Missa para a Vida Consagrada na Basílica de São Pedro, em de feve/2022 (Vatican Media) |
Ao longo do mês vocacional aludiremos as vocações à vida
sacerdotal, religiosa, matrimonial, laical. Somos convidados a viver uma
vocação e a rezarmos ao Senhor pelo aumento de todas as vocações, para que haja
pessoas disponíveis na ceara do Senhor. Nós temos consciência que as vocações
são formas do chamado do Senhor para a realização de uma missão na família, na
comunidade e na sociedade.
Por Dom Vital Corbellini,
Bispo de Marabá (PA)
O mês de agosto é celebrado em
todas as comunidades do Brasil como o mês vocacional, cujo tema proposto pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é: Cristo vive! Somos suas
testemunhas. O lema é Eu vi o Senhor (Jo 20,18). Jesus venceu a morte e por
isso ele vive para sempre, está junto do Pai e está conosco, de modo que ele se
serve dos apóstolos e de outros discípulos e discípulas como suas testemunhas
para que o seu nome seja anunciado para todas as pessoas. Santa Maria Madalena
disse que viu o Senhor ressuscitado, tornando-se a apostola dos apóstolos. Ela
disse para os discípulos que viu Jesus ressuscitado dentre os mortos. O Senhor
Deus sempre chama pessoas para o serviço da palavra, da eucaristia, para o
anúncio do Reino de Deus. Diante da proposta do Senhor, as pessoas respondem
sim ao plano do Senhor.
Ao longo do mês vocacional
aludiremos as vocações à vida sacerdotal, religiosa, matrimonial, laical. Somos
convidados a viver uma vocação e a rezarmos ao Senhor pelo aumento de todas as
vocações, para que haja pessoas disponíveis na ceara do Senhor. Nós temos consciência
que as vocações são formas do chamado do Senhor para a realização de uma missão
na família, na comunidade e na sociedade. Louvemos a Deus Uno e Trino pela
diversidade das vocações, pela unidade no serviço, no amor na Igreja e no
mundo.
Pela Sagrada
Escritura chamou Deus pessoas
O Antigo Testamento e o Novo
Testamento colocaram exemplos diversos de chamados dados pelo Senhor para
muitas pessoas, homens e mulheres para a vivência de seu amor no mundo. O
chamado estava ligado à missão que a pessoa exerceria na comunidade, junto ao
povo de Deus.
O Senhor chamou Abraão para
sair de sua terra, Ur, para ir até a terra prometida (Gn 12,1) tornando-se o
pai da fé, o pai de muitos povos (Rm 4,11). O Senhor também chamou Moisés para
que ele fosse instrumento da graça do Senhor na libertação do povo de Israel no
Egito (Ex 3,7-10). O Senhor chamou Ester, a rainha que defendeu o povo de Deus
diante da ameaça de sua extinção no exílio, na qual ela pediu ao rei a sua vida
e a vida de seu povo (Est 7,3). Ele chamou os profetas Elias (1 Rs 17,1-6),
Isaias (Is 6,8)e Jeremias (Jr 1, 4-10), entre outros profetas, para que
anunciassem o bem, denunciassem o mal junto ao povo de Israel e com outros
povos. Os profetas convocavam o povo de Deus a vivência da vocação à aliança
com Deus através dos mandamentos da lei para o seu povo. Muitas vezes o povo se
manifestou infiel à vocação da aliança com o Senhor.
No Novo Testamento, João
Batista apontou Jesus como o Cordeiro que tira o pecado do mundo(Jo 1,29), de
modo que o seu chamado estava ligado ao Senhor. Com alegria e amor colocou-se
Maria ao serviço do plano do Senhor em vista da salvação da humanidade e do
mundo, aceitando ser a mãe de Jesus (Lc 1,38).
Jesus esteve na realidade
humana e como o enviado do Pai e Ungido pelo Espírito Santo chamou os
discípulos para estarem com ele, aprenderam dele a forma de como atuar, de como
agir perante os desafios do mundo, sendo as suas testemunhas (Mc 3,13-19).
Jesus fez os pescadores de peixes em pescadores de pessoas humanas, de modo que
eles deixaram tudo e o seguiram (Mt 4,19-20). Antes de partir para a casa do
Pai, enviou-os Jesus para o mundo para que fossem seus discípulos, batizando-os
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ele garantiu a sua presença até
o fim dos tempos (Mt 28, 19-20). Em Pentecostes, com a vinda do Espírito Santo
entenderam os discípulos a importância do chamado do Senhor para o povo de
Israel e para o mundo. O chamado no sentido bíblico é a participação do ser
humano dado de uma forma generosa ao plano do Senhor em vista da redenção
humana.
O chamado do
Senhor a partir dos santos padres
Os padres da Igreja, os
primeiros escritores cristãos, após o NT também perceberam a importância do
chamado do Senhor às pessoas, às comunidades cristãs, afirmando que Ele sempre
estava na origem de toda e qualquer vocação em vista do engrandecimento de seu
Reino. As pessoas colaboraram com o Senhor.
Jesus, o caminho
da salvação
São Clemente Romano, bispo de
Roma e papa do século I, colocou o dom da salvação em Jesus Cristo, como sendo
o único caminho a ser alcançado pelas pessoas humanas. A salvação é encontrada
em Jesus Cristo, o sumo sacerdote das ofertas, o auxílio da fraqueza humana.
Através dele o olhar humano é fixado para assim alcançar as alturas celestes.
Por meio dele abriram-se os olhos do coração humano para o reflorescimento da
luz, para que mediante ele, as pessoas experimentassem o conhecimento imortal[1].
Segundo São Clemente as pessoas são chamadas a uma vida de unidade com Deus,
com os irmãos e irmãs.
Igreja que
presida no amor
Santo Inácio de Antioquia,
bispo e mártir, século I afirmou que a Igreja de Roma era a Igreja que presidia
o amor, que portava a lei de Cristo, apontando ao nome do Pai. O fato era que o
bispo de Roma, segundo Santo Inácio tinha a missão de coordenar todas as outras
igrejas a partir da caridade[2].
A vocação do sucessor de Pedro era dada pelo amor a Cristo e aos irmãos e
irmãs. O seu chamado seguia o Senhor pela vida de fraternidade em todos.
A vocação:
o martírio
Santo Inácio desejava dar a
sua vida pelo Senhor. Sendo condenado ainda em Antioquia veio acorrentado até
Roma, desejando sempre que fosse julgado com a sentença de morte, através do
martírio. Nele percebeu-se o martírio, como uma espécie de vocação, de chamado
do Senhor, para algumas pessoas preparadas para a vivência do amor na
radicalidade com o Senhor. O bispo de Antioquia pediu aos romanos que não
desejassem nada para ele, senão ser oferecido em libação a Deus, enquanto
existia um altar[3].
Ele entendia a vivência da vida cristã desta forma pelo martírio onde ele seria
não somente na palavra, mas o seria de fato encontrado como tal, cristão[4].
Assim ele seria o trigo de Deus, moído pelos dentes das feras, para que ele se
apresentasse como trigo puro de Cristo[5].
A oração
vocacional de São Policarpo
A hora do martírio de São
Policarpo de Esmirna, bispo e padre da Igreja, século II revelou uma vocação a
ser dada e imolada ao Senhor Jesus Cristo. Ele foi um discípulo fiel do Senhor
porque doou a sua vida pela Igreja e pelo Senhor. Antes do martírio e erguendo
os olhos ao céu, disse o bispo que o Senhor Deus era todo-poderoso, Pai de seu
Filho amado e bendito, Jesus Cristo, no qual recebeu o conhecimento do seu
nome, Deus dos anjos e dos poderes, de toda a criação e de toda a geração de
justos que vivem na sua presença. O bispo bendizia a Deus por tê-lo julgado
digno daquele dia e daquela hora, por tomar parte entre os mártires, e do
cálice de seu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na
incorruptibilidade do Espírito Santo[6].
Ele entendeu o chamado como doação da vida para o Senhor e para as pessoas.
A vocação dos
batismos de água e de sangue
Tertuliano, padre da Igreja do
Norte da África, séculos II e III, afirmou a importância da vivência da vocação
batismal, porque é o sacramento que impulsionou à vida da comunidade, e também
para a vida futura. Os fiéis são lavados de seus pecados, libertados para a
vida eterna[7].
O autor africano também falou do outro batismo, aquele de sangue. Para os
cristãos, há um segundo batismo, o de sangue no qual o Senhor falou para os
discípulos (Lc 12,50), ainda que ele tivesse recebido o batismo de água. Jesus
veio com a água e com o sangue, para ser batizado com água e glorificado com o
sangue. Desta forma ele fez surgir de seu lado aberto na cruz, quando foi
traspassado pela espada do soldado romano(Jo 19,34), os dois batismos, porque
todos os que acreditassem no seu sangue sejam lavados com água e quanto foram
lavados com a água sejam lavados também com o sangue. É este o banho verdadeiro[8],
a doação da vida do fiel ao Cristo. Para Tertuliano a vivência do batismo na
água era uma vocação para ser assumida na vida diária e aquela do sangue era
para os seguidores do Senhor, através da luta do bem, da justiça e da
fraternidade.
A vocação da
vida cotidiana
Sendo o martírio, a vocação
sublime para os primeiros cristãos a ser alcançada, a prova máxima do amor da
pessoa a Jesus Cristo, no entanto esta vocação não era dada a todos de modo que
os autores cristãos também valorizavam a vida cotidiana como uma vocação muito
importante até para o martírio e para a vida eterna. Os autores cristãos
valorizavam o batismo, o seguimento a Jesus Cristo, sofredor, glorioso,
ressuscitado, presente no serviço ao próximo, pela caridade, pelo amor a Jesus
e aos outros. A cotidianidade das coisas assumidas com intensidade, a vida
familiar, comunitária e social poderiam ser um martírio, uma vocação de doação,
um sacrifício incruento, que se assumia através da oração, da eucaristia, da
vivência da palavra de Deus, da superação do egoísmo, da partilha, no serviço
aos irmãos e irmãs. Orígenes, padre alexandrino dos séculos II e III, falou do
martírio público e o martírio diário[9].
A vocação
da santidade no estado que vive
Santo Agostinho, bispo de
Hipona, séculos IV e V afirmou a vivência da santidade no estado em que a
pessoa se situava, seja ao ministro consagrado, seja ao monge ou quem vivia na
vida laical. O fato é que a vida de santidade é um chamado para todas as pessoas
seguidoras do Senhor. Quem é justo empenha-se a ser sempre mais justo, buscando
uma vida melhor(Ap 22,11)[10].
O bispo era ciente da importância de que todos tivessem com a exemplaridade da
vida, a comunidade cristã, na qual as pessoas batizadas viviam a sua vocação[11].
Este ponto é dado também para a própria vocação onde as pessoas são chamadas a
servir e amar a Deus, ao próximo como a si mesmo.
O chamado do Senhor é graça
que vem do alto e é responsabilidade humana. Ele é feito na liberdade e no amor
de modo que a pessoa responde sim ao plano de Deus, em Jesus Cristo, em unidade
com o Espírito Santo.
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[1] Cfr. Clemente aos Coríntios, 36, 1-2. In: Padres
Apostólicos. São Paulo, Paulus, 1995, pg. 49.
[2] Cfr. Inácio aos Romanos, Introdução. In: Os
Padres Apostólicos, pg. 103.
[3] Cfr. Idem, 2,1-2, pg. 104.
[4] Cfr. Idem, 3,1-2, pg. 104.
[5] Cfr. Idem, 4,2, pg. 105.
[6] Cfr. Martírio de São Policarpo, 14, 1-2. In: Idem,
pgs. 152-153.
[7] Cfr. Tertulliano, Il battesimo, 1,1. Texto
critico di CCL 1, de J. G. Ph. Borleffs. Introduzione, traduzione, note e
appendice, Attilio Carpin.Bologna, Edizioni San Clemente, Edizioni Studio
Domenicano, 2011, pgs. 123.
[8] Cfr. Idem, 16,1-2, pg. 181.
[9] Cfr. Origene. Esortazione al martírio, n. 21. Roma,
Pontificia Università Urbaniana, 1985. Ver também: Dom Vital Corbellini, O
martírio na Igreja antiga. Brasília, Edições CNBB, 2019, pg. pg.
31.
[10] Cfr. Lettera 78,9. In: Opere di Sant`Agostino. Le
Lettere. Roma, Città Nuova Editrice. 1992. Ver também: Giancarlo
Ceriotti. La Pastorale delle vocazioni in S. Agostino. Palermo,
Edizioni Augustinus, 1991, pg. 64.
[11] Idem, pg. 64.
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