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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

“Nenhum governo tem garantido o pleno exercício dos direitos dos povos da Amazônia”

Jovem indígena participante do X Fórum Social Pan-Amazônico.
Foto: RosaMMartins

De acordo com Declaração, Amazônia vive sob múltipla opressão de um sistema patriarcal, racista, capitalista e colonial.

Rosa M. Martins/REPAM-Brasil

A afirmação faz parte da Declaração divulgada no final do X Fórum Social, por representantes dos mais variados povos dos países Pan-Amazônicos. O evento aconteceu de 28 a 31 de julho nas dependências da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA.

Ao denunciar que nenhum governo, até o exato momento, tem garantido o pleno exercício dos direitos dos povos amazônicos na defesa da Mãe Natureza, o Documento se faz consonante com a fala do Papa Francisco, em janeiro de 2018, – às portas do Sínodo para a Amazônia -, em Porto Maldonado, Peru, capital do Estado Madre de Dios na Amazônia, uma região que passou por desmatamento significativo (62.500 hectares entre 2012 e 2016) e também por violência significativa devido à mineração ilegal. No seu discurso Francisco foi enfático ao dizer que “a Amazônia está sendo disputada em todas as frentes e  existe a pressão exercida por grandes interesses econômicos que concentram sua avidez sobre o petróleo, gás, madeira, ouro e monocultivos agroindustriais. (…)”.

Francisco ainda chamou a Igreja e a sociedade para responsabilidade de mudança ao ressaltar que “nós devemos romper com o paradigma histórico que vê a Amazônia como uma fonte inesgotável de suprimentos para outros países, sem ter em conta seus habitantes.”

De acordo com a Declaração, a desigualdade social e a violência estrutural e factual que destroem e envenenam a vida no território, como a falsa premissa do desenvolvimento, a extração da borracha, madeira, petróleo, agronegócio, grandes hidrelétricas e mega-mineração que avançou sobre os diferentes territórios amazônicos e foi inserida em modelos de caráter colonial, incluindo propostas de mercantilização de elementos do bioma, são ameaças reais pelas quais têm passados os povos e a floresta.

O Documento traça proposta políticas e exigem “um modelo político, social e econômico que priorize a integridade de nossa casa comum, que reconheça e respeite os territórios e o pleno exercício dos direitos dos povos amazônicos e dos direitos da Natureza”.

Leia a íntegra do Documento:

Abraçados em frente ao Rio Guamá, no grande encontro de toda a diversidade que habita a Pan Amazônia, nós, indígenas, negros, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, urbanos, de todos os gênero e faixas etárias dos nove países da Bacia Amazônica: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, reafirmamos a viagem que começamos há 20 anos, desde o Primeiro Encontro como Fórum Social Pan-Amazônico, com a esperança de um “Outro mundo possível”. Não podíamos imaginar, na época, que hoje o mundo seria ainda pior.

2.    Hoje, a Amazônia está no seu pior momento, devastada por governos para os quais a natureza é uma mercadoria e os direitos dos povos não têm validade. Até hoje, nenhum governo tem garantido o pleno exercício dos direitos dos povos amazônicos na defesa da Mãe Natureza. Nesta situação, é necessário chamar os movimentos sociais, apelar para a criatividade, aprender com os erros e continuar a luta.

3.    O que percebemos ontem como ameaças são hoje realidades derivadas de um sistema de opressão múltipla: patriarcal, racista, capitalista e colonial, que localizou a grande Bacia Amazônica como sua mais recente fronteira de expansão, colocando em risco todas as formas de vida e aqueles que as defendem.

Sob a falsa premissa do desenvolvimento, a extração da borracha, madeira, petróleo, agronegócio, grandes hidrelétricas e mega-mineração avançou sobre os diferentes territórios amazônicos e foi inserida em modelos de caráter colonial, incluindo propostas de mercantilização de elementos do bioma. Sob este pretexto, os territórios estão sendo militarizados e os bens comuns saqueados, para gerar lucros. A desigualdade social e a violência estrutural e factual estão se aprofundando para a todas as populações da região Pan-Amazônica, que hoje vê como toda a vida está sendo destruída e envenenada.

4.    A atual crise climática e sua ameaça civilizacional, consequência do modelo de desenvolvimento, levou o ecossistema amazônico ao ponto de não retorno, ameaçando com a perda irreparável da floresta tropical mais importante do planeta e lar de mais de 50 milhões de pessoas, juntamente com boa parte da biodiversidade planetária. Se não pararmos esta tendência agora, amanhã será a morte da região Pan-Amazônica, vital para frear o aquecimento global e garantir a vida no planeta. O tempo está se esgotando.

5.    Indígenas, camponesas, negras, quilombolas, mulheres populares e urbanas, mulheres trans e lésbicas, uma força de resistência em defesa da vida, continuam a ser violadas pela ação e omissão dos Estados, fundamentalismos políticos e religiosos, patriarcalismo, racismo, militarização e corrupção, enraizadas e instaladas na nossa sociedade capitalista, que através de corporações transnacionais e forças econômicas expropria territórios com impunidade e promove a violação de corpos, o tráfico e controle de pessoas e modos de vida, a violência sexual, feminicídio, violação de direitos sexuais e reprodutivos, ataques contra a diversidade, dissidência sexual e de gênero.

6.    Toda a Bacia Amazônica está passando por uma situação de guerra não convencional, com a participação de forças militares estatais, paramilitares, milícias e traficantes de drogas agindo em conexão com grandes interesses econômicos. A isto se somam medidas coercitivas unilaterais, bloqueios financeiros e econômicos e ameaças militares impostas por grandes potências globais e por grupos fundamentalistas.

7.    Reiteramos que, embora os perigos tenham aumentado, as lutas e resistências adquiriram uma força sem precedentes, a partir da experiência das espiritualidades de nossos povos, que devem continuar a crescer como filhos da Mãe Amazônia. Neste sentido, os povos da Pan-Amazônia estão se organizando, se unindo, lutando por seus territórios e culturas, para tornar possível um futuro. Assim avançam as lutas anti-racistas, anti-patriarcais e anticoloniais, mantendo o otimismo que nos tem caracterizado, mas com um realismo que nos obriga a exigir o que é (im)possível. Este outro mundo é possível.

EXPRESSAMOS A NOSSA PROPOSTA POLÍTICA

8.    Exigimos um modelo político, social e econômico que priorize a integridade de nossa casa comum, que reconheça e respeite os territórios e o pleno exercício dos direitos dos povos amazônicos e dos direitos da Natureza.

9.    Recuperar, valorizar e proteger o conhecimento de homens e mulheres e as formas ancestrais de organização de nossos povos para o cuidado e gestão da água, a proteção de nossos territórios, que incluem nossos rios, limpos e livres de megaprojetos.

10. Nossas alternativas para uma terra sem males são a produção agrícola e florestal diversificada em harmonia com a natureza, agroflorestação, agroecologia, projetos para produção e consumo local, manejo comunitário dos bens comuns, florestas e território, uso de sementes nativas, ecoturismo comunitário, projetos de energias alternativas, cuidado e manejo integrado e participativo de bacias hidrográficas e biorregiões, e muitas outras iniciativas voltadas para a vida e não para a mercantilização da natureza.

11. Propomos articular esforços e lutas em defesa dos territórios da Pan-Amazônia e da vida, bem como, com outros movimentos sociais em outras regiões do mundo, contra o modelo econômico neoliberal patriarcal, colonial e racista que viola todos os nossos direitos individuais e coletivos, contra a corrupção e contra os fundamentalismos políticos, econômicos, socioculturais e religiosos.

12. Exortamos os governos dos países pan-amazônicos a porem em prática seus discursos contra a crise climática e os direitos da Mãe Terra, com medidas reais contra o desmatamento, a degradação e o aumento das emissões, e não com as maquiagens das chamadas economias verdes. Exigimos que eles cumpram e fortaleçam seus compromissos, assumidos em nível internacional.

13. Promover o exercício da autogestão e autodeterminação dos povos indígenas, negros, quilombolas, camponeses e costeiros, permitindo o exercício da gestão pública baseada em sua própria visão normas e procedimentos; isto requer, entre outras coisas, a implementação de mecanismos adequados às novas formas de planejamento que garantam seus modos de vida, respeitando suas cosmovisões. Sem a autogestão territorial dos povos, não há futuro para a Amazônia, nem para o mundo. Exigimos que os Estados cumpram plenamente as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além disso, o veredicto de 2015 de Kalina e Lokono pronunciado pela OEA deve ser aplicado pelo governo do Suriname. Finalmente, exigimos a autodeterminação da Guiana, ocupada pela França. Nossa Bacia Amazônica não estará completa até alcançarmos sua descolonização.

14. Rejeitamos as políticas públicas extrativistas dos governos que ameaçam a vida e a natureza. Exigimos o cumprimento do Acordo 169 da OIT, a assinatura, ratificação, respeito e implementação do direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado, que inclui o direito de veto devido a objeção de consciência cultural no âmbito da autodeterminação dos povos, e exigimos manter os hidrocarbonetos no subsolo e uma Amazônia livre de mineração.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF