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Os dons do Espírito Santo
Em síntese: Os dons do Espírito
Santo são como “receptores” aptos a captar os impulsos do Espírito mediante os
quais o cristão se encaminha para a perfeição em estilo novo ou com a eficácia
que o próprio Deus lhe confere. Possibilitam ao cristão ter a intuição profunda
do significado das verdades reveladas por Deus assim como de cada criatura.
Proporcionam também tomadas de atitude que nem a razão natural nem as virtudes
humanas, sujeitas sempre a hesitações e falhas, conseguiriam indicar ou
efetivar.
Para ilustrar o que são os dons,
pode-se recorrer à imagem de um barco que navega: se é movido a remos,
avança lenta e penosamente, com grande esforço para os remadores. Caso,
porém, estes desdobram as velas do barco para que capte o sopro dos ventos
favoráveis, os remadores descansam e o barco progride em estilo novo segundo
velocidade “sobre-humana”. – Ora o barco movido ao sopro do vento que bate
contra as velas, é imagem do cristão impelido pelo Espírito, segundo medidas
divinas, para a meta da sua santificação.
Os dons do Espírito Santo são
sete, segundo a habitual recensão dos teólogos: sabedoria, entendimento,
ciência, conselho, fortaleza, piedade, temor de Deus. Para se beneficiar da
ação do Espírito Santo, o cristão deve dispor-se de duas maneiras principais:
a) cultivando o amor, pois é o amor que propicia afinidade com Deus e, por
conseguinte, torna o cristão apto a ser movido pelo Espírito de Deus; b)
procurando jamais dizer um Não consciente e voluntário às
inspirações do Espírito. Quem se acostuma a viver assim, cresce mais velozmente
na sua estatura definitiva e se configura mais fielmente ao Cristo Jesus.
* * *
Em nossos dias a renovação da
oração e da espiritualidade cristãs apela freqüentemente para a ação do
Espírito Santo nos corações. Muitos fiéis se tornam conscientes de que “ninguém
pode dizer “Jesus Cristo é o Senhor” senão sob a moção do Espírito Santo” (cf.
1Cor 12, 3), sabem cada vez mais que “todos os que são movidos pelo Espírito de
Deus, são filhos de Deus” (cf. Rm 8, 14). A consciência destas verdades vem
despertando cada vez mais a atenção para a teologia espiritual. É, pois,
oportuno procurarmos conhecer melhor as maneiras como o Espírito Santo age nos
corações, descrevendo os seus dons e o significado destes na vida dos filhos de
Deus.
1. Que são os dons do Espírito
Santo?
1. Do início, é preciso propor a
distinção que a Teologia costuma fazer entre dons e carismas (embora
a palavra charisma em grego significa dom).
Por carismas entendem-se
graças especiais pelas quais o Espírito Santo torna os cristãos aptos a
tarefas e funções que contribuem para o bem ou o serviço da comunidade: assim
seriam o dom de profecia, o das curas, o das línguas, o da interpretação das
línguas… Os carismas têm por vezes (não sempre) índole extraordinária, como no
caso de certas curas ou da glossolalia.
Por dons compreendem-se
faculdades outorgadas ao cristão para seguir mais seguramente os impulsos do
Espírito no caminho da perfeição espiritual. Os dons e seus efeitos são
discretos, não chamando a atenção do público por façanhas portentosas.
2. Para entender melhor o que
sejam os dons do Espírito, recorramos a uma analogia:
Quando uma criança nasce para a
vida presente, é dotada por Deus de tudo que é necessário à sua existência
humana: recebe, sim, um organismo completo e uma alma portadora de faculdades
típicas do ser humano. Como se compreende, esse conjunto ainda não esta plenamente
desenvolvido quando o bebê vem ao mundo, mas é certo que a criança possui tudo
que constitui a pessoa humana.
Ora algo de análogo se dá na vida
espiritual. Diz-nos Jesus que renascemos da água e do Espírito Santo pelo
batismo (cf. Jo 3, 5). Este renascer importa receber uma vida nova, a vida dos
filhos de Deus, trazida pela graça santificante. Essa vida nova tem suas
faculdades próprias, que são:
1) as virtudes infusas
a) teologais (fé, esperança,
caridade): virtudes que nos põem em contato imediato com Deus;
b) morais (prudência, justiça,
temperança, fortaleza): virtudes que orientam o comportamento do cristão frente
aos valores deste mundo;
2) os dons do Espírito Santo,
“receptáculos” próprios para captar as moções do Espírito Santo.
Importa salientar bem a diferença
entre as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo.
As virtudes infusas são ditas
infusas porque não adquiridas pelo homem. São princípios de reta outorgados ao
cristão juntamente com a graça santificante, para que se comporte não apenas
como ser racional, mas como filho da Deus, elevado a ordem sobrenatural1. Os critérios de conduta do
cristão são as grandes verdades da fé ou da ordem sobrenatural (que nem sempre
coincidem com os da razão); por isto é que, ao renascer como filho de Deus,
todo homem recebe os respectivos princípios de conduta nova, que são as
virtudes infusas. Destas, três se orientam diretamente para Deus (a fé, a
esperança e a caridade) e quatro se orientam para o reto uso dos bens deste
mundo (prudência, justiça, temperança, fortaleza). Quando o cristão age
mediante as virtudes infusas, é ele mesmo quem age segundo moldes humanos,
limitados, lutando contra os obstáculos que geralmente a prática do bem
encontra; de maneira lenta e trabalhosa o cristão cresce na fé, na caridade, na
temperança, na fortaleza…, estando sempre sujeito a contradizer-se ou a cometer
um ato incoerente com tais virtudes.
É sobre este fundo de cena que se
devem entender os dons do Espírito Santo. Estes podem ser comparados a
faculdades novas ou “antenas” que nos permitem apreender moções do Espírito
Santo em virtude das quais agimos segundo um estilo novo, certeiro, firme, sem
hesitação alguma e com toda a clarividência. Esta afirmação pode-se tornar mais
clara mediante algumas comparações:
a) Imaginemos um barco que navega
a remos… Adianta-se lentamente e com grande esforço e fadiga por parte dos
remadores. Caso, porém, este barco tenha velas dobradas, admitamos que os
remadores resolvam desdobrá-las, a fim de captar o vento que lhes é favorável.
Em conseqüência, os marujos deixarão de remar, e o mesmo barco será movido a
velocidade “sobre-humana”, de maneira nova a muito mais veloz do que quando
movido a remos.
Ora o “mover-se a remos”
corresponde ao esforço humano (sempre prevenido pela graça) para progredir na
prática do bem mediante as virtudes infusas. O “deixar-se mover pelo vento que
bate nas velas desdobradas”, corresponde ao progresso provocado pela ação
direta do Espírito Santo, que move os seus dons (= velas) em nós; progredimos
então muito mais rapidamente segundo um estilo novo.
b) Eis outra comparação:
admitamos um pintor genial que se dispõe a realizar uma obra-mestra. Para
iniciar, ele confia aos discípulos mais adiantados o trabalho de preparar a
tela, combinar as cores e esquematizar o quadro. Quando tudo está preparado e
começa a parte mais importante da obra, o próprio mestre traça as linhas
finíssimas de sua obra, revelando o seu gênio e cristalizando a sua inspiração.
– De maneira análoga, o Espírito traça no íntimo de cada cristão a imagem do
Cristo Jesus. Os inícios desta tarefa, Ele os realiza mediante a nossa
colaboração, permitindo-nos agir segundo os nossos moldes humanos (ou mediante
as virtudes infusas). Quando, porém, se trata dos traços mais típicos do Cristo
na alma humana, o próprio Espírito assume a tarefa da os delinear utilizando
instrumentos especialmente finos a preciosos, que são seis dons.
Exemplificando, diremos: o homem
prudente que, para a orientação de seus atos, só dispusesse de suas qualidades
naturais e da virtude infusa da prudência, acertaria realmente, mas com grande
lentidão, depois de várias tentativas. A prudência humana é insegura e tímida,
mesmo quando acerta. – Ao contrário, quem age sob o influxo do dom do conselho,
que corresponde à virtude da prudência, descobre de maneira rápida, certeira e
firme o que deve fazer em cada caso.
Eis outro exemplo: quando o
cristão se eleva, pela luz da fé, ao conhecimento de Deus, ele o faz de maneira
imperfeita e laboriosa, recorrendo a imagens que são, ao mesmo tempo, claras e
obscuras. – Dado, porém, que o cristão seja movido pelo Espírito mediante os
dons de sabedoria e inteligência, ele contempla Deus e seu plano salvífico numa
lúcida concatenação de idéias em poucos instantes e com grande sabor espiritual
(em vez dos esforços exigidos pela virtude da fé).
As normas das virtudes são
diferentes das normas dos dons. Quem age sob o influxo das
virtudes, segue a norma do homem iluminado pela luz de Deus. Mas quem age sob o
influxo dos dons do Espírito, segue a norma do próprio Deus participada ao
homem.
3. Note-se que os dons do
Espírito não são privilégio dos santos. Todos os cristãos os recebem no
Batismo. Nem são necessários apenas às grandes obras, mas tornam-se
indispensáveis à santificação do cristão mesmo na vida cotidiana.
O cristão pode permitir cada vez
mais a ação do Espírito Santo em sua vida mediante os dons, caso se dedique
especialmente ao cultivo das virtudes (principalmente da caridade) e se torne
mais e mais dócil às inspirações do Espírito Santo. A prática do amor é
importante, pois é o amor que nos comunica particular afinidade com Deus,
adaptando-nos ao modo de agir do próprio Deus.
Procuramos agora penetrar no
sentido próprio de cada um dos dons do Espírito.
2. Os dons em particular
A Tradição cristã costuma
enunciar sete dons do Espírito, baseando-se no texto de Is 11,1-3 traduzido
para o grego na versão dos LXX:
” 1 Brotará uma vara do tronco
de Jessé
E um rebento germinará das suas
raízes.
2E repousará sobre ele o espírito
do Senhor:
Espírito de sabedoria e
entendimento,
Conselho e fortaleza,
Ciência e temor de Deus,
3Piedade…”
O texto original hebraico, em
lugar de piedade, dá a ler; “Sua inspiração estará no temor
do Senhor“. Enumerando seis ou sete dons do Espírito, o texto
bíblico não tenciona esgotar a realidade dos mesmos: estes são tantos quantos
se fazem necessários para que o Espírito leve o cristão à perfeição definitiva.
Os sete dons enumerados pelo texto dos LXX e pela Tradição vêm a ser, sem
dúvida, os principais. Distingamo-los de acordo com a faculdade humana em que
cada qual se situa:
Intelecto: ciência, entendimento, sabedoria,
conselho.
Vontade: piedade.
Apetite irascível: fortaleza.
Apetite de cobiça: temor de Deus.
Passemos agora à análise de cada
qual de per si.
2.1. Ciência
A ciência humana perscruta o
universo e seus fenômenos, procurando as causas imediatas destes e
concatenando-as entre si para ter uma explicação mais ou menos clara da
realidade.
Ora o dom da ciência, embora não
defina a natureza e as propriedades físicas ou químicas de cada criatura, faz
que o cristão penetre na realidade deste mundo sob a luz de Deus, vê cada
criatura como reflexo da sabedoria do Criador e como aceno ao Supremo Bem.
Mais: o dom da ciência leva o
homem a compreender, de um lado, o vestígio de Deus que há em cada ser criado,
e, de outro lado, a exigüidade ou insuficiência de cada qual.
Vestígio de Deus… São Francisco de Assis soube
ouvir e proclamar o canto das criaturas ao Senhor. As flores, as aves, a
água, o fogo, o sol… tudo lhe era ocasião de contemplar e amar a Deus.
Exigüidade… Toda criatura, por mais
bela que seja, é sempre limitada e insuficiente para o coração humano. Este
foi feito para o Bem infinito e só neste pode repousar. Percebendo isto após
uma vida leviana, muitos homens e mulheres se converterem radicalmente a Deus.
Tal foi o caso de S. Francisco Borja (+ 1572), que ao contemplar o cadáver da
rainha Isabel, exclamou: “Não voltarei a servir a um senhor que possa morrer!”
Tal foi outrossim o caso de S. Silvestre (+ 1267)… Estes cometeram a “loucura”
de tudo deixar a fim de possuir mais plenamente uma só coisa: o Reino de Deus
ou a presença do próprio Deus.
O dom da ciência ensina também a
reconhecer melhor o significado do sofrimento e das humilhações; estes
“contra-valores”, no plano de Deus, têm o valor de escola que liberta e
purifica o homem. Configuram o cristão a Jesus Cristo, concedendo-lhe um penhor
de participação na glória do próprio Senhor Jesus. Se não fora o sofrimento,
muitos e muitos homens não sairiam de sua estatura anã e mesquinha,… nunca
atingiriam a plenitude do seu desenvolvimento espiritual.
São estes alguns dos frutos do
dom da ciência.
2.2. Entendimento ou
inteligência
A palavra “inteligência” é,
segundo alguns, derivada de intellegere = intuslegere, ler dentro,
penetrar a fundo.
Na ordem natural, entendemos (intelligimus)
quando captamos o âmago de alguma realidade. Na linha da fé, paralelamente
entender é penetrar, ler no íntimo das verdades reveladas por Deus, é ter a
intuição do seu significado profundo. Pelo dom do entendimento, o cristão
contempla com mais lucidez o mistério da SS. Trindade, o amor do Redentor para
com os homens, o significado da S. Eucaristia na vida cristã….
A penetração outorgada pelo dom
da inteligência (ou do entendimento) difere daquela que o teólogo obtém
mediante o estudo; esta é relativamente penosa e lenta; além do que, pode ser
alcançada por quem tenha acume intelectual, mesmo que não possua grande amor.
Ao contrário, o dom da inteligência é eficaz mesmo sem estudo; é dado aos
pequeninos e ignorantes, desde que tenham grande amor a Deus.
Para ilustrá-lo, conta-se que um
irmão leigo franciscano disse certa vez a S. Boaventura (+ 1274), o Doutor
Seráfico: “Felizes vós, homens doutos, que podeis amar a Deus muito mais do que
nós, os ignorantes!” Respondeu-lhe Boaventura: “ Não é a doutrina alcançada nos
livros que mede o amor, uma pobre velha ignorante pode amar a Deus mais do que
um grande teólogo, se estiver unida a Deus”. O irmão compreendeu a lição e saiu
gritando pelas ruas: “Velhinha ignorante, você pode amar a Deus mais do que o
mestre Frei Boaventura!”
O irmão dizia a verdade. Na ordem
natural, é compreensível que o amor brote do conhecimento. Na ordem
sobrenatural, porém, pode acontecer o inverso: é o amor que abre os olhos do
conhecimento. Os que mais amam a Deus, são os que mais profundamente dissertam
sobre Ele.
Como frutos do dom do
entendimento, podemos enunciar as intuições das verdades da fé que são
concedidas a muitos cristãos durante o seu retiro espiritual ou no decurso de
uma leitura inspirada pelo amor a Deus. O “renascer da água e do Espírito”, a
imagem da videira e dos ramos, o “seguir a Cristo” tomam então clareza
nova, apta a transformar a vida do cristão.
O dom do entendimento manifesta
também o horror do pecado e a vastidão da miséria humana. Por mais paradoxal
que pareça, é preciso observar que os santos, quanto mais se aproximaram de
Deus (ou quanto mais foram santos), tanto mais tiveram consciência do seu
pecado ou da sua distância daquele que é três vezes santo.
Em suma, o dom do entendimento
faz ver melhor a santidade de Deus, a infinidade do seu amor, o significado dos
seus apelos e também… a pobreza, não raro mesquinha, da criatura que se compraz
em si mesma, em vez de aderir corajosamente ao Criador.
2.3. O dom da sabedoria
Na ordem natural do conhecimento,
a inteligência humana não se contenta com noções isoladas, mas procura reunir
suas concepções numa síntese sistemática, de modo a concatená-las numa visão
harmoniosa. A mente humana procura atingir os primeiros princípios e as
causas supremas de toda a realidade que ela conhece.
Ora a mesma sistematização
harmoniosa ocorre também na ordem sobrenatural. O dom da ciência e o
entendimento já proporcionam uma penetração profunda no significado de cada
criatura e de cada verdade revelada respectivamente; oferecem também uma certa
síntese dos objetos contemplados, relacionando-os com o Supremo Senhor, que é
Deus. Todavia o dom que, por excelência, efetua essa síntese harmoniosa e
unitária, é o da sabedoria. Esta abrange todos os conhecimentos do cristão e os
põe diretamente sob a luz de Deus, mostrando a grandeza do plano do Criador e a
insondabilidade da vida daquele que é o Alfa e o Ômega de toda a criação.
Mais: o dom da sabedoria não
realiza a síntese dos conhecimentos da fé em termos meramente intelectuais. Ele
oferece um conhecimento sápido ou saboroso da verdade1 …Saboroso ou deleitoso,
porque se deriva da experiência do próprio Deus feita pelo cristão ou da
afinidade que o cristão adquire com o Senhor pelo fato de mais a mais amar a
Deus. Uma comparação ajudará a compreender tal proposição: para conhecer o
sabor de uma laranja, posso consultar, intelectual e cientificamente, os
tratados de Botânica; terei assim uma noção aproximada do que seja esse sabor.
Mas a melhor via para conseguir o objetivo será, sem dúvida, a experiência da
própria laranja que se faz pelo paladar. Os resultados do estudo meramente
intelectual são frios e abstratos, ao passo que as vantagens da experiência são
concretas e saborosas.
Ora, na verdade, os dons da
ciência e do entendimento fazem-nos conhecer principalmente por via de amor ou
de afinidade com Deus. Todavia é o dom da sabedoria que, por excelência,
resulta dessa conaturalidade ou familiaridade com o Senhor. Ele se exerce na
proporção da íntima união que o cristão tenha com o Senhor Deus. “O dom da
sabedoria faz-nos ver com os olhos do Bem-amado”, dizia um grande
místico; a partir da excelsa atalaia que é o próprio Deus, contemplamos todas
as coisas quando usamos o dom da sabedoria.
Estas verdades dão a ver quanto
nesta vida importa o amor de Deus. É este que propicia o conhecimento mais
perspicaz e saboroso do mesmo Deus (o que não quer dizer que se possa
menosprezar o estudo, pois, se o Criador nos deu a inteligência, foi para que a
apliquemos à verdade por excelência, que é Deus). Aliás, observam muito a
propósito os teólogos: veremos a Deus face-a-face por toda a eternidade na
proporção do amor com que o tivermos amado nesta vida. O grau do nosso amor, na
hora da morte, será o grau da nossa visão de Deus na vida eterna ou por todo o
sempre. É por isto que se diz que o amor é o vínculo ou o remate da perfeição
(cf. Cl 3, 14). “No ocaso de sua vida, cada um de nós será julgado na base do
amor”, diz S. João da Cruz.
2.4. Conselho
Afirmam os teólogos que Deus não
deixa faltar às suas criaturas o que lhes é necessário, nem é propenso a dons
supérfluos, pois Deus tudo faz com número, peso e medida (cf. Sb 11, 20). Em
tudo resplandece a sua sabedoria. Por isto é que Deus é providente, ou seja,
Ele providencia os meios para que cada criatura chegue retamente ao seu
fim devido.
Ora acontece que, para
realizarmos determinada atividade, exercemos um processo mental que tem por
objetivo examinar cuidadosamente não só a conveniência dessa atividade, mas
também todas as circunstâncias em que ela se deve desenrolar. Muitas vezes esse
processo se efetua sem que dele tomemos plena consciência. Quanto, porém, nos
vemos diante de uma tarefa rara ou mais exigente do que as de rotina, o
processo deliberativo é mais intenso e, por isto, se torna mais consciente; a
mente se esforça por ver claro e fazer a opção mais adequada, sem que, porém, o
consiga de imediato. Não raro é necessário recorrer ao conselho de outra pessoa
mais experimentada.
É por efeito da virtude (natural
e infusa) da prudência que cada cristão delibera sobre o que deve e não deve
fazer. É a prudência que avalia os meios em vista do respectivo fim.
Pois bem. Em correspondência à
virtude da prudência, existe um dom do Espírito Santo, chamado “dom do
conselho”. Este permite ao cristão tomar as decisões oportunas sem a fadiga e a
insegurança que muitas vezes caracterizam as deliberações da virtude da
prudência. Esta por si não basta para que o cristão se comporte à altura da sua
vocação de filho de Deus,… vocação que exige simultaneamente grande cautela ou
circunspecção e extrema audácia ou coragem. Nem sempre a virtude humana entrevê
nitidamente o modo de proceder entre polos antitéticos. A criatura, limitada
como é, nem sempre consegue conhecer adequadamente o momento presente, menos
ainda é apta a prever o futuro e – ainda – sente dificuldade em aplicar os
conhecimentos do passado à compreensão do presente e ao planejamento do futuro.
É preciso, pois, que o Espírito Santo, em seu divino estilo, lhe inspire a reta
maneira de agir no momento oportuno e exatamente nos termos devidos.
Assim o dom do conselho aparece
como um regente de orquestra que coordena divinamente todas as faculdades do
cristão e as incita a uma atividade harmoniosa e equilibrada. Imagine-se com
que circunspecção (cautela e audácia) um maestro rege os múltiplos instrumentos
de sua orquestra: assinala a cada qual o momento preciso em que deve entrar e
os matizes que deve dar à sua melodia. Assim faz o Espírito mediante o dom do conselho
em cada cristão.
Diz a Escritura que há um tempo
exato para cada atividade1;
fora desse momento preciso, o que
é oportuno pode tornar-se inoportuno.
Ora nem sempre é fácil discernir
se é oportuno falar ou calar, ficar ou partir, dizer Sim ou
dizer Não. Nem as pessoas prudentes, após muito refletir, conseguem
definir com segurança o que convém fazer. Ora é precisamente para superar tal
dificuldade que o Espírito move o cristão mediante o dom do conselho.
2.5. Piedade
Todo homem é chamado a viver em
sociedade, relacionando-se com Deus e com os seus semelhantes. Requer-se que
esse relacionamento seja reto ou justo. Por isto a virtude da justiça rege as
relações de cada ser humano, assumindo diversos nomes de acordo com o tipo de
relacionamento que ela deve orientar: é justiça propriamente
dita, sempre que nos relacionamos com aqueles a quem temos uma dívida
rigorosa; a justiça se torna religião desde que nos voltemos
para Deus; é piedade, se nos relacionamos com nossos pais, nossa
família ou nossa pátria; é gratidão, em relação aos benfeitores.
Ora há um dom do Espírito que
orienta divinamente todas as relações que temos com Deus e com o próximo,
tornando-as mais profundas e perfeitas: é precisamente o dom da piedade.
São Paulo implicitamente alude a este dom quando escreve: “Recebestes o
espírito de adoção filial, pelo qual bradamos: “Abá, ó Pai” (Rm 8, 15).
O Espírito Santo, mediante o dom da piedade, nos faz, como filhos adotivos,
reconhecer Deus como Pai.
E, pelo fato de reconhecermos
Deus como Pai, consideramos as criaturas com olhar novo, inspirado pelo mesmo
dom da piedade.
Examinemos de mais perto os
efeitos do dom da piedade.
Frente a Deus ele nos leva a
superar as relações de “dar e receber” que caracterizam a religiosidade
natural; leva a não considerar tanto os benefícios recebidos da parte de Deus,
mas, muito mais, o fato de que Deus é sumamente santo e sábio: “Nós vos damos
graças por vossa grande glória”, diz a Igreja no hino da Liturgia eucarística;
é, sim, próprio de um filho olhar a honra e a glória de seu pai, sem levar em
conta os benefícios que ele possa receber do mesmo. É o dom da piedade
que leva os santos a desejar, acima de tudo, a honra e a glória de Deus “… para
que em tudo seja Deus glorificado”, diz São Bento, ao passo que S. Inácio de
Loiola exclama: “… para a maior glória de Deus”. É também o dom da piedade que
desperta no cristão viva e inabalável confiança em Deus Pai,… confiança e
entrega das quais dá testemunho S. Teresinha de Lisieux na sua doutrina sobre a
infância espiritual.
O dom de piedade não incita os
cristãos apenas a cumprir seus deveres para com Deus de maneira filial, mas
leva-os também a experimentar interesse fraterno para com todos os seus
semelhantes. Típico exemplo deste sentimento encontra-se na vida de S.
Francisco de Assis: quando este, certo dia, sonhando com as glórias de um
cavaleiro medieval, avistou um leproso, sentiu-se impelido a superar qualquer
repugnância e a dar-lhe o ósculo que exprimia a fraternidade de todos os homens
entre si.
O dom de piedade, tornando o
cristão consciente de sua inserção na família dos filhos de Deus, move-o a
ultrapassar as categorias do direito e do dever, a fim de testemunhar uma
generosidade que não regateia nem mede esforços desde que sirva aos irmãos. É o
que manifesta o Apóstolo ao escrever: “Quanto a mim, de bom grado me
despenderei, e me despenderei todo inteiro, em vosso favor” (2Cor 12, 15).
2.6. Fortaleza
A fidelidade à vocação cristã
depara-se com obstáculos numerosos, alguns provenientes de fora do
cristão; outros, ao contrário, do seu íntimo ou das suas paixões. Por isto diz
o Senhor que “o Reino dos céus sofre violência dos que querem entrar, e
violentos se apoderam dele” (Mt 11, 12).
Ora, em vista da necessidade de
coragem e magnanimidade que incumbe ao cristão, o Espírito lhe dá o dom da
fortaleza. Esta nem sempre consiste em realizar vultosas e admiradas pelo
público, mas não raro implica paciência, perseverança, tenacidade,
magnanimidade silenciosas… Pelo dom da fortaleza, o Espírito impele o cristão
não apenas àquilo que as forças humanas podem alcançar, mas também àquilo que a
força de Deus atinge. É essa força de Deus que pode transformar os obstáculos
em meios; é ela que assegura tranqüilidade e paz mesmo nas horas mais
tormentosas. Foi ela que inspirou a S. Francisco de Assis palavras tão
significativas quanto estas: “Irmão Leão, a perfeita alegria consiste em
padecer por Cristo, que tanto quis padecer por nós”.
2.7. Temor de Deus
Para entender o significado desde
dom, distingamos diversos tipos de temor: a) o temor covarde ou da
covardia; b) o temor servil ou do castigo; c) o temor filial. Este
consiste na repugnância que o cristão experimenta diante da perspectiva de
poder-se afastar de Deus; brota das próprias entranhas do amor. Não se concebe
o amor sem este tipo de temor.
Com outras palavras: as virtudes
afastam, sim, o cristão do pecado, ajudando-o a vencer as tentações. Isto,
porém, acontece através de lutas, hesitações e, não raro, deficiências. Ora
pelo dom do temor de Deus a vitória é rápida e perfeita, pois então é o
Espírito que move o cristão a dizer Não à tentação.
O dom do temor de Deus se prende
inseparavelmente à virtude da humildade. Esta nos faz conhecer nossa
miséria; impede a presunção e a vã glória, e assim nos torna conscientes
de que podemos ofender a Deus; daí surge o santo temor de Deus. O mesmo dom
também se liga à virtude da temperança; esta modera a concupiscência e os
impulsos desordenados do coração; com ela converge o temor de Deus, que, por
impulso de ordem superior, modera os apetites que poderiam ofender a Deus.
Os santos deram provas sensíveis
de santo temos de Deus. Tenha-se em vista S. Luís de Gonzaga, que, conforme se
narra, derramou copiosas lágrimas certa vez quando teve que confessar suas
faltas,… faltas que, na verdade, dificilmente poderiam ser tidas como pecados.
Para o santo, essas pequeninas faltas eram sinais do perigo de poder um dia
afastar-se de Deus. Ora, para quem ama, qualquer perigo deste tipo tem
importância.
Eis, em grandes linhas, o
significado dos dons do Espírito Santo na vida cristã. São elementos valiosos
para o progresso interior, elementos que o Espírito mais e mais utiliza, se o
cristão procura amar realmente a Deus e ao próximo e jamais dizer um Não consciente
às inspirações da graça.
Revista “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Revista nº. 479, Ano 2002, Pág. 163.
1 Sobrenatural não
quer dizer portentoso ou maravilhoso, mas
designa o que ultrapassa as exigências de qualquer natureza criada,… o que é
dado gratuitamente por Deus. É sobrenatural, portanto, a elevação do homem à
filiação divina ou à comunhão de vida com o próprio Deus a fim de chegar à
visão de Deus face-a-face.
1 A palavra sabedoria vem
do saber, derivado do verbo latino sapere, que
significa “ter gosto de…” – O vocábulo português sabor se
origina do latino sapor, que é da mesma raiz que sapere”.
1 Eis o texto de Ecl 3,
1-8:
“Todas as coisas têm o seu tempo,
e tudo o que existe debaixo dos céus tem a sua hora.
Há tempo para nascer, e tempo
para morrer.
Tempo para plantar, e tempo para
arrancar o que se plantou.
Tempo para matar, e tempo para
dar vida.
Tempo para destruir, e tempo para
edificar.
Tempo para chorar, e tempo para
rir.
Tempo para se afligir, e tempo
para dançar.
Tempo para espalhar pedras, e
tempo para as ajuntar.
Tempo para dar abraços, e tempo
para se afastar deles.
Tempo para adquirir, e tempo para
perder.
Tempo para guardar, e tempo para
atirar fora.
Tempo para rasgar, e tempo para
coser.
Tempo para calar, e tempo para
falar.
Tempo para amar, e tempo para
odiar.
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