Jovem indígena participante do X Fórum Social Pan-Amazônico. Foto: RosaMMartins |
De acordo com Declaração, Amazônia vive sob múltipla
opressão de um sistema patriarcal, racista, capitalista e colonial.
Rosa M. Martins/REPAM-Brasil
A afirmação faz parte
da Declaração divulgada no final do X Fórum Social, por representantes dos
mais variados povos dos países Pan-Amazônicos. O evento aconteceu de 28 a 31 de
julho nas dependências da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA.
Ao denunciar que nenhum
governo, até o exato momento, tem garantido o pleno exercício dos direitos dos
povos amazônicos na defesa da Mãe Natureza, o Documento se faz consonante com a
fala do Papa Francisco, em janeiro de 2018, – às portas do Sínodo para a Amazônia
-, em Porto Maldonado, Peru, capital do Estado Madre de Dios na Amazônia, uma
região que passou por desmatamento significativo (62.500 hectares entre 2012 e
2016) e também por violência significativa devido à mineração ilegal. No seu
discurso Francisco foi enfático ao dizer que “a Amazônia está sendo disputada
em todas as frentes e existe a pressão exercida por grandes interesses
econômicos que concentram sua avidez sobre o petróleo, gás, madeira, ouro e
monocultivos agroindustriais. (…)”.
Francisco ainda chamou a
Igreja e a sociedade para responsabilidade de mudança ao ressaltar que “nós
devemos romper com o paradigma histórico que vê a Amazônia como uma fonte
inesgotável de suprimentos para outros países, sem ter em conta seus
habitantes.”
De acordo com a Declaração, a
desigualdade social e a violência estrutural e factual que destroem e envenenam
a vida no território, como a falsa premissa do desenvolvimento, a extração da
borracha, madeira, petróleo, agronegócio, grandes hidrelétricas e mega-mineração
que avançou sobre os diferentes territórios amazônicos e foi inserida em
modelos de caráter colonial, incluindo propostas de mercantilização de
elementos do bioma, são ameaças reais pelas quais têm passados os povos e a
floresta.
O Documento traça proposta
políticas e exigem “um modelo político, social e econômico que priorize a
integridade de nossa casa comum, que reconheça e respeite os territórios e o
pleno exercício dos direitos dos povos amazônicos e dos direitos da Natureza”.
Leia a íntegra do Documento:
Abraçados em frente ao Rio
Guamá, no grande encontro de toda a diversidade que habita a Pan Amazônia, nós,
indígenas, negros, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, urbanos, de todos os
gênero e faixas etárias dos nove países da Bacia Amazônica: Brasil, Bolívia,
Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa,
reafirmamos a viagem que começamos há 20 anos, desde o Primeiro Encontro como
Fórum Social Pan-Amazônico, com a esperança de um “Outro mundo possível”. Não
podíamos imaginar, na época, que hoje o mundo seria ainda pior.
2. Hoje, a
Amazônia está no seu pior momento, devastada por governos para os quais a
natureza é uma mercadoria e os direitos dos povos não têm validade. Até hoje,
nenhum governo tem garantido o pleno exercício dos direitos dos povos
amazônicos na defesa da Mãe Natureza. Nesta situação, é necessário chamar os
movimentos sociais, apelar para a criatividade, aprender com os erros e
continuar a luta.
3. O que
percebemos ontem como ameaças são hoje realidades derivadas de um sistema de
opressão múltipla: patriarcal, racista, capitalista e colonial, que localizou a
grande Bacia Amazônica como sua mais recente fronteira de expansão, colocando
em risco todas as formas de vida e aqueles que as defendem.
Sob a falsa premissa do
desenvolvimento, a extração da borracha, madeira, petróleo, agronegócio,
grandes hidrelétricas e mega-mineração avançou sobre os diferentes territórios
amazônicos e foi inserida em modelos de caráter colonial, incluindo propostas
de mercantilização de elementos do bioma. Sob este pretexto, os territórios
estão sendo militarizados e os bens comuns saqueados, para gerar lucros. A
desigualdade social e a violência estrutural e factual estão se aprofundando
para a todas as populações da região Pan-Amazônica, que hoje vê como toda a
vida está sendo destruída e envenenada.
4. A atual
crise climática e sua ameaça civilizacional, consequência do modelo de
desenvolvimento, levou o ecossistema amazônico ao ponto de não retorno,
ameaçando com a perda irreparável da floresta tropical mais importante do
planeta e lar de mais de 50 milhões de pessoas, juntamente com boa parte da
biodiversidade planetária. Se não pararmos esta tendência agora, amanhã será a
morte da região Pan-Amazônica, vital para frear o aquecimento global e garantir
a vida no planeta. O tempo está se esgotando.
5.
Indígenas, camponesas, negras, quilombolas, mulheres populares e urbanas,
mulheres trans e lésbicas, uma força de resistência em defesa da vida,
continuam a ser violadas pela ação e omissão dos Estados, fundamentalismos
políticos e religiosos, patriarcalismo, racismo, militarização e corrupção,
enraizadas e instaladas na nossa sociedade capitalista, que através de
corporações transnacionais e forças econômicas expropria territórios com
impunidade e promove a violação de corpos, o tráfico e controle de pessoas e
modos de vida, a violência sexual, feminicídio, violação de direitos sexuais e
reprodutivos, ataques contra a diversidade, dissidência sexual e de gênero.
6. Toda a Bacia
Amazônica está passando por uma situação de guerra não convencional, com a
participação de forças militares estatais, paramilitares, milícias e
traficantes de drogas agindo em conexão com grandes interesses econômicos. A
isto se somam medidas coercitivas unilaterais, bloqueios financeiros e
econômicos e ameaças militares impostas por grandes potências globais e por
grupos fundamentalistas.
7.
Reiteramos que, embora os perigos tenham aumentado, as lutas e resistências
adquiriram uma força sem precedentes, a partir da experiência das
espiritualidades de nossos povos, que devem continuar a crescer como filhos da
Mãe Amazônia. Neste sentido, os povos da Pan-Amazônia estão se organizando, se
unindo, lutando por seus territórios e culturas, para tornar possível um
futuro. Assim avançam as lutas anti-racistas, anti-patriarcais e anticoloniais,
mantendo o otimismo que nos tem caracterizado, mas com um realismo que nos
obriga a exigir o que é (im)possível. Este outro mundo é possível.
EXPRESSAMOS A NOSSA PROPOSTA
POLÍTICA
8. Exigimos
um modelo político, social e econômico que priorize a integridade de nossa casa
comum, que reconheça e respeite os territórios e o pleno exercício dos direitos
dos povos amazônicos e dos direitos da Natureza.
9.
Recuperar, valorizar e proteger o conhecimento de homens e mulheres e as formas
ancestrais de organização de nossos povos para o cuidado e gestão da água, a
proteção de nossos territórios, que incluem nossos rios, limpos e livres de
megaprojetos.
10. Nossas alternativas para
uma terra sem males são a produção agrícola e florestal diversificada em
harmonia com a natureza, agroflorestação, agroecologia, projetos para produção
e consumo local, manejo comunitário dos bens comuns, florestas e território,
uso de sementes nativas, ecoturismo comunitário, projetos de energias
alternativas, cuidado e manejo integrado e participativo de bacias
hidrográficas e biorregiões, e muitas outras iniciativas voltadas para a vida e
não para a mercantilização da natureza.
11. Propomos articular
esforços e lutas em defesa dos territórios da Pan-Amazônia e da vida, bem como,
com outros movimentos sociais em outras regiões do mundo, contra o modelo
econômico neoliberal patriarcal, colonial e racista que viola todos os nossos
direitos individuais e coletivos, contra a corrupção e contra os
fundamentalismos políticos, econômicos, socioculturais e religiosos.
12. Exortamos os governos dos
países pan-amazônicos a porem em prática seus discursos contra a crise
climática e os direitos da Mãe Terra, com medidas reais contra o desmatamento,
a degradação e o aumento das emissões, e não com as maquiagens das chamadas
economias verdes. Exigimos que eles cumpram e fortaleçam seus compromissos,
assumidos em nível internacional.
13. Promover o exercício da
autogestão e autodeterminação dos povos indígenas, negros, quilombolas,
camponeses e costeiros, permitindo o exercício da gestão pública baseada em sua
própria visão normas e procedimentos; isto requer, entre outras coisas, a
implementação de mecanismos adequados às novas formas de planejamento que
garantam seus modos de vida, respeitando suas cosmovisões. Sem a autogestão
territorial dos povos, não há futuro para a Amazônia, nem para o mundo.
Exigimos que os Estados cumpram plenamente as sentenças da Corte Interamericana
de Direitos Humanos. Além disso, o veredicto de 2015 de Kalina e Lokono
pronunciado pela OEA deve ser aplicado pelo governo do Suriname. Finalmente,
exigimos a autodeterminação da Guiana, ocupada pela França. Nossa Bacia
Amazônica não estará completa até alcançarmos sua descolonização.
14. Rejeitamos as políticas públicas extrativistas dos
governos que ameaçam a vida e a natureza. Exigimos o cumprimento do Acordo 169
da OIT, a assinatura, ratificação, respeito e implementação do direito de consulta
e consentimento livre, prévio e informado, que inclui o direito de veto devido
a objeção de consciência cultural no âmbito da autodeterminação dos povos, e
exigimos manter os hidrocarbonetos no subsolo e uma Amazônia livre de
mineração.
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