o valor do diálogo.

“A celebração dos 470 anos da chegada dos jesuítas ao País é fundamental para que, fazendo memória do nosso passado, a gente possa efetivamente pensar a nossa missão atual” (Pe. Contieri)

Padre Klein, delegado da Educação da CPAL, conta que Anchieta era conhecido por sua agilidade intelectual, pela criatividade pedagógica e pela flexibilidade diante dos costumes das crianças. “Sabia português, latim e espanhol e logo aprendeu o tupi, escrevendo a primeira gramática e traduzindo o catecismo e outros textos para a catequese das crianças. O desempenho polivalente de Anchieta granjeou-lhe dos seus biógrafos diversos títulos, como educador do país, inaugurador da literatura, fundador do teatro, poeta, epistológrafo, etnólogo, indigenista, pacificador etc.”, afirma o jesuíta. A atuação da Companhia de Jesus foi um marco de destaque em diversas áreas e é percebida e apontada, ainda hoje, por historiadores e especialistas.

Além de Nóbrega e Anchieta, outro jesuíta essencial na história da Companhia de Jesus e do Brasil é o padre Antônio Vieira. Para Paulo Roberto, ele é a maior figura intelectual da cultura luso-brasileira do século XVII. “Embora nascido em Portugal, Vieira veio criança para o Brasil e teve toda sua formação escolar na Bahia, revelando-se, desde muito jovem, o gênio que causaria espanto nas principais cidades europeias, sendo recebido sempre com louvores à sua excepcional eloquência e saber, de Lisboa (Portugal) a Roma (Itália)”, conta o professor.

Paulo Roberto explica que “Vieira foi um missionário implacável na defesa da liberdade dos índios brasileiros, percorrendo as selvas da Amazônia e enfrentando os fazendeiros do Maranhão. Entretanto, também foi o intelectual que frequentou os salões refinados da elite europeia, principalmente como interlocutor privilegiado de papas e reis. Sua obra completa, publicada por Edições Loyola, revela a dimensão do seu gênio artístico e sua importância para o Brasil”, ressalta.

O professor da Universidade Federal Fluminense afirma que tantos outros são exemplos de atuação no Brasil. “Entre os que se destacam por seu pioneirismo estão, no século XVI, o padre Fernão Cardim, autor dos Tratados da terra e gente do Brasil, livro inovador com textos sobre a sociedade tupinambá que influenciou os estudos da antropologia, e, no século XVII, André João Antonil, pseudônimo do jesuíta João Antônio Andreoni, que escreveu o primeiro livro brasileiro de economia ao apresentar um detalhado quadro das principais riquezas do País nos seus dois primeiros séculos”, afirma.

Por tudo isso, 2019 foi um ano para olhar, de maneira criativa e agradecida, o passado e atuação dos primeiros jesuítas. “A celebração dos 470 anos da chegada dos jesuítas ao País é fundamental para que, fazendo memória do nosso passado, a gente possa efetivamente pensar a nossa missão atual. Acho que esse é o fato mais relevante, refazer a memória para que o nosso presente seja muito mais promissor, seja muito mais eficaz e esteja muito mais em conformidade com aquilo que Deus quer de nós”, finaliza padre Contieri.

*A edição completa dessa matéria foi publicada na 50ª Edição do informativo Em Companhia (Nov./Dez. 2018). Quer ler a edição completa e ver o vídeo que preparamos para você? Então, clique aqui!

Fonte: https://www.jesuitasbrasil.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF