Antonio Rosmini | Wikipedia |
O profeta da liberdade católica
Ele dialogou com os grandes homens de sua época; travou a batalha por aquele catolicismo liberal que mais tarde venceria a guerra na democracia ocidental típica da segunda metade do século XX; escreveu milhares de páginas de filosofia. Mas nada disso o teria salvo da censura, se não fossem os rosminianos
de Giuseppe De Rita
O frontispício do ensaio Das cinco chagas da
Santa Igreja, obra publicada pela primeira vez
por Rosmini em 1846, que seria inserida
no Índice em junho de 1849
O frontispício do ensaio Das
cinco chagas da Santa Igreja, obra publicada pela primeira vez por Rosmini
em 1846, que seria inserida no Índice em junho de 1849
Um mestre que só seus
discípulos salvaram de ser censurado na cultura e na Igreja. Esse foi o
misterioso mecanismo que, um século e meio depois, levou a Igreja a decidir
beatificar Antonio Rosmini.
Ao longo de sua vida, ele dialogou com os grandes homens de sua época, de
Carlos Alberto a Pio IX, passando por Manzoni; travou com vigor a batalha pelo
catolicismo liberal que mais tarde venceria a guerra na democracia ocidental
típica da segunda metade do século XX; e, especialmente, escreveu milhares de
páginas de filosofia, de cultura religiosa, de reflexão social. Mas nenhuma
dessas três presenças (a amizade dos grandes homens, o fato de ter profetizado
a “liberdade católica”, de ter escrito milhares de páginas) teria salvo Rosmini
do esquecimento e da rejeição. Ele teve muitos inimigos, especialmente dentro
da Igreja; era muito difícil, e continua a ser, entender seu pensamento;
muitos, estudiosos e membros do clero, preferiram considerá-lo inteligente
demais para as pobres mentes dos fiéis. Além de tudo isso, o Santo Ofício o pôs
de castigo, uma circunstância que acabou por ser um bom álibi para todos.
Se ele se salvou da censura generalizada e coletiva, deve-o principalmente aos
rosminianos, a seus discípulos do Instituto da Caridade, que ele criou,
tenazmente fiéis a sua maneira de ser Igreja, contra todo tipo de ostracismo.
Foram os rosminianos que, com suas escolas, formaram dezenas de milhares de
jovens usando uma filosofia de formação de cunho personalista e liberal,
implicitamente contraposta à pedagogia estatal totalizante ou à pedagogia
jesuítica militante (à qual, de resto, devo minha maneira de pensar). Foram os
rosminianos que continuaram com constância, durante décadas, mas sem um
protagonismo público, a levantar o problema da qualidade estrutural da Igreja,
propondo a leitura de As cinco chagas e, mais ainda, afirmando
o primado espiritual de sua liberdade sobre o poder temporal. Foram os
rosminianos que escolheram dialogar com aquela parte da elite cultural italiana
que durante décadas cultivou um espírito democrático, um senso de convivência coletiva,
um fôlego cotidiano de caridade espiritual; posso dar testemunho do prestígio
“elitista” que cercava padre Bozzetti nos anos do pós-guerra, e muitos podem
testemunhar a forte influência que Clemente Riva teve sobre uma parte
importante da mais recente classe dirigente italiana.
Foram os rosminianos, portanto, teimosamente convencidos de que estavam certos,
mesmo nos períodos de maior frustração, que salvaram Rosmini de um potencial (e
por muitos desejado e provocado) esquecimento. Palmas, portanto, para eles. Mas
palmas também para seu fundador, se é verdade que os líderes são reconhecidos
por seus seguidores: no fundo, foi a profundidade de seu pensamento
(inesgotável, para quem teve contato com ele) que tornou poderosa a vontade dos
rosminianos de dar testemunho dele. Como dizia Buber, “é a raiz que sustenta”.
Escolher quais dos componentes dessa “raiz” têm maior importância relativa é
uma coisa difícil, mas, como “diletante agregado” do mundo rosminiano,
parece-me que Rosmini e os rosminianos tiveram razão a respeito de quatro
grandes temas, primeiramente ao insistir neles contra tantos adversários e,
além disso, fazendo que pouco a pouco penetrassem na consciência coletiva,
mesmo sem um protagonismo público e midiático próprio.
O primeiro tema é o da liberdade religiosa. Depois do Concílio Vaticano II,
parece uma opção óbvia. Mas olhemos para os tempos de Rosmini, quando o Estado
da Igreja e o pontífice soberano ainda existiam, e ninguém certamente se
escandalizava com isso, já que estava escrito no Estatuto Albertino que o
catolicismo era “religião de Estado”. O único que reagiu duramente contra isso
foi Rosmini, que escreveu: “A religião católica não precisa de proteções
dinásticas, mas de liberdade. Precisa de que sua liberdade seja protegida, nada
além disso”. A Igreja, sendo sociedade natural e espontânea, não se condensa no
poder, mas infiltra-se e penetra por toda parte, como o ar e a água; só
necessita não ser coagida. A fé entra nos corações sem passar por poderes de
cúpula. Não foram muitos os que, nas décadas marcadas pelo Vaticano I, tiveram
a coragem de fazer afirmações desse tipo.
O segundo grande tema rosminiano foi a liberdade do papado ante seu poder
temporal. Em outra oportunidade lembrei uma carta de Rosmini ao cardeal
Castracane, de 1848, na qual ele escrevia: “Se ocorresse a unidade federativa
da Itália, o sumo pontífice seria um príncipe totalmente pacífico, e enviaria
núncios para as questões espirituais; e os enviaria, ainda por cima, não aos
príncipes, mas às Igrejas do mundo todo”. Ele enxergou bem, e os fatos lhe
deram razão, pois correspondem hoje a essa opção, feita por ele, repito, em
1848, ou seja, mais de vinte anos antes da unificação nacional de 1870.
Os dois temas para os quais chamei a atenção até aqui (liberdade religiosa e
afastamento do poder temporal) ligam-se subterraneamente a outro grande tema
rosminiano: a recusa a estar sob o domínio do poder político, a grande opção
que fez de Rosmini o porta-bandeira italiano do catolicismo liberal, e – se o
termo não perturbar a ninguém – do catolicismo democrático. Sempre apreciei
muito sua recusa a estar sob uma “autoridade que não cria sociedade, mas
domínio e servidão”, até porque ligo essa frase a uma outra, que diz que “a
construção da sociedade é um conjunto de ações e uma pluralidade de pessoas”,
na qual se percebe o início da temática do pluralismo cultural e político e do
“desenvolvimento do povo” que caracterizou a democracia italiana nas últimas
décadas.
O primeiro tema é o da liberdade
religiosa. Depois do Concílio Vaticano II, parece uma opção óbvia. Mas olhemos
para os tempos de Rosmini, quando o Estado da Igreja e o pontífice soberano
ainda existiam, e ninguém certamente se escandalizava com isso, já que estava
escrito no Estatuto Albertino que o catolicismo era “religião de Estado”
Nesta altura, dá para imaginar o quanto eu gostaria de me embrenhar pelos outros percursos que essas temáticas abrem: o valor da subjetividade individual como grande motor social, quando não se deixa tentar pelo subjetivismo ético; o valor da relação como percurso de vidas que não se fecham pondo-se a si mesmas como centro, de maneira narcisista e/ou por lendo-os e levando-os, com o tempo, a serem temas não de uma minoria rejeitada, mas de uma ala da Igreja que marcha em sua evolução histórica nos últimos cento e sessenta anos. Foram humildemente fiéis à Igreja e a seu fundador e profeta; merecem todos eles, mesmo os que já não estão entre nós, sentir como uma vitória sua o fato de terem chegado à meta da beatificação.
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