9. MARIA,
MÃE DA SANTA ESPERANÇA
A Mãe que
soube esperar
Uma
tradição muito antiga, que atravessou os séculos e ficou plasmada em muitas
obras de arte, afirma que a primeira aparição de Cristo ressuscitado foi à sua
Mãe Santíssima.
É natural
que Jesus, que ficava feliz – depois da ressurreição – trazendo a alegria aos
que amava, tivesse dado a precedência da alegria à sua Mãe. Não era ela quem
mais a merecia? Ela que acreditara firmemente, desde o momento da Encarnação, que
aquele seu filho, que ao mesmo tempo era o filho do Altíssimo,
seria – como o anjo Gabriel lhe havia anunciado – o Messias descendente de
Davi, que reinaria eternamente e seu Reino não teria fim; ela
que se unira ao Redentor em todos os momentos da sua vida e especialmente na
Paixão, oferecendo a sua imensa dor juntamente com o sacrifício redentor do
Filho; ela que ouvira sair dos lábios murchos de Jesus agonizante sobre a Cruz
aquela “nomeação” como Mãe dos discípulos, mãe de todos os homens: Mulher,
eis aí teu filho”…; ela certamente merecia ter as primícias do júbilo da
ressurreição. E é o que Jesus ressuscitado lhe deve ter dado, sem dúvida, como
atesta a tradição.
É muito
bonito pensar que, naqueles momentos de escuridão quase total que envolvia os discípulos
logo após a morte e o sepultamento de Jesus, a única luz de esperança que não
se apagou, que continuou a brilhar, foi o coração de Maria. Seu coração, que
acabava de ser atravessado por uma espada de dor, como profetizara
Simeão era, ao mesmo tempo, a única lâmpada que ardia com a chama da santa Esperança.
Ela foi a única que, no silêncio do sábado santo, esperou na ressurreição
ao terceiro dia…
A Mãe que
ensina a confiar
Certamente,
ao longo de toda a sua vida, ela viveu e encarnou a esperança como ninguém.
Movida pelo Espírito Santo, Santa Isabel louvou-a assim no dia da
Visitação: Feliz a que acreditou, porque se cumprirão todas as coisas
que lhe foram ditas da parte do Senhor. Acreditou, e desse solo
fecundo da fé, brotou a esperança como uma planta viçosa, como uma fonte
Conta-nos
São Lucas, no Evangelho, que no dia da Visitação, Santa Isabel, movida pelo
Espírito Santo, louvou Nossa Senhora com estas palavras: Feliz a que
acreditou, porque se cumprirão todas as coisas que lhe foram ditas da parte do
Senhor (Lc 1,45). Maria acreditou e, do solo fecundo da sua fé, brotou
a esperança como uma planta viçosa, como uma fonte cristalina, como um diamante
único, indestrutível. Por isso a Igreja a chama Mãe da santa Esperança,
e por isso nós a invocamos como Mãe de misericórdia, vida, doçura e
esperança nossa… não são apenas belas palavras. Têm um conteúdo profundo.
Descrevem a missão que Jesus lhe confiou em relação aos seus irmãos – a nós,
que somos todos irmãos de Jesus (cf. Rm 8,29) e filhos de Maria (Jo 19, 26).
Quando
Jesus nos deu Maria como Mãe, no momento solene da agonia na Cruz, quis
garantir-nos a esperança. É verdade que a nossa esperança deve estar, toda ela,
colocada em Deus. Deus, e só Deus, é o motivo e a fonte radical da esperança.
Mas Ele deu-nos uma Mãe – a sua Mãe – para que, com o calor de seu coração, nos
ensinasse a confiar; para que estendesse a mão a estas pobres crianças suas que
somos nós, para que as guiasse e as introduzisse no mundo maravilhoso da
esperança.
Uma das orações
mais antigas dirigidas a Nossa Senhora é aquela que ainda hoje os católicos
piedosos sabem de cor: “À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus, não
desprezeis as súplicas que em nossas necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos
sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Rogai por nós, santa
Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo”. É uma expressão
da confiança filial em Maria que nos encaminha para a esperança plena em Deus.
Na
verdade, o Espírito Santo – inspirador da Sagrada Escritura – deixou-nos
motivos mais do que suficientes para que aprendêssemos a confiar na “Esperança
nossa”. Bastaria lembrar a cena das bodas de Caná (Jo 2,1-11), onde a petição
de Maria – suave, discreta, sussurrada ao ouvido – obteve de Jesus o seu
primeiro milagre, a transformação da água em vinho.
Naquela
festa de bodas, começou a faltar o vinho. Maria teve pena dos noivos. Aquilo
podia estragar a alegria singela do banquete. Então falou com seu Filho: Não
têm vinho! A resposta de Jesus pôde parecer um balde de água fria
– Mulher, isto nos compete a nós? A minha hora ainda não chegou –,
mas Maria não achou que fosse assim, e com toda a paz disse aos
serventes: Fazei tudo o que ele vos disser…; e não precisou de
fazer mais. Jesus mandou, na hora, encher de água umas grandes talhas que lá
estavam e depois indicou que fosse servido o seu conteúdo aos convidados: foi o
melhor vinho da festa!
Maria
adiantou assim, misteriosamente, a hora dos milagres de Jesus. E graças a esse
primeiro milagre, obtido pela intercessão da Virgem, o Evangelho diz que
Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele.
Tudo, pela solicitude de Maria, pela ternura do seu coração. Se Jesus fez isso,
a pedido de Maria, o que não fará por nós? É como se Ele próprio nos estivesse
dizendo: “Vocês vêem? Confiem na Mãe! Eu a ouvirei sempre! Ela conseguirá tudo
de mim!”
A Mãe de
misericórdia
É por
isso que os santos e os bons teólogos a chamam a “onipotência suplicante”, uma
maneira hiperbólica – mas realista – de referir-se ao poder das súplicas de
Maria diante de Jesus. São Bernardo, o “trovador da Virgem”, gostava de
compará-la ao aqueduto que recebe a água da fonte (a água da graça, da fonte
que é Deus) e a faz chegar a nós, da mesma maneira que um aqueduto recolhia
então a água das montanhas e a conduzia até os povoados. E assim dizia:
“Recebendo a plenitude (da graça) da própria fonte do coração do Pai, no-la
torna acessível… Com o mais íntimo, pois, da nossa alma, com todos os afetos do
nosso coração e com todos os sentimentos e desejos da nossa vontade, veneremos
Maria, porque esta é a vontade daquele Senhor que quis que tudo recebêssemos
por Maria”.
Que
confiança, que consolo isto nos dá! Não é verdade que, às vezes, o que mais nos
custa é esperar na misericórdia divina, porque vemos que não a merecemos,
e que Deus, sendo justo, deveria castigar-nos, especialmente depois de
tantos arrependimentos efêmeros, de tantas reincidências meio cínicas? E,
no entanto, nem no pior dos casos devemos desesperar da misericórdia de Deus,
mesmo que nos sintamos afundados – como o filho pródigo – na mais espessa, suja
e viscosa lama do pecado. Nessa triste situação, ninguém como Maria para
ajudar-nos a confiar na misericórdia de Deus. Ela é Mãe. Não tenhamos medo, por
mais sujos e machucados que estejamos. Ela não deixará de propiciar um bom
banho aos seus meninos. Ela nos moverá a ter arrependimento, ela nos levará –
se for preciso, pela orelha — até à confissão, e nos carregará finalmente no
colo, limpos e felizes.
“Se eu
fosse leproso – escrevia São Josemaría Escrivã -, minha mãe me abraçaria. Sem
medo nem repugnância alguma, beijar-me-ia as chagas. – Pois bem, e a Virgem
Santíssima? Ao sentir que temos lepra, que estamos chagados, temos de gritar:
Mãe! E a proteção de nossa Mãe é como um beijo nas feridas, que nos obtém a
cura”.
A
poderosa intercessora
A
confiança em Nossa Senhora sempre foi tão grande entre os bons cristãos, que
alguns até “exageraram”. Mas exageraram de uma maneira bonita, assim como se
amplia um detalhe de uma flor belíssima, muito além do seu tamanho normal, para
poder apreciá-la melhor. Não há “mentira” nisso! Um exemplo entre mil são
uns versos do “poeta da esperança”, o francês Charles Péguy, que põe na boca de
Deus Pai as seguintes palavras (deliciosamente “exageradas”):
“Eu não
vi no mundo – diz Deus – nada mais belo que uma criança que adormece fazendo a
sua oração (…). [o poeta estende-se, em versos tocantes, falando da maravilha
que é a criança que dorme rezando, e aí nenhuma das coisas bonitas que diz é
exagero].
“Nada é
tão belo! – continua a dizer Deus -. E este é mesmo um ponto em que a Virgem
Santa está de acordo comigo. Lá em cima (no Céu).
“Inclusive,
eu posso dizer que este é o único ponto em que estamos plenamente de acordo.
Pois geralmente os nossos pareceres são contrários.
“Porque
ela está do lado da misericórdia,
“E eu…,
bem, é preciso que eu esteja do lado da justiça”.
Esses
versos fazem sorrir (e até comovem um pouquinho), mas são “verdadeiros” pelo
sentimento de confiança em Maria que transmitem. Junto dela, só um cego
espiritual, um tolo… ou um demônio, podem perder a esperança.
Foi assim
que o entenderam os cristãos desde o começo. Não podemos esquecer o que nos
mostra a Sagrada Escritura, nos Atos dos Apóstolos, logo depois da Ascensão do
Senhor. Jesus tinha-se despedido recomendando aos seus que permanecessem em
Jerusalém, até que sejais revestidos da força do Alto (Lc
24,49), ou seja, até a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Pois bem,
no livro dos Atos diz-se que todos – os Apóstolos, os discípulos, as santas
mulheres – obedeceram, e se reuniram, durante dez dias, no Cenáculo, com
Maria, a Mãe de Jesus. Lá, junto dela, como uma família apinhada em torno
da mãe, perseveravam unanimemente na oração (At 1,14).
Junto de Nossa Senhora, tornava-se fácil cumprir o que Jesus mandara. Sempre é
assim! A única coisa que ela nos pede é o que pediu aos serventes de
Caná: Fazei tudo o que Ele vos disser. E ela fica junto de nós para
nos ajudar a cumpri-lo.
Por isso,
uma vida espiritual impregnada de devoção a Nossa Senhora é uma vida espiritual
sadia, voltada inteiramente para o cumprimento da Vontade de Deus. “Antes,
sozinho, não podias… – dizia Mons. Escrivá -. – Agora, recorreste à Senhora, e,
com Ela, que fácil!”
Quem quer
a graça de Deus, a Ela recorre
É uma
experiência universal na história do cristianismo. Dante Alighieri deixou-a
maravilhosamente expressa no canto trinta e três do “Paraíso” da “Divina
Comédia”, o último canto do livro, que começa com uma oração de São Bernardo à
Virgem Maria, um cântico que, entre outras coisas, diz assim:
“Ó Virgem
mãe, filha do teu Filho,
humilde e
alta mais que criatura alguma,
termo
imutável dos desígnios divinos […]
…Cá no
Céu, tu és para nós sol radiante
de amor;
e em baixo, entre os mortais,
és uma
fonte viva de esperança.
Senhora,
és tão grande e tanto podes,
que quem
quer graça e a ti não recorre
o seu
desejo quer voar sem asas. […]
…Em ti,
misericórdia; em ti, piedade,
em ti
magnificência, em ti se junta
quanto há
nas criaturas de bondade….
Mesmo que
a tradução faça perder o sabor inexprimível do texto italiano, mantém a alma
desses versos.
Anteriores
a Dante são umas palavras anônimas, cheias de devoção, que alguém rabiscou num
manuscrito medieval, falando das rosas que compõem o “rosário” de Maria:
“Quando a bela Rosa Maria começa a florescer, o inverno das nossas tribulações
se desvanece e o verão da eterna alegria começa a brilhar”. É popular, é
muito simples, mas é muito expressivo.
Confiar
em Maria como uma criança confia na mãe
Na realidade, a nossa confiança em Maria não só deve ser simples
– como a fé do povo mais simples –, mas deve adquirir a pureza e a singeleza
total da infância. Podemos dizer que a nossa confiança só será perfeita quando,
como Jesus nos pede, nos transformarmos e nos fizermos como crianças (Mt
18,3).
A este
propósito, penso que vale a pena evocar uma lembrança de há bastantes anos.
Trata-se de um pequeno episódio da vida de um padre de aldeia, de dois metros
de altura, ossudo e desengonçado como um don Camilo de Guareschi, e que foi meu
amigo. Aconteceu que, na altura do Natal, seguindo o costume da sua terra,
preparava-se para receber algum presente trazido na corcunda dos camelos pelos
Reis Magos. Nessa ocasião, seguindo um sistema do tipo do “amigo secreto”, os
“reis magos” íamos ser um grupo de colegas, padres como ele. Cada um escreveria
uma carta aos Reis, fazendo o pedido. O nosso don Camilo (que se chamava Pedro)
escreveu esta:
“Meus
caros Reis Magos:
Muito
embora sempre vos tenha amado e pedido favores, especialmente quando fazeis a
vossa visita à terra, não vos tinha escrito desde faz, se bem me lembro, uns
trinta anos. Eu era então um garoto com muitos sonhos na cabeça, que se foram
apagando com o decorrer do tempo. Mas agora acontece que, graças a Deus, torno
a sonhar, muito embora os sonhos sejam, naturalmente, diferentes dos que tinha
então. O meu desejo atual é o de tornar a ser criança, apesar da minha
respeitável estatura, para assim conseguir de vós quanto deseja e precisa meu
coração de menino. Sim, o que para mim eu quero é isto: que me alcanceis a
infância espiritual, para que sempre possa caminhar agarrado à mão de Deus;
pois provavelmente vos seria meio difícil conceder-me a infância corporal. A
Providência divina fez-me também pai de umas boas centenas de almas, que amo
entranhadamente, e para as quais vos peço muita saúde espiritual, visto que há
muitas que estão doentes. Com a certeza de que me haveis de conceder o que vos
peço, beijo as vossas mãos benfazejas”.
Os Rei
Magos atenderam seu pedido, e ele recebeu como presente uma imagem de Nossa
Senhora, linda, com um olhar de mãe, com um sorriso cálido de mãe, que fazia
com que qualquer um se sentisse, perto dela, uma criança amparada, totalmente
aconchegada…
Como
história puxa história, aí vai outro belo episódio dos tempos atuais. Um dos
maiores poetas do século vinte foi Paul Claudel, um diplomata francês que se
converteu ao catolicismo, por graça de Nossa Senhora, certa vez em que assistia
– sem fé – a uma Missa natalina na catedral de Nôtre-Dame de Paris. Maria
tocou-lhe o coração, alcançando-lhe do Espírito Santo a graça da fé, e o meteu
para sempre no coração de seu Filho Jesus. Claudel tornou-se um grande católico
e foi um dos maiores poetas e dramaturgos do seu século. A graça da sua
conversão ficou-lhe tão gravada na alma que, sempre que podia, dava uma passada
por Nôtre-Dame, entrava na catedral e ficava a olhar para a imagem da Senhora,
da Mãe que o salvara. Ele mesmo, num dos seus poemas, descreve qual era,
nessas ocasiões, a sua oração. A tradução dá uma idéia dela, ainda que, como
toda tradução, desbote o colorido do original:
É
meio-dia. Vejo a igreja aberta. É preciso entrar.
Mãe de
Jesus Cristo, não venho rezar.
Nada
tenho a oferecer e nada a pedir.
Mãe,
venho apenas olhar para ti.
Olhar
para ti, chorar de alegria, recordar
que sou
teu filho e que tu estás aqui.
Apenas um
instante, enquanto tudo pára.
Meio-dia!
Estar
contigo, Maria, neste lugar onde tu estás.
Nada
dizer, olhar para o teu rosto,
Deixar o
coração cantar em sua própria linguagem […]
…porque
tu és a Mãe de Jesus Cristo,
que é a
verdade entre os teus braços e a única esperança… […]
Porque
estás aqui para sempre, simplesmente porque tu és Maria,
simplesmente
porque existes,
Mãe de
Jesus Cristo, nós te agradecemos!
Esta é
que é a verdadeira devoção a Maria. Isto é o que devemos colocar em cada Ave
Maria, em cada Terço, em cada Salve Rainha, em cada oração silenciosa, em cada
jaculatória da ladainha, em cada olhar e em cada suspiro filial…
Agradeçamos
a Jesus a Mãe que nos deu, porque – com ela – é impossível perder a esperança.
Digamos-lhe, com palavras da antiquíssima antífona Salve, Rainha: Vida,
doçura e esperança nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei!
Nenhum comentário:
Postar um comentário