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7. AMOR NO CÉU E MISSÃO NA TERRA
Um olhar
para o futuro
No final
do seu Evangelho, São João transcreve o diálogo tocante que Cristo manteve com
Pedro:
– Simão,
filho de João, tu me amas mais do que estes?
– Sim, Senhor, tu sabes
que eu te amo!
Repetindo
três vezes a sua declaração de amor, Pedro reparou as suas três negações.
Depois disso, Jesus confirmou-o na sua missão de pastor supremo da Igreja e
continuou caminhando e conversando com ele pela margem do lago de Genesaré.
Num dado
momento, inesperadamente, o Senhor parou e fitou Pedro nos olhos. Antecipando a
perspectiva do seu futuro, disse-lhe: Em verdade, em verdade te digo:
quando eras mais jovem, cingias-te e ias para onde querias. Mas, quando fores
velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não
queres”. Por estas palavras, indicava o gênero de morte com que ele havia de
glorificar a Deus. E depois de assim ter falado, acrescentou: “Segue-me!” (Jo
21, 15-19).
Assim
foi. Durante a perseguição do imperador Nero, Pedro foi preso em Roma pelo “crime”
de ser cristão, e, amarrado como um bandido, levaram-no ao patíbulo, onde o
crucificaram. O Apóstolo, cheio da fé e da fortaleza que o Espírito Santo lhe infundia,
padeceu e morreu serenamente, e – segundo a tradição – teve o detalhe delicado
de pedir que o crucificassem de cabeça para baixo, pois se considerava indigno
de morrer como o seu Senhor Jesus.
Uma
primeira mensagem
Prestando
atenção a essa profecia de Jesus, reparamos que nela há duas
mensagens. Uma encerra-se no modo em que Jesus alude à morte.
A outra, no É modo como alude ao sofrimento, à Cruz.
Detenhamo-nos um pouco em ambas. Desde já, é importante perceber que Jesus fala
da morte e da dor com tanta naturalidade que é evidente que não pensa que
nenhuma das duas seja uma coisa terrível, ruim. Isso faz pensar.
Mensagem
sobre a morte. A própria naturalidade – naturalidade séria e grave, mas serena
– com que Jesus fala da morte revela que, para Nosso Senhor, a morte não é nem
uma tragédia nem o fim de tudo. Ele mesmo dissera que morrer é chegar passar
para a casa do Pai (Cf. Jo 14,2). Quer dizer que a vida nesta terra é apenas um
caminho – bem curto, por sinal – ; deve ser uma passagem que encaminha para
a meta definitiva, que é o Céu, a união plena e feliz com Deus e o convívio com
os amigos de Deus por toda a eternidade. Este é o verdadeiro fim e destino do
homem.
Isso é
algo que Pedro, sob a luz da fé e a graça do Espírito Santo, compreendeu muito
bem, como se reflete nesse trecho da sua primeira carta aos fiéis
cristãos: Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Na sua
grande misericórdia, ele fez-nos renascer, pela ressurreição de Jesus Cristo
dentre os mortos, para uma viva esperança, para uma herança incorruptível,
incontaminável e imarcessível, reservada para vós nos céus. (1 Pedr
1,3-4).
E, na
segunda carta, falando da vocação cristã, diz com serena clareza: Portanto,
irmãos, cuidai cada vez mais de assegurar a vossa vocação [...]. Assim
vos será aberta largamente a entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo (2 Pedr 1,10-11).
O
triunfo, a realização autêntica da vida é a salvação eterna, é ser santo, é ir
para o Céu. Que adianta – dizia Jesus – alguém ganhar
o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma (Mat 16,26).
Sem olhar para a vida
eterna, todas as grandezas e conquistas deste mundo são pó e vento que passa.
Mais ainda, uma vida carregada de “realizações”, mas virada de costas para
Deus, é como um navio ricamente equipado, que navega com cargas valiosíssimas,
mas não tem destino, não chegará a porto algum; seu destino consistirá em girar
no redemoinho e afundar no abismo.
Uma
segunda mensagem
A segunda
mensagem é a serenidade com que Jesus fala da dor – do martírio de Pedro – como
de um bem, considerando-o como um modo de amar e de glorificar a Deus (Cf.
Jo 21, 19).
O próprio
Pedro chegará a ver o sofrimento, sob a luz poderosa da fé e do amor, como um
verdadeiro tesouro. Àqueles cristãos do século primeiro, perseguidos de morte
pelo Imperador (muitos foram queimados vivos como tochas, quando Nero incendiou
Roma), escrevia-lhes dizendo que seus padecimentos eram a prova a que é
submetida a vossa fé, mais preciosa do que o ouro perecível (1 Ped
1,7). E exortava-os deste modo: Alegrai-vos de ser participantes dos
sofrimentos de Cristo, para que vos possais alegrar e exultar no dia em que for
manifestada a sua glória (1 Ped 4,13). Referindo-se ainda
a Jesus, acrescentava com palavras tocantes: Este Jesus vós o amais,
sem o terdes visto; credes nele sem o verdes ainda, e isto é para vós a fonte
de uma alegria inefável e gloriosa (1 Ped 1,8).
Ao
meditar nessa fé dos que conheceram Cristo e os Apóstolos, causam-nos imensa
pena aqueles que são incapazes de entender a grandeza do fim sobrenatural da
nossa vida – Deus, o amor que dá sentido a tudo, o Céu – e vivem exclusivamente
atrás do prazer, da ambição e da vaidade: balões ocos, furados, que a morte vai
queimar. Só a alma iluminada pela luz do Espírito Santo pode compreender o
paradoxo, incompreensível para um materialista, de que amar a Cruz – a Cruz-amor de
Cristo e do cristão – é o segredo para se ser feliz, não só no Céu, mas já
antes na terra. Mas este é um tema bem profundo, que agora ultrapassa a nossa
reflexão [2].
Falta-nos ainda acompanhar a parte final do diálogo entre Cristo e Pedro que
estamos meditando.
Uma
passagem alegre e fecunda
Depois
das palavras sobre o futuro de Pedro, houve mais um diálogo interessantíssimo.
O apóstolo Pedro, voltando-se para trás, viu que o seguia aquele
discípulo que Jesus amava – João, o narrador destas cenas – .
Vendo-o, Pedro perguntou a Jesus: “Senhor, e este? Que será dele?” Jesus
não lhe quis satisfazer a curiosidade, e respondeu-lhe de um modo aparentemente
seco: “Que te importa…? Tu, segue-me!” (Jo 21,20-22).
Digo que
é aparentemente seco, porque, entre Pedro e Jesus, havia uma confiança grande e
afetuosa, difícil para nós de calibrar. Podemos, contudo, imaginar Nosso Senhor
com um sorriso meio brincalhão, dizendo a Pedro algo assim: “Estamos falando
agora é da tua vida, da tua missão e da tua entrada no Céu, não da vida dos
outros. Cada filho de Deus tem a sua tarefa, a sua vocação própria. Deixa João
tranqüilo. É claro que também tenho uma missão reservada para ele, e não é nada
pequena (de fato João viveu até cerca dos cem anos, cuidou de Nossa Senhora,
difundiu a fé entre milhares de pessoas, escreveu o quarto Evangelho e três
Epístolas que fazem parte da Bíblia… nada menos!). Mas o que interessa é que
tu, Pedro, cumpras a tua missão pessoal. Por isso, te digo: Tu
segue-me!
Com
certeza, estas palavras – Tu, segue-me! – provocaram um
sobressalto no coração de Pedro, pois fora com esses mesmos termos que Jesus o
chamara, três anos antes, à beira do mesmo lago onde agora estavam, para se
tornar o seu apóstolo. O coração de Pedro deve ter acelerado. As lembranças do
dia da vocação devem ter-lhe voltado à memória, rodando com a nitidez de um
filme colorido.
Na
realidade, havia uma correspondência significativa – querida por Cristo – entre
aquele dia, já remoto, do primeiro chamado e esse dia do encontro com o
Ressuscitado. No dia da sua vocação, Jesus, antes de comunicar-lhe a chamada,
fez o prodígio da primeira pesca milagrosa, que São Lucas descreve no capítulo
quinto, e à qual já nos referimos. Naquele dia, após o milagre, Pedro
jogou-se aos pés do Senhor, e este disse-lhe: “Não temas; de agora em
diante serás pescador de homens” (Lc 5, 10). Era uma definição
simbólica da vocação do apóstolo, e é também uma definição da vocação
apostólica do cristão: Vinde após mim, e eu farei de vós pescadores de
homens (Mat 4,19).
A Igreja
nos ensina que todos os batizados temos uma vocação divina e uma missão a
realizar no mundo. Deus chama-nos a todos para sermos pescadores de
homens. Não podemos ficar pensando apenas na nossa santificação, na
nossa salvação. Não é cristão ficar fechado nas preocupações e sonhos pessoais.
Estamos chamados por Deus a envolver afetuosamente os outros – respeitando-lhes
sempre a liberdade – nas “redes” da nossa caridade, do nosso amor
fraterno, desse amor que deseja para todos o maior bem, isto é, trazê-los para
junto de Cristo, tal como os Apóstolos puseram aos pés de Jesus os centos e cinquenta
e três peixes grandes. Peixes que o próprio Jesus fez questão de que
simbolizassem as almas: farei de vós pescadores de homens!
Perguntemo-nos,
à vista disso, quantos parentes, amigos, colegas, conhecidos já levamos nós aos
pés de Cristo, à alegria de se encontrarem com o olhar de Cristo, com a palavra
de Cristo, com o Coração de Cristo; à felicidade de descobrirem junto de Jesus
o amor que não acaba e que dá o sentido à vida?
O mar da
Galiléia, para nós, é o mundo, e o “Pedro” atual, o Papa, no caso João Paulo
II, posto ao leme da barca da Igreja, nos deu como lema – para o novo milênio –
as mesmas palavras com que Jesus mandou Pedro pescar, naquele encontro do dia
da vocação: –Duc in altum! – Mar adentro! Deus quer que
recristianizemos o mundo!
Por
incrível que pareça, Deus, que é tudo e fez tudo, quer contar conosco para
estender pelo mundo os frutos da Redenção que Cristo conquistou para nós na
Cruz, ao preço do seu Sangue. Ele quer que o Reino de Deus também “dependa de
nós”: do nosso exemplo, do nosso empenho em difundir a doutrina cristã, do
nosso apostolado pessoal, feito com a palavra compreensiva, com a confidência
amiga, com o conselho leal.
“Mar
adentro! Sigamos em frente, com esperança! – escreveu João Paulo II na Carta
sobre o novo milênio – Diante da Igreja – dizia – abre-se um novo milênio como
um vasto oceano onde aventurar-se com a ajuda de Cristo […]. O mandato
missionário introduz-nos no terceiro milênio, convidando-nos a ter o mesmo
entusiasmo dos cristãos da primeira hora; podemos contar com a força do mesmo
Espírito que foi derramado no Pentecostes e nos impele hoje a partir de novo
sustentados pela esperança que não nos deixa confundidos (Rom
5,5)”.
Cheio de
um santo otimismo, o mesmo Papa, na sua Carta sobre o Rosário, escrevia que o
Cristianismo, “passados dois mil anos, nada perdeu do seu frescor original, e
sente-se impulsionado pelo Espírito de Deus a “fazer-se ao largo” – mar
adentro! – para reafirmar, melhor, para “gritar” Cristo ao mundo como
Senhor e Salvador, como “caminho, verdade e vida” , como “o fim da história
humana, o ponto para onde tendem os desejos da história e da civilização”.
Concluamos
esta reflexão. A vida tem como meta, certamente, o Céu. Mas, antes de chegarmos
ao Céu, é preciso que arregacemos as mangas e realizemos muitas coisas na
terra. Sobretudo, é preciso que ajudemos muitos a encontrarem e amarem a Deus,
porque Cristo nos deu essa missão no mundo e confia em nós.
[2] Cf. F.Faus: A sabedoria da Cruz, Ed. Quadrante, São Paulo 2001
Fonte: https://presbiteros.org.br/
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