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quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Perseguição aos cristãos: uma realidade global e crescente

Perseguição aos cristãos | O São Paulo

Desde o começo do ano, em especial no continente africano, aumentaram os casos de sequestros e assassinatos dos que professam a fé no Cristo.

Por Jornal O São Paulo, 27/07/2022

Desde o começo do ano, em especial no continente africano, aumentaram os casos de sequestros e assassinatos dos que professam a fé no Cristo; no Oriente Médio, cristãs sofrem com intimidações; e na América Latina, ameaças ostensivas são para os que se colocam ao lado dos mais vulneráveis. 

Era um domingo feliz em que a comunidade de fiéis acabara de celebrar a Solenidade de Pentecostes e se preparava para a procissão nos arredores da Paróquia São Francisco Xavier, na Diocese de Ondo, na Nigéria. De repente, ouve-se um forte barulho. Instantes depois, um estrondo ainda mais forte e pessoas correndo para todos os lados. 

“Eu estava na sacristia e não podia correr porque estava cercado de crianças, enquanto alguns adultos se agarravam a mim, alguns até dentro da minha casula. Eu os protegi como uma galinha protege seus pintinhos. Ouvi as vozes dos meus paroquianos gritando: ‘Padre, por favor, nos salve; Pai, ore!’. Eu os encorajei e os acalmei, e disse que não deveriam se preocupar, que eu estava orando e que Deus faria algo. Ouvi três ou quatro explosões, uma após a outra. Todo o ataque foi bem planejado e durou cerca de 20 a 25 minutos.” 

O relato do Padre Andrew Adeniyi Abayomi à fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) ilustra o drama vivido em 5 de junho deste ano na Paróquia São Francisco Xavier, onde o ataque de radicais islâmicos resultou na morte de 41 católicos, incluindo crianças, e mais de 80 feridos. 

Embora o epicentro da perseguição deliberada aos cristãos esteja neste momento no continente africano, os que professam a fé no Cristo têm sido perseguidos em diferentes partes do planeta. Conforme dados da ACN, atualmente 400 milhões de cristãos vivem sob condição de perseguição religiosa, uma realidade verificada em, ao menos, 153 países. 

UMA AJUDA VALIOSA: A ORAÇÃO 

Criada em 1947 e elevada à condição de fundação pontifícia em 2011, a ACN atendeu no ano passado a 5.298 projetos de ajuda em 132 países, seja para dar suporte emergencial aos cristãos, seja no apoio a ações estruturais. E quase sempre o primeiro pedido que a instituição recebe dos cristãos perseguidos é um singelo “rezem por nós”. 

Anualmente, em 6 de agosto, a ACN realiza o “Dia de Oração pelos Cristãos Perseguidos”, que no Brasil ocorre com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Neste ano, como a data será em um sábado, o dia de oração também se estenderá para o domingo, 7, com o convite para que nas paróquias e comunidades, bem como individualmente, as pessoas rezem pelos cristãos perseguidos. Os detalhes da iniciativa podem ser vistos no site https://acn.org.br/6deagosto. 

Esse dia de oração foi realizado pela primeira vez em 2015, fazendo alusão ao ocorrido em 6 de agosto de 2014, quando cerca de 100 mil cristãos tiveram de abandonar suas casas na Planície de Nínive, no Iraque, após serem expulsos pelos extremistas do grupo Estado Islâmico. Já na manhã do dia seguinte, a ACN mobilizou os benfeitores e iniciou campanhas e projetos para socorrer material e espiritualmente esses perseguidos e refugiados. 

As orações e suportes materiais continuam a ser indispensáveis para que a fé cristã e a própria vida dos católicos sejam resguardadas em locais onde são perseguidos, como nestes que apresentamos a seguir, com base em informações da ACN e de agências de notícias. 

SEQUESTROS E ASSASSINATOS NA NIGÉRIA 

O ataque à Paróquia São Francisco Xavier, mencionado no início desta reportagem, é apenas uma das muitas ocorrências de perseguição aos cristãos ocorridas neste ano na Nigéria. 

De acordo com a ACN, no estado de Benué, ao menos 68 cristãos foram mortos nos últimos dois meses. Além disso, mais de 1,5 milhão de pessoas já foram expulsas de suas casas após ataques terroristas, em especial das milícias Fulani, majoritariamente formadas por extremistas muçulmanos, que voltam seu alvo especialmente contra comunidades agrícolas nas quais os cristãos são a maioria. 

“A situação atual da perseguição aos cristãos na Nigéria está cada vez mais complexa. Os conflitos entre pastores nômades (majoritariamente muçulmanos) e os agricultores que têm sua própria terra (majoritariamente cristãos) existem há séculos. No entanto, esse conflito agora conta com armas de fogo cada vez mais pesadas, tornando os ataques cada vez mais brutais. Em uma outra frente, existe o terrorismo perpetrado pelo Boko Haram e outros grupos islamistas que praticam o terrorismo religioso. O que torna a confusão ainda maior sobre a origem dos perpetradores desses ataques é que, conforme alguns bispos nos relataram, os terroristas se disfarçam de pastores nômades para encobrir a intenção real dos ataques, que é expulsar os cristãos de suas terras. Um outro alerta é que os ataques, que ficavam concentrados praticamente na região norte do país, estão se alastrando cada vez mais”, explicou, ao O SÃO PAULO, o Frei Rogério Lima, Assistente Eclesiástico da ACN Brasil. 

Desde o começo do ano, 18 sacerdotes foram sequestrados no país, e destes quatro morreram. O último foi o Padre John Mark Cheitnum, 44, raptado junto com o outro padre em 15 de julho, e encontrado morto no dia 19. 

Recentemente, a Associação Diocesana de Padres Católicos da Nigéria manifestou que “é muito triste que, no decurso das suas atividades pastorais normais, os padres nigerianos tenham se tornado uma espécie em extinção. Tentativas foram feitas em vários níveis para clamar ao governo, mas, como já observado pela Conferência Episcopal Católica da Nigéria, ‘é claro para a nação que [o governo] falhou em [seu] dever principal de proteger a vida dos cidadãos nigerianos’”. 

“Hoje, ser um sacerdote na Nigéria é colocar a vida em grande risco. Portanto, neste momento, ajudamos no sustento dos padres e seminaristas que permanecem com o povo, além das religiosas e os catequistas, que nos países africanos têm um trabalho pastoral muito mais amplo. Também auxiliamos com meios para o transporte e, o principal: os apoiamos com nossas orações e na divulgação das notícias sobre o sofrimento dos cristãos no país”, comentou Frei Rogério. 

ATENTADOS EM BURKINA FASO E MOÇAMBIQUE 

Em Burkina Faso, também no continente africano, 20 pessoas foram mortas na Diocese de Noruna, entre os dias 3 e 4 de julho. Os terroristas agiram à noite e os primeiros assassinatos ocorreram em frente a uma igreja. Horas antes, a diocese esteve em festa em razão da ordenação sacerdotal de dois vocacionados da comunidade local. 

No mesmo país, em fevereiro, terroristas invadiram o Seminário de São Kizito. Eles queimaram dormitórios, uma sala de aula e um veículo. Também destruíram o crucifixo do seminário e deixaram uma clara mensagem de perseguição aos cristãos: “Não queremos ver cruzes aqui”. Não houve mortos ou feridos no ataque, mas os terroristas prometeram voltar se as atividades do seminário tiverem continuidade. 

Em Moçambique, país que nos últimos anos tem sofrido com a escalada de intolerância dos radicais islâmicos, novos ataques ocorreram em junho na região de Cabo Delgado, resultando em mortes, sequestros de mulheres e crianças e 11 mil pessoas que fugiram de suas casas. 

No fim de maio, ao tomar posse como novo Bispo de Pemba, Dom Juliasse Sandramo fez um apelo: “Temos paróquias praticamente destruídas, padres que vivem em situações difíceis porque tiveram que abandonar suas missões de mãos vazias. Não podemos lidar com isso sozinhos. Peço ao mundo que não se esqueça de Cabo Delgado”. 

MULHERES CRISTÃS EM RISCO 

Em novembro de 2021, a ACN publicou o relatório “Ouça seus gritos – O sequestro, conversão forçada e vitimização sexual de mulheres e meninas cristãs”, mostrando que as mulheres cristãs estão em permanente risco de sequestros, casamentos e conversões forçadas, especialmente na Nigéria, Egito, Síria, Iraque e Paquistão. 

“A violência contra as mulheres cristãs é uma arma na guerra contra minorias religiosas. Isso também tem a ver com a estrutura da lei islâmica. Quando uma mulher cristã é forçada a se converter ou se casar com um muçulmano, é impossível para ela retornar à sua fé cristã, mesmo que consiga se libertar ou o casamento seja anulado. Além disso, se a mulher tiver filhos, eles serão muçulmanos para sempre”, disse Michele Clark, uma das autoras do relatório, em entrevista ao site da ACN. 

Ela ressaltou que, por vezes, as mulheres e meninas se veem sem alternativa. “Uma garota cristã tem uma amiga muçulmana em seu bairro que diz: ‘Meu irmão gosta de você e gostaria de te ver mais vezes’. Assim, a garota concorda em entrar em um relacionamento. Às vezes, é uma armadilha: o homem convida a menina para sua casa onde ele a abusa. Se a jovem vem de um lar conservador, ela é considerada uma desonrada e não pode mais voltar para casa. Portanto, ou abusam da garota e a forçam a se casar e, consequentemente, mudar sua fé. Assim, aquilo que para ela começou como uma bela relação, se torna um pesadelo”, exemplificou. 

NA AMÉRICA LATINA, PERSEGUIÇÕES À ‘IGREJA DOS OPRIMIDOS’ 

Se no Oriente Médio e na África o ódio aos cristãos é a causa principal para que sejam perseguidos, nos países latino-americanos, as razões são outras. 

“Na América Latina, os crimes contra líderes religiosos e templos de oração têm origem no papel da Igreja de se colocar em defesa dos oprimidos e de denunciar as injustiças. Como exemplo, podemos olhar o caso da Nicarágua, em que a Igreja acolheu os estudantes que realizavam manifestações pacíficas contra a corrupção em 2018. A Igreja abriu suas portas para acolher os feridos e, pouco tempo depois, começou a sofrer uma forte repressão. Hoje, de acordo com os dados a que tivemos acesso, essa repressão já resultou em mais de 190 ataques”, analisou o Frei Rogério Lima. 

“A ACN fica muito preocupada com esse contexto, pois, além de todo o sofrimento daqueles que são vítimas dessa violência, isso ameaça a presença da fé cristã na América Latina, que abriga praticamente metade de todos os católicos do mundo. Por isso mesmo, em 2021 ajudamos o continente com mais de 900 projetos aprovados”, recordou. 

Ainda na Nicarágua, em maio e em junho, canais de televisão operados por dioceses foram retirados da programação da tevê por assinatura. Além disso, no mês passado, a Congregação das Missionárias da Caridade, fundada por Santa Teresa de Calcutá, foi obrigada a interromper seus trabalhos no país, por força do regime do presidente Daniel Ortega. Desde 2018, há uma crescente hostilidade a padres, bispos e membros de congregações religiosas e leigos engajados na Igreja, além de registros de profanação aos locais de culto e itens litúrgicos. 

Na Colômbia, ameaças têm sido feitas a bispos e padres que se opõem ao avanço dos dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), dos membros do Exército de Libertação Nacional (ELN) e de guerrilhas que lutam pelo controle de áreas que se tornaram rotas para o narcotráfico. 

Este foi o caso de Dom Rúben Darío Jaramillo, Bispo de Buenaventura, que foi até impedido por grupos criminosos de circular em algumas áreas de abrangência da Diocese. Na assembleia geral do episcopado colombiano, em fevereiro, Dom Rúben lembrou que em toda a região do Pacífico colombiano há ameaças de morte a diferentes pessoas, bem como desaparecimentos e deslocamentos forçados. “Nós, que estamos à frente dessas comunidades, sendo a voz daqueles que não podem denunciar, continuaremos manifestando nosso compromisso como povo de Deus. Não importa nossa vida. Prosseguiremos contribuindo para a construção da paz e ajudando a buscar novas saídas por meio do diálogo e entendimento entre todas as instituições”, enfatizou. 

ALVOS DA VIOLÊNCIA COTIDIANA 

E, embora não sejam casos que se enquadrem como perseguição religiosa, ao menos três padres e uma religiosa foram assassinados em países latino-americanos desde o início do ano em situações de violência urbana. 

Na cidade de Santa Cruz, na Bolívia, o Frei Wilbert Daza Rodas, OFM, foi morto após uma pessoa viciada em drogas adentrar o convento de São Francisco, depois da celebração da Vigília Pascal, em 16 de abril. 

No México, em junho, dois sacerdotes jesuítas, os Padres Javier Campos e Joaquín Mora foram assassinados em Cerocahui, quando tentavam defender a vida de um homem que se refugiou na igreja enquanto era perseguido por uma pessoa armada. 

No mesmo mês, em Porto Príncipe, capital do Haiti, a missionária italiana Irmã Luisa Dell’Orto, da Congregação do Evangelho de Charles de Foucauld, foi morta quando uma pessoa tentou assaltá-la. Ela vivia no país havia 20 anos e se dedicava às crianças em situação de rua. 

Conforme um levantamento da Agência Fides, divulgado em 30 de dezembro de 2021, ao longo de todo o ano passado 22 missionários católicos foram mortos no mundo: 13 sacerdotes, um religioso, duas religiosas e seis leigos. O maior número de assassinatos ocorreu na África (11), seguido da América (7), Ásia (3) e Europa (1). 

Por todos os cristãos perseguidos, os vivos e os já martirizados em nome da fé, a Igreja se unirá em oração em 6 de agosto e, também no dia 7, elevando suas preces: 

“Ajudai-nos, Pai, em nome de vosso Filho crucificado e ressuscitado, Jesus, para continuarmos a trabalhar juntos; para sermos livres, responsáveis e amorosos; para encontrarmos a vossa vontade e fazê-la com alegria, zelo e coragem”. 

(Trecho da prece do Dia de Oração pelos Cristãos Perseguidos 2022)

Fonte: https://arquisp.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF