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Desenho do mestre italiano seria também um autorretrato?
Para além do que recentes exames científicos já confirmaram sobre o polêmico “Cristo de Lecco”, desenho do século XVI pertencente a uma coleção italiana privada, suas características técnicas também nos sugerem fortemente que o mesmo seja um trabalho das mãos de Leonardo da Vinci.
Um exemplo é o uso do “sfumatto”, libertando o traço do plano 2-D e o elevando a um nível de notória transcendência 3-D. A segurança e firmeza dos mesmos traços, assim como a elegância do estilo, associadas à peculiar dignidade psicológica transmitida pelo olhar da figura do Cristo se autoimpõem como marcas autorais do próprio Leonardo. Estas peculiaridades são bastante similares ao que vemos em sua obra mais célebre, a “Mona Lisa” (executado em algum momento entre 1513-1517) – a mesma, também inserida nesta experiência meditativa do autor, quando em comparação com sua versão mais jovem, a “Mona Lisa de Isleworth”, de 1506.
Implicações filosóficas
O grande interesse de Leonardo pela busca de um ideal da beleza maior (ordem) residia sobre o princípio dual ou “dos opostos” nas coisas. Essa questão do dualismo nos remete a Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) e seus pensamentos sobre o cosmo e o uno, o devir e a harmonia. Em especial, na iconografia de Da Vinci que aborda o tema juventude-maturidade, vemos alguns exemplos de como tais implicações filosóficas o seduziam. Como exemplificado em meu livro “A Jovem Mona Lisa”, temos, então, aquele desenho conservado na Universidade de Oxford, Christ Church, do conjunto “Alegoria à política de Milão”, executado entre 1483 e 1487.
Ali, podemos achar uma composição denominada “O Espelho das Feiticeiras” onde, diante do artefato mágico, uma mulher se coloca, ao mesmo tempo, velha e jovem. Também surge aí um outro curioso desenho: a “Alegoria da Dor e do Prazer”, de 1480, onde se vê duas figuras masculinas – um rapaz e um senhor – que se projetam do mesmo corpo. A ideia aí é ilustrar a necessidade do prazer para a existência da dor, e da dor para a existência do prazer: ou seja, a questão dos unos e dos opostos.
Cristo de Lecco
Tendo em vista os tantos pontos de analogia, o “Cristo de Lecco”, poderá ser o contraponto mais jovem ao clássico “Autorretrato” da Biblioteca Real de Turim, juntando-se à iconografia dos opostos criada nas obras de Leonardo. Suas intenções com relação a esta versão intrigam: a imagem nos revelaria um rejuvenescimento sobre si mesmo ao se idealizar na imagem do Messias, e confrontando seu autorretrato como ancião.
Além disto, deve-se ter em mente que o desenho de Turim, na verdade, é uma projeção imaginada pelo artista para uma idade mais avançada que a que realmente atingiu: ele o executou por volta dos 60 anos (tendo morrido aos 67), enquanto que a obra lembra alguém pelo menos 15 anos mais velho. Esses dados indicam um conteúdo mais narrativo e conceitual do que figurativo ou naturalista para este autorretrato: isto é, junto com a versão de Lecco, poderíamos falar num discurso sobre a harmonia dos opostos.
Provável (auto) retrato de Da Vinci, o “Cristo de Lecco” seria o contraponto necessário ao celebre desenho mantido na Biblioteca Real de Turim?
A versão em Turim, finalmente, para Leonardo, só poderia ter existido se também houvesse outro ponto de equilíbrio por meio de uma versão anterior, sobre o qual ele pudesse exercer melhor um nível de pensamento além, onde os opostos orquestram o movimento da História e de toda a criação. E este contraponto é o que nos revela a descoberta de Lecco.
Se para Leonardo o núcleo da vida é a própria constância das inconstâncias, mudança e devir, a sanguínea de Lecco pode ser, então, um legado significante em forma de desenho: um testemunho da Arte como instrumento de meditação sobre os mistérios da roda invisível da vida.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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