Perseguição aos cristãos | O São Paulo |
Desde o começo do ano, em
especial no continente africano, aumentaram os casos de sequestros e
assassinatos dos que professam a fé no Cristo.
Por Jornal O São Paulo, 27/07/2022
Desde o começo do ano, em
especial no continente africano, aumentaram os casos de sequestros e
assassinatos dos que professam a fé no Cristo; no Oriente Médio, cristãs sofrem
com intimidações; e na América Latina, ameaças ostensivas são para os que se
colocam ao lado dos mais vulneráveis.
Era um domingo feliz em que a
comunidade de fiéis acabara de celebrar a Solenidade de Pentecostes e se
preparava para a procissão nos arredores da Paróquia São Francisco Xavier, na
Diocese de Ondo, na Nigéria. De repente, ouve-se um forte barulho. Instantes
depois, um estrondo ainda mais forte e pessoas correndo para todos os
lados.
“Eu estava na sacristia e não
podia correr porque estava cercado de crianças, enquanto alguns adultos se
agarravam a mim, alguns até dentro da minha casula. Eu os protegi como uma
galinha protege seus pintinhos. Ouvi as vozes dos meus paroquianos gritando:
‘Padre, por favor, nos salve; Pai, ore!’. Eu os encorajei e os acalmei, e disse
que não deveriam se preocupar, que eu estava orando e que Deus faria algo. Ouvi
três ou quatro explosões, uma após a outra. Todo o ataque foi bem planejado e
durou cerca de 20 a 25 minutos.”
O relato do Padre Andrew
Adeniyi Abayomi à fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) ilustra o
drama vivido em 5 de junho deste ano na Paróquia São Francisco Xavier, onde o
ataque de radicais islâmicos resultou na morte de 41 católicos, incluindo
crianças, e mais de 80 feridos.
Embora o epicentro da
perseguição deliberada aos cristãos esteja neste momento no continente
africano, os que professam a fé no Cristo têm sido perseguidos em diferentes
partes do planeta. Conforme dados da ACN, atualmente 400 milhões de cristãos
vivem sob condição de perseguição religiosa, uma realidade verificada em, ao
menos, 153 países.
UMA AJUDA VALIOSA: A
ORAÇÃO
Criada em 1947 e elevada à
condição de fundação pontifícia em 2011, a ACN atendeu no ano passado a 5.298
projetos de ajuda em 132 países, seja para dar suporte emergencial aos
cristãos, seja no apoio a ações estruturais. E quase sempre o primeiro pedido
que a instituição recebe dos cristãos perseguidos é um singelo “rezem por
nós”.
Anualmente, em 6 de agosto, a
ACN realiza o “Dia de Oração pelos Cristãos Perseguidos”, que no Brasil ocorre
com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Neste ano,
como a data será em um sábado, o dia de oração também se estenderá para o
domingo, 7, com o convite para que nas paróquias e comunidades, bem como
individualmente, as pessoas rezem pelos cristãos perseguidos. Os detalhes da
iniciativa podem ser vistos no site https://acn.org.br/6deagosto.
Esse dia de oração foi
realizado pela primeira vez em 2015, fazendo alusão ao ocorrido em 6 de agosto
de 2014, quando cerca de 100 mil cristãos tiveram de abandonar suas casas na
Planície de Nínive, no Iraque, após serem expulsos pelos extremistas do grupo
Estado Islâmico. Já na manhã do dia seguinte, a ACN mobilizou os benfeitores e
iniciou campanhas e projetos para socorrer material e espiritualmente esses
perseguidos e refugiados.
As orações e suportes
materiais continuam a ser indispensáveis para que a fé cristã e a própria vida
dos católicos sejam resguardadas em locais onde são perseguidos, como nestes
que apresentamos a seguir, com base em informações da ACN e de agências de
notícias.
SEQUESTROS E ASSASSINATOS NA
NIGÉRIA
O ataque à Paróquia São Francisco
Xavier, mencionado no início desta reportagem, é apenas uma das muitas
ocorrências de perseguição aos cristãos ocorridas neste ano na Nigéria.
De acordo com a ACN, no estado
de Benué, ao menos 68 cristãos foram mortos nos últimos dois meses. Além disso,
mais de 1,5 milhão de pessoas já foram expulsas de suas casas após ataques
terroristas, em especial das milícias Fulani, majoritariamente formadas por
extremistas muçulmanos, que voltam seu alvo especialmente contra comunidades
agrícolas nas quais os cristãos são a maioria.
“A situação atual da
perseguição aos cristãos na Nigéria está cada vez mais complexa. Os conflitos
entre pastores nômades (majoritariamente muçulmanos) e os agricultores que têm
sua própria terra (majoritariamente cristãos) existem há séculos. No entanto,
esse conflito agora conta com armas de fogo cada vez mais pesadas, tornando os
ataques cada vez mais brutais. Em uma outra frente, existe o terrorismo
perpetrado pelo Boko Haram e outros grupos islamistas que praticam o terrorismo
religioso. O que torna a confusão ainda maior sobre a origem dos perpetradores
desses ataques é que, conforme alguns bispos nos relataram, os terroristas se
disfarçam de pastores nômades para encobrir a intenção real dos ataques, que é
expulsar os cristãos de suas terras. Um outro alerta é que os ataques, que
ficavam concentrados praticamente na região norte do país, estão se alastrando
cada vez mais”, explicou, ao O SÃO PAULO, o Frei Rogério Lima, Assistente
Eclesiástico da ACN Brasil.
Desde o começo do ano, 18
sacerdotes foram sequestrados no país, e destes quatro morreram. O último foi o
Padre John Mark Cheitnum, 44, raptado junto com o outro padre em 15 de julho, e
encontrado morto no dia 19.
Recentemente, a Associação
Diocesana de Padres Católicos da Nigéria manifestou que “é muito triste que, no
decurso das suas atividades pastorais normais, os padres nigerianos tenham se
tornado uma espécie em extinção. Tentativas foram feitas em vários níveis para
clamar ao governo, mas, como já observado pela Conferência Episcopal Católica
da Nigéria, ‘é claro para a nação que [o governo] falhou em [seu] dever
principal de proteger a vida dos cidadãos nigerianos’”.
“Hoje, ser um sacerdote na
Nigéria é colocar a vida em grande risco. Portanto, neste momento, ajudamos no
sustento dos padres e seminaristas que permanecem com o povo, além das
religiosas e os catequistas, que nos países africanos têm um trabalho pastoral
muito mais amplo. Também auxiliamos com meios para o transporte e, o principal:
os apoiamos com nossas orações e na divulgação das notícias sobre o sofrimento
dos cristãos no país”, comentou Frei Rogério.
ATENTADOS EM BURKINA FASO E
MOÇAMBIQUE
Em Burkina Faso, também no
continente africano, 20 pessoas foram mortas na Diocese de Noruna, entre os
dias 3 e 4 de julho. Os terroristas agiram à noite e os primeiros assassinatos
ocorreram em frente a uma igreja. Horas antes, a diocese esteve em festa em
razão da ordenação sacerdotal de dois vocacionados da comunidade local.
No mesmo país, em fevereiro,
terroristas invadiram o Seminário de São Kizito. Eles queimaram dormitórios,
uma sala de aula e um veículo. Também destruíram o crucifixo do seminário e
deixaram uma clara mensagem de perseguição aos cristãos: “Não queremos ver
cruzes aqui”. Não houve mortos ou feridos no ataque, mas os terroristas
prometeram voltar se as atividades do seminário tiverem continuidade.
Em Moçambique, país que nos
últimos anos tem sofrido com a escalada de intolerância dos radicais islâmicos,
novos ataques ocorreram em junho na região de Cabo Delgado, resultando em
mortes, sequestros de mulheres e crianças e 11 mil pessoas que fugiram de suas
casas.
No fim de maio, ao tomar posse
como novo Bispo de Pemba, Dom Juliasse Sandramo fez um apelo: “Temos paróquias
praticamente destruídas, padres que vivem em situações difíceis porque tiveram
que abandonar suas missões de mãos vazias. Não podemos lidar com isso sozinhos.
Peço ao mundo que não se esqueça de Cabo Delgado”.
MULHERES CRISTÃS EM
RISCO
Em novembro de 2021, a ACN
publicou o relatório “Ouça seus gritos – O sequestro, conversão forçada e
vitimização sexual de mulheres e meninas cristãs”, mostrando que as mulheres
cristãs estão em permanente risco de sequestros, casamentos e conversões
forçadas, especialmente na Nigéria, Egito, Síria, Iraque e Paquistão.
“A violência contra as
mulheres cristãs é uma arma na guerra contra minorias religiosas. Isso também
tem a ver com a estrutura da lei islâmica. Quando uma mulher cristã é forçada a
se converter ou se casar com um muçulmano, é impossível para ela retornar à sua
fé cristã, mesmo que consiga se libertar ou o casamento seja anulado. Além
disso, se a mulher tiver filhos, eles serão muçulmanos para sempre”, disse
Michele Clark, uma das autoras do relatório, em entrevista ao site da
ACN.
Ela ressaltou que, por vezes,
as mulheres e meninas se veem sem alternativa. “Uma garota cristã tem uma amiga
muçulmana em seu bairro que diz: ‘Meu irmão gosta de você e gostaria de te ver
mais vezes’. Assim, a garota concorda em entrar em um relacionamento. Às vezes,
é uma armadilha: o homem convida a menina para sua casa onde ele a abusa. Se a
jovem vem de um lar conservador, ela é considerada uma desonrada e não pode
mais voltar para casa. Portanto, ou abusam da garota e a forçam a se casar e,
consequentemente, mudar sua fé. Assim, aquilo que para ela começou como uma
bela relação, se torna um pesadelo”, exemplificou.
NA AMÉRICA LATINA,
PERSEGUIÇÕES À ‘IGREJA DOS OPRIMIDOS’
Se no Oriente Médio e na
África o ódio aos cristãos é a causa principal para que sejam perseguidos, nos
países latino-americanos, as razões são outras.
“Na América Latina, os crimes
contra líderes religiosos e templos de oração têm origem no papel da Igreja de
se colocar em defesa dos oprimidos e de denunciar as injustiças. Como exemplo,
podemos olhar o caso da Nicarágua, em que a Igreja acolheu os estudantes que
realizavam manifestações pacíficas contra a corrupção em 2018. A Igreja abriu
suas portas para acolher os feridos e, pouco tempo depois, começou a sofrer uma
forte repressão. Hoje, de acordo com os dados a que tivemos acesso, essa
repressão já resultou em mais de 190 ataques”, analisou o Frei Rogério
Lima.
“A ACN fica muito preocupada
com esse contexto, pois, além de todo o sofrimento daqueles que são vítimas
dessa violência, isso ameaça a presença da fé cristã na América Latina, que
abriga praticamente metade de todos os católicos do mundo. Por isso mesmo, em
2021 ajudamos o continente com mais de 900 projetos aprovados”, recordou.
Ainda na Nicarágua, em maio e
em junho, canais de televisão operados por dioceses foram retirados da
programação da tevê por assinatura. Além disso, no mês passado, a Congregação
das Missionárias da Caridade, fundada por Santa Teresa de Calcutá, foi obrigada
a interromper seus trabalhos no país, por força do regime do presidente Daniel
Ortega. Desde 2018, há uma crescente hostilidade a padres, bispos e membros de
congregações religiosas e leigos engajados na Igreja, além de registros de profanação
aos locais de culto e itens litúrgicos.
Na Colômbia, ameaças têm sido
feitas a bispos e padres que se opõem ao avanço dos dissidentes das Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), dos membros do Exército de
Libertação Nacional (ELN) e de guerrilhas que lutam pelo controle de áreas que
se tornaram rotas para o narcotráfico.
Este foi o caso de Dom Rúben
Darío Jaramillo, Bispo de Buenaventura, que foi até impedido por grupos
criminosos de circular em algumas áreas de abrangência da Diocese. Na
assembleia geral do episcopado colombiano, em fevereiro, Dom Rúben lembrou que
em toda a região do Pacífico colombiano há ameaças de morte a diferentes
pessoas, bem como desaparecimentos e deslocamentos forçados. “Nós, que estamos
à frente dessas comunidades, sendo a voz daqueles que não podem denunciar,
continuaremos manifestando nosso compromisso como povo de Deus. Não importa
nossa vida. Prosseguiremos contribuindo para a construção da paz e ajudando a
buscar novas saídas por meio do diálogo e entendimento entre todas as
instituições”, enfatizou.
ALVOS DA VIOLÊNCIA
COTIDIANA
E, embora não sejam casos que
se enquadrem como perseguição religiosa, ao menos três padres e uma religiosa
foram assassinados em países latino-americanos desde o início do ano em
situações de violência urbana.
Na cidade de Santa Cruz, na
Bolívia, o Frei Wilbert Daza Rodas, OFM, foi morto após uma pessoa viciada em
drogas adentrar o convento de São Francisco, depois da celebração da Vigília
Pascal, em 16 de abril.
No México, em junho, dois
sacerdotes jesuítas, os Padres Javier Campos e Joaquín Mora foram assassinados
em Cerocahui, quando tentavam defender a vida de um homem que se refugiou na
igreja enquanto era perseguido por uma pessoa armada.
No mesmo mês, em Porto
Príncipe, capital do Haiti, a missionária italiana Irmã Luisa Dell’Orto, da
Congregação do Evangelho de Charles de Foucauld, foi morta quando uma pessoa
tentou assaltá-la. Ela vivia no país havia 20 anos e se dedicava às crianças em
situação de rua.
Conforme um levantamento
da Agência Fides, divulgado em 30 de dezembro de 2021, ao longo de todo o
ano passado 22 missionários católicos foram mortos no mundo: 13 sacerdotes, um
religioso, duas religiosas e seis leigos. O maior número de assassinatos
ocorreu na África (11), seguido da América (7), Ásia (3) e Europa (1).
Por todos os cristãos
perseguidos, os vivos e os já martirizados em nome da fé, a Igreja se unirá em
oração em 6 de agosto e, também no dia 7, elevando suas preces:
“Ajudai-nos, Pai, em nome de
vosso Filho crucificado e ressuscitado, Jesus, para continuarmos a
trabalhar juntos; para sermos livres, responsáveis e amorosos; para
encontrarmos a vossa vontade e fazê-la com alegria, zelo e coragem”.
(Trecho da prece do Dia de
Oração pelos Cristãos Perseguidos 2022)
Fonte: https://arquisp.org.br/
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