É preciso procurar meios para uma maior presença da Igreja na região amazônica | Vatican News |
O que leva um sacerdote espanhol a atravessar o Oceano
Atlântico e viver na região amazônica para compartilhar a fé e as dificuldades
dos povos daquela região? As alegrias e os desafios da missão que desenvolve na
Amazônia estão entre os temas da entrevista que o padre Luís Miguel Modino
concedeu ao Vatican News.
Marília de Paula Siqueira -
Cidade do Vaticano
Esse é o testemunho que padre Luís
Miguel Modino quer dar ao povo da Amazônia. Padre Luís, que é natural de Madri
capital da Espanha, foi ordenado em sua diocese de origem Madri, em 1998. São
quase 25 anos de sacerdócio! E de todos esses anos de presbiterado, 16 anos tem
sido em terras brasileiras. Padre Modino fez parte da equipe de comunicação do
Sínodo da Amazônia.
Filho da Igreja
Padre Modino esteve em Roma
acompanhando os bispos dos Regionais Norte1 e Noroeste da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) por ocasião da visita ad limina e
conversou com Silvonei José nos estúdios Vatican News.
O sacerdote tem se dedicado
longos anos na evangelização em terras da Amazônia. Ao ser questionado sobre o
caminho para chegar à região afirmou: “Logo após ser ordenado
sacerdote, trabalhei em uma paróquia em Madri e esta tinha uma Igreja irmã na
Arquidiocese de Feira de Santana, uma paróquia em Serrinha. Naquele período não
existia a Arquidiocese de Feira de Santana e Serrinha ainda não era
diocese. Fomos ao Brasil acompanhando um grupo de jovens que desejavam conhecer
a missão e também a proposta de ter uma aproximação maior entre as Igrejas
irmãs.
Estando em Serrinha percebi
uma necessidade de evangelização e pedi que voltasse para aquelas terras. Neste
primeiro momento não teve sucesso o pedido de ir para o Brasil, mas em 2006 fui
enviado à Diocese de Rui Barbosa, também no interior da Bahia, onde atuei até o
início de 2016. Após 10 anos fui enviado à Diocese de São Gabriel da Cachoeira,
Amazonas, para acompanhar comunidades indígenas, principalmente entre as
fronteiras com a Colômbia e Venezuela, uma experiência enriquecedora.
Já em 2018 fui convidado a
trabalhar na equipe de comunicação da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) em
preparação para o Sínodo da Amazônia. Nesta missão exigia-se viagens e um bom
sinal de internet. Visto que no interior essas necessidades não seriam atendidas,
me mudei para Manaus. Durante a preparação e o desenvolvimento do Sínodo da
Amazônia colaborei na equipe de comunicação. Desde 2021 também atuo na equipe
de comunicação CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) e acompanho uma área
missionária que está sendo criada com comunidades ribeirinhas no Rio Negro.
Ao ser questionado sobre uma
possível volta à sua cidade de origem, Pe. Modino - como é conhecido - não tem
dúvidas em afirmar: “Em meus pensamentos está a decisão de continuar no
Brasil, mas entendo que sou filho da Igreja e se o arcebispo de Madri chamar
para voltar, teria que voltar.”
As dores dos
povos na Amazônia
Desde 2016 o sacerdote
espanhol se dedica à Igreja presente na Amazônia, à qual o Papa Francisco
sempre faz referências, tendo já escrito o Documento Querida Amazônia, no qual reflete
sobre os sonhos eclesiais para a Igreja daquela região do Brasil.
Sobre os sinais que a Amazônia
tem dado pela voz da Igreja, o padre diz: “os principais clamores são
os dos povos e da terra, estes estão interligados. O sofrimento do bioma
Amazônico provoca sofrimento na vida do povo, que reflete principalmente na
vida dos mais pobres. São situações de lugares como escolas que são precários
que provoca profundas dores.
A saúde dos ribeirinhos e
comunidades indígenas é de grande sofrimento e padeceram muito mais durante o
período da pandemia. Sobre a poluição, garimpo, pesca predatória, invasão de
terras e devastação digo que são situações de calamidades e não há respeito
pela lei. Isso tem resultado em migrações dos povos das comunidades e que se
torna um perigo. Ao sair de suas comunidades, ribeirinhos e indígenas migram
para as grandes cidades e isso facilita a invasão das terras, pois estes povos
ao estar em seus terrenos conseguem cuidar e proteger.”
Crescer a
presença da Igreja na Amazônia
A presença da Igreja na região
da Amazônia também foi destaque da conversa: “Tenho que reconhecer que
a nossa presença ainda é muito limitada, muitas vezes por falta de
possibilidade. É preciso procurar meios para que essa presença seja maior e sem
atropelos de tempo. Quando se visita uma comunidade carece ficar ao menos um
dia inteiro para realizar um bom trabalho. Seria uma “perda de tempo” na
mentalidade ocidental, mas é perder tempo na companhia das pessoas, com
diálogos e momentos de acompanhamentos da vida daquela comunidade. Geralmente
em uma comunidade se mora cerca de quatro à cinco famílias, em um total de
trinta pessoas.
Não é fácil aplicar uma
formação sistemática, pois eles rezam a partir do próprio sentimento. Mas com
um bom acompanhamento é possível passar de uma Igreja de visita para uma Igreja
de presença.”
Caminhos
possíveis para a Igreja na Amazônia
A presença da Igreja seria
mais forte se houvesse uma maior quantidade de sacerdotes, pois o número é
reduzido. Um trabalho com jovens daquela região para o caminho sacerdotal seria
um bom caminho.
Pe. Modino afirma que este é
um percurso que precisa ser trilhado: “Devemos incentivar as vocações
locais. Mas a grande dificuldade está por conta do período da pandemia que
reduziu drasticamente o número de vocações. Precisamos ampliar o horizonte que
o presbítero deve ser ordenado para a Igreja particular e também universal. O
sentimento missionário deveria ser mais trabalhado nos seminários no Brasil.
Um outro caminho proposto é
retomar o processo das igrejas irmãs no Brasil. O Santo Padre tem incentivado
também a presença de casas religiosas na Amazônia. Devemos buscar caminhos para
uma maior presença nas comunidades.
Os evangelizadores do povo na
Amazônia também devem fazer alguns esforços para que o evangelho seja
anunciado. Um exemplo de esforço que podemos dar é aprender a língua dos povos
indígenas, para atender confissão, cantar como eles e até mesmo celebrar a
Santa Missa. Estes povos têm um sentimento de fé muito profundo.”
A vida nos rios
Uma nova experiência que o
sacerdote o vive é com as comunidades ribeirinhas. Sobre esse novo trajeto ele
diz: “Posso dizer que essas novas comunidades são frutos das migrações
que os povos originários fazem para cidade. São comunidades de indígenas que
moravam no alto do rio Negro e vão para essas comunidades mais próximas de
Manaus. Se mudam para garantir saúde e educação. O número de comunidades que
fazem parte desta área missionária é de 23 comunidades nos rios e que
desenvolvemos acompanhamento com a ajuda de três irmãs e quatro seminaristas.
Uma experiência negativa que
tivemos recente foi de sermos assaltados à mão armada no rio e levaram nosso
meio de transporte. Isso não faz parar a missão, mas dificulta, estamos
procurando outra voadeira para as missões nestas comunidades.
Os assaltos realizados por
piratas na Amazônia não são casos isolados, mas acontecem com frequência. Nesta
ocasião que fomos assaltados, digo que pela graça de Deus não atiraram em ninguém.
Em outros casos levam pessoas como refém, atiram e se assaltam quando os barcos
que estão no meio do rio fazem com que a tribulação pule no rio para levarem o
barco e tudo que tem nele. São piratas vinculados com traficantes.
São situações que todo povo da
Amazônia passa, que nós também passamos, mas não perdemos a motivação.”
Servir e ser um
com povo
Para concluir o sacerdote
enfatizou o processo de escuta do Sínodo da Amazônia: “quase oitenta e sete
mil pessoas foram escutadas, está foi uma experiência riquíssima que sendo
vivenciada por toda Igreja presente na Amazônia. Estamos criando a cultura de
escuta que pode ajudar as pessoas terem laços com a Igreja e resulta em
comprometimento.
As pessoas se sentem valorizadas quando são escutadas.
Servir e ser um com povo esse deve ser nosso testemunho.”
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