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A autoridade paterna é fundamental nesse processo. Deve ser entendida não como o poder de ordenar, de comandar; mas sim como a capacidade de ajudar a crescer.
O sr. Francisco Vieira Coelho foi um comerciante com uma vida simples, igual a de tantos outros imigrantes que vieram para São Paulo. Eu o conheci porque era pai de um amigo, professor universitário com pós-graduação na Europa. Em certo aspecto, ele representava bem o choque cultural e generacional que marcou e continua marcando tantas famílias no Brasil e no mundo contemporâneo.
“Seu” Francisco, contudo, tinha um diferencial, razão pela qual começo com ele esse artigo. Quando o conheci e à sua família, pareceu-me ver, em sua simplicidade acolhedora, simultaneamente um demiurgo (divindade criadora do mundo). De alguma forma, tudo que o circundava parecia remeter a uma força criadora e a uma paternidade que se ocultava nas ninharias da vida cotidiana. Por isso, nenhum outro homem me remeteu tanto à figura de Deus Pai criador quanto ele.
A dificuldade em ser um bom pai
O grande problema é que pouquíssimos homens têm o dom de viver como ele. Por outro lado, pais excepcionais tendem a se tornar modelos aparentemente inalcançáveis para seus filhos, criando um outro tipo de problema. Os jovens sentem-se incapazes de construir uma vida como a de seus pais e isso os desestimula a tentar seguir uma vida como a dos genitores.
Não se trata aqui de culpar pais ou filhos, seja pelo excesso, seja pela falta, mas apenas de constatar o quanto a paternidade é difícil na sociedade atual. Se é difícil, também é particularmente necessária. Diante da pluralidade cultural de hoje em dia, a pessoa necessita de um primeiro modelo com o qual comparar as novas opções com as quais se defronta. Sem uma base de comparação, por mais inteligente e bem informada que seja, não consegue fazer uma opção livre e consciente sobre quais caminhos seguir.
A figura paterna continua fundamental
Ainda hoje, apesar das muitas transformações pelas quais nossa sociedade tem passado, a figura paterna representa como que um arquétipo da vida pública, das normas, dos desafios e dos sentidos que os filhos encontrarão no mundo, enquanto a mãe representa mais um arquétipo de intimidade, afeto e acolhida. Esses dois modelos não estão obrigatoriamente ligados ao sexo biológico. Com as mudanças no mundo trabalho e a maior divisão de tarefas no lar, as diferenças entre os dois papéis tendem a não ser tão nítidas. Mães e pais que tiveram que criar sozinhos seus filhos, por viuvez ou qualquer outro fator, frequentemente incorporam essas duas dimensões na mesma pessoa.
Constatar um certo esquematismo na construção da figura paterna tradicional e o autoritarismo patriarcal não implica em negar a importância do pai para o desenvolvimento adequado da pessoa – apenas nos mostra o quão mais difícil é essa tarefa no contexto atual.
Não faltam artigos com indicações e conselhos referentes à paternidade em Aleteia. Como sempre saliento em meus artigos, meu foco é mostrar como nossa cultura molda nossa mentalidade e como podemos afirmar nossa identidade católica num contexto cultural que, no mínimo, não nos é favorável.
O risco de educar
Dom Luigi Giussani (1922-2005) foi um grande educador católico. Percebeu, na Itália dos anos ’50, que o catolicismo ainda era hegemônico na organização da sociedade, mas não era mais comunicado de forma convincente aos jovens. Dedicou toda a sua vida a superar essa situação. Um de seus livros mais significativos chama-se, emblematicamente, Educar é um risco (São Paulo: Companhia Ilimitada).
No livro, ele constata que, numa sociedade plural, todo educador tem que enfrentar o risco de não ser aceito pelo educando. Diante de tantos caminhos e modelos apresentados nas escolas, nas mídias, nos grupos de amigo ou entre os colegas de trabalho, nada garante que os filhos abraçarão o modo de ser recebido na educação familiar. Os pais têm que estar preparados para isso, saber que são eles próprios “hipóteses” de realização humana que são oferecidas a seus filhos – hipóteses que serão verificadas tanto na observação da vida paterna quanto pela prática dos ensinamentos recebidos ao longo da própria vida dos filhos. Mesmo já velhos, com os pais já falecidos, ainda estamos “verificando” alguns ensinamentos familiares, concordando com uns e revisando outros…
Três pontos de atenção
Para a compreensão da paternidade no mundo, em todas as épocas, mas particularmente nessa, a visão educativa de Dom Giussani traz três contribuições significativas:
1) Como todos os educadores, os pais, mais que propor ideias ou normas morais, propõem a si mesmos a seus filhos. As ideias e as normas são apreendidas na medida em que fazem sentido a partir do modo de ser do pai, em sua totalidade. Evidentemente é importante encontrar as melhores formas de propor um modo de vida sadio aos filhos, mas essas formas não são eficazes se não condizem com o modo de ser dos pais. Não se trata de uma simples questão de coerência moral, de fazer aquilo que se diz. Todo ser humano tem algum grau de incoerência e contradição, pelo simples fato de ser pecador. Até a incoerência é educativa se inserida num modo de ser que, ao mesmo tempo, é realizado e busca o bem, sem apegar-se a si mesmo. Ser feliz e dedicado ao bem dos filhos não resolve todos os desafios educativos que um pai enfrenta, mas são duas condições necessárias para que ele possa ser realmente um fundamento para a educação dos filhos.
2) A autoridade paterna é fundamental nesse processo. Deve ser entendida não como o poder de ordenar, de comandar; mas sim como a capacidade de ajudar a crescer. Autoridade deriva do latim auctus, particípio de augere, verbo que pode ser traduzido como aumentar, aprimorar ou crescer. A autoridade é aquela liderança que ajuda a crescer, não tanto aquela que tem o poder. A criança pequena e mesmo o jovem precisam de indicações claras para se orientarem na vida e poderem crescer, mas essas indicações não podem se tornar imposições sem sentido. O filho percebe o valor da obediência na medida que reconhece que as indicações paternas o ajudam a crescer. O pai não pode se omitir, mas deve sempre estar procurando a forma mais adequada de ajudar o crescimento dos filhos – o que nem sempre acontece pelos caminhos mais óbvios.
3) Surge um momento que todo jovem precisa verificar a veracidade daquele modo de ser que recebeu de seus pais. Isso implica em experimentação, confronto de ideias, busca de outros modelos. Proteger os filhos desse confronto com o mundo não os tornará mais seguros. Pelo contrário, eles serão mais inseguros e retraídos, com medo dos questionamentos dos outros, incertos diante da aparente felicidade de outros (mesmo que ela seja apenas ilusória). Nesse confronto, o que garante o futuro dos jovens é a própria graça de Deus, a força do testemunho de felicidade e bondade recebido dos pais e um acompanhamento, forçosamente discreto e respeitoso, feito não só pelos pais, mas também pela comunidade – pois é sempre muito difícil educar os jovens sem uma comunidade que acompanha tanto os pais quanto os filhos em seu caminho rumo a Cristo.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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