iCatólica |
Homilética: 33º Domingo do Tempo
Comum - Ano C: "É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!".
Estamos no penúltimo domingo
do Ano Litúrgico. A Palavra de Deus convida-nos a meditar no fim último do
homem, no seu destino além da morte. A meta final, para onde Deus nos conduz,
faz nascer em nós a esperança e a coragem para enfrentar as adversidades e
lutar pelo Advento do Reino.
O Profeta Malaquias fala do
juízo final, com acentos fortes: “Eis que virá o dia, abrasador como fornalha…”
(Ml 3, 19)
O texto do Evangelho ( Lc 21,
5-19 ) é uma parte dos famosos discursos escatológicos de Jesus. Podemos interpretá-lo
como anúncio de desventuras: aí se fala de guerras, revoluções, terremotos,
carestias e pestes. Na realidade, ao invés, é um anúncio de paz. As desventuras
– de acordo com o que o Evangelista Lucas diz à Igreja – continuarão a existir,
porque fazem parte integral da história humana; não foi Jesus que as trouxe, o
que Jesus trouxe foi, antes, a possibilidade de vencê-las mediante a fé em seu
nome: “Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É
permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” ( Lc21, 18-19 ).
O texto não pretende incutir
medo, falando do “fim do mundo”, mas fortalecer a esperança em Deus para
enfrentar os dramas da vida e da história; esperança que devemos ter ainda
hoje, apesar do que vemos…
São Paulo (2Ts 3, 7-12) fala da
comunidade de Tessalônica, perturbada por fanáticos que pregavam estar próximo
o fim do mundo, por isso não valia a pena continuar trabalhando. Paulo diz:
“Quem não quer trabalhar, também não deve comer…” (2Ts 3, 10). O Apóstolo
ressalta a importância do trabalho para a vida do homem.
A vida é realmente muito curta
e o encontro com Jesus está próximo. Isto ajuda-nos a desprender-nos dos bens
que temos de utilizar e aproveitar o tempo; mas não nos exime de maneira
nenhuma de dedicar-nos plenamente à nossa profissão no seio da sociedade. Mais
ainda: é com os nossos afazeres terrenos, ajudados pela graça, que temos de
ganhar o Céu.
Para imitar Cristo, que
trabalhou como artesão a maior parte de sua vida, longe de descuidar as tarefas
temporais, os cristãos “estão mais obrigados a cumpri-los, por causa da própria
fé, de acordo com a vocação a que cada um foi chamado (GS, 43).
Durante séculos, muitos
pensavam que, para serem bons cristãos, bastava-lhes uma vida de piedade sem
conexão alguma com as suas ocupações profissionais no escritório, na fábrica,
no campo, na Universidade… Muitos tinham, além disso, a convicção de que os
afazeres temporais, os assuntos profanos em que o homem está imerso de uma
forma ou de outra eram um obstáculo para o encontro com Deus e para uma vida
plenamente cristã. A vida oculta de Jesus veio ensinar-nos o valor do trabalho,
da unidade de vida, pois com o seu trabalho diário o Senhor estava também
redimindo o mundo.
O fiel cristão não deve
esquecer que, além de ser cidadão da Terra, também o é do Céu, e por isso deve
comportar-se entre os outros de uma maneira digna da vocação a que foi chamado,
sempre alegre, irrepreensível e simples, compreensivo com todos, bom
trabalhador e bom amigo, aberto a todas as realidades autenticamente humanas
(cf. Fl. 1, 27; 2, 3-4; 2, 15; 4,4).
É algo verdadeiramente humano
e nobre: ninguém quer morrer, ninguém quer ser enganado. E porque tantas
pessoas se empenharam em saber a data do fim do mundo? A curiosidade também é
algo assaz humana. Viver e conhecer a verdade são dois grandes desejos que
estão no coração de cada ser humano. Nisso se pode ver que o céu será a
realização de tudo isso: viveremos para sempre conhecendo e amando a Verdade,
que é Deus. Quando? Para cada um, logo após a sua morte haverá um juízo na qual
já se decidirá a sua sorte eterna (cfr. Hb 9,27). Para todos, na consumação dos
tempos, haverá um juízo universal que reafirmará a sentença do juízo particular
tendo em conta as consequências das nossas ações (cfr. Mt 25,31-46). Ambos os eventos
são desconhecidos quanto ao tempo de sua realização.
De todas as maneiras, e contra
qualquer teoria que pretenda saber mais que os desígnios do Altíssimo, no
Evangelho, Jesus nos deixa de sobreaviso: “vede que não sejais enganados.
Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e ainda: O tempo está próximo. Não
sigais após eles” (Lc 21,8). É verdade: Jesus voltará, ressuscitaremos com os
nossos corpos, seremos julgados, há prêmio (céu) e castigo (inferno), haverá um
novo céu e uma nova terra. Essas são verdades da nossa fé. Mas, quando
acontecerá? Em primeiro lugar, o Senhor nos diz que tenhamos cuidado para não
sermos enganados e depois nos diz que não sigamos os falsificadores da verdade.
Em outra passagem lemos: “vigiai, pois, porque não sabeis a hora em virá o
Senhor. (…) Por isso, estai também vós de preparados porque o Filho do homem
virá numa hora em que menos pensardes” (Mt 24,42-44). O importante é vigiar e
estar preparado sempre, isto é, em graça de Deus e praticando as obras da fé.
Diante das catástrofes Jesus
exorta à esperança: não ter medo… Esses sinais de desagregação do mundo velho
não devem assustar, pelo contrário são anúncio de alegria e esperança, de que
um mundo novo está por surgir. “Quando essas coisas começarem a acontecer,
levantem-se, ergam a cabeça, porque a libertação está próxima” (Lc 21, 28). A
vida do discípulo no mundo assume, de repente, um aspecto novo: é vida de
espera, por isso de vigilância; é vida de peregrinos a caminho, não de
domiciliados e de sedentários.
Quanto aos “presságios” do
Novo Testamento sobre o fim – difusão do Evangelho, anticristo, conversão dos
judeus –, parece que é preciso entendê-los como sinais enigmáticos presentes na
história entre a primeira e a segunda vinda de Cristo que ajudam os cristãos a
manter-se em estado de vigilância continua e a desejarem a vinda do Senhor. Há
uma presença permanente de Cristo na história que se culminará com a sua
Parusia gloriosa na consumação desses últimos tempos que estamos vivendo. Em
efeito, já estamos nos últimos tempos desde a Encarnação do Filho de Deus:
“Quando veio plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, que nasceu de uma
mulher e nasceu submetido a uma lei” (Gl 4,4).
“É permanecendo firmes que
ireis ganhar a vida” (Lc 21, 19). Aproveitemos o tempo! Diante das dificuldades
não nos deixemos levar pelo desânimo! Acreditemos na Vitória final do Reino de
Cristo.
Comentários
aos textos bíblicos
Leituras: Ml 3,19-20a; Sl 97; 2Ts
3,7-12; Lc 21,5-19
Meus caros irmãos e irmãs,
estamos prestes a concluir o ano litúrgico e bem às portas do tempo do advento,
no qual iremos nos preparar para o Natal do Senhor e também para a sua segunda
vinda. A primeira leitura (cf. Ml 3,19-20) e o Evangelho
(cf. Lc 21,5-19) incidem no tema escatológico propício destes últimos domingos. A
perícope evangélica nos oferece uma reflexão sobre o percurso que a Igreja é
chamada a percorrer até à segunda vinda de Jesus. A missão dos discípulos em
caminhada na história é comprometer-se na transformação do mundo, de forma que
a antiga realidade desapareça e nasça um novo Reino. Esse caminho será
percorrido com dificuldades e perseguições; mas os discípulos terão sempre a
ajuda e a força de Deus.
O Evangelho nos traz uma
profecia e uma promessa. A profecia é sobre o fim dos tempos. E a promessa é
sobre como o Senhor recompensará todos aqueles que se mantiverem fiéis à sua
Palavra. O evangelista São Lucas revela aos cristãos os
acontecimentos que surgirão: “Haverá grandes terremotos e, em diversos lugares,
fome e epidemias; surgirão fenômenos espantosos e grandes sinais no
céu” (v. 11). Estas palavras eram também usadas pelos
pregadores populares da época de Jesus, para ressaltar a queda do velho mundo,
ou seja, o mundo do pecado, do egoísmo, da exploração; e também para ressaltar
o surgimento de um mundo novo. A questão é, portanto, esta, no tempo
intermediário entre a queda de Jerusalém e a segunda vinda de Jesus, o Reino de
Deus irá se manifestando e nascerá um mundo novo: um mundo de esperança e de
felicidade.
No tempo de Jesus era bastante
comum a ideia de que o mundo antigo já estava muito corrompido e deveria
desaparecer, para que pudesse surgir um mundo novo. Pensava-se que,
na hora da passagem do mundo antigo para o novo, os homens seriam tomados por
um grande pavor, os povos e as nações se envolveriam em tumultos, violências,
doenças, calamidades e guerras.
Este modo de falar, estas
imagens, chamadas de apocalípticas, eram comuns no tempo dos apóstolos. Também
Jesus as usou para dizer aos seus discípulos que tinha chegado o tempo da passagem
do mundo antigo para o mundo novo. Trata-se de imagens que indicam
ao mesmo tempo anúncio de alegria e de esperança. Por esta razão, Jesus exorta
aos seus discípulos: “Não vos assusteis” (v. 9). E pouco depois recomenda:
“Quando começarem a acontecer estas coisas, reanimai-vos e levantai as vossas
cabeças; porque se aproxima a vossa libertação” (Lc 21,28).
Este discurso de Jesus é
sempre atual, também para nós deve ecoar esta exortação: “Prestai atenção para
não serdes enganados. Muitos virão em meu nome” (v. 8). Trata-se de um convite
ao discernimento. Com efeito, também hoje existem falsos pregadores, que
procuram substituir-se a Jesus; personagens que desejam atrair a si as mentes e
os corações. Jesus alerta: “Não os sigais!” (v. 8).
Os cristãos são advertidos
para as dificuldades e perseguições que marcarão a caminhada histórica da
Igreja pelo tempo, até à segunda vinda de Jesus. Contudo, lembra que os fiéis
não estarão sós, pois Deus estará sempre presente. Será com a força Divina que
eles enfrentarão os adversários e resistirão à tortura, à prisão e à morte;
será com a ajuda de Deus que eles poderão até resistir à dor pela traição de
seus próprios familiares e amigos. As palavras de alento deixadas pelo
evangelista São Lucas enfatizam a certeza de que Deus não abandona os seus
filhos. É essa presença constante e amorosa do Senhor que lhes permitirá
enfrentar as forças da morte. É essa força de Deus que levará os discípulos de
Jesus a vencer o desânimo, a adversidade e o medo, permitindo renascer a
esperança e a coragem para superar as adversidades do mundo
presente. É o percurso que todos nós somos chamados a percorrer, até
a segunda vinda de Jesus Cristo.
No meio de todos os desastres
e perseguições, Deus está conosco: “Nem um só cabelo cairá de vossas cabeças.
Pela vossa perseverança é que haveis de salvar-vos” (v. 18). Na alma
verdadeiramente cristã jamais morre a esperança. Mesmo quando tudo
parece obscuro, temos a certeza da presença sábia e misericordiosa de Deus.
O evangelista São Lucas põe os
cristãos de sobreaviso para as dificuldades e perseguições que marcarão a
caminhada histórica da Igreja pelo tempo fora, até à segunda vinda de Jesus.
Lucas lembra-lhes, contudo, que não estarão sós. Quando Lucas
escreve este texto, tem bem presente a experiência de uma Igreja que caminha e
luta na história para tornar realidade o “Reino” e que, nessa luta, conhece os
sofrimentos, as dificuldades, a perseguição e o martírio. As palavras de alento
que ele aqui deixa – sobretudo a certeza de que Deus está presente e não
abandona os seus filhos, devem constituir uma ajuda inestimável para esses
cristãos a quem o Evangelho se destina.
O discurso escatológico do
texto evangélico define, portanto, a missão da Igreja na história: dar
testemunho da Boa Nova e construir o Reino. Os discípulos nada deverão temer:
haverá dificuldades, mas eles terão sempre a ajuda e a força de Deus.
No texto do Evangelho
encontramos ainda a admoestação do Senhor: “Quando ouvirdes falar de guerras e
revoluções, não vos alarmeis; é preciso que estas coisas sucedam primeiro, mas
não será logo o fim” (v. 9). Como de fato, desde o início, a Igreja vive na
expectativa orante da vinda do seu Senhor, perscrutando os sinais dos tempos e
advertindo os fiéis de correntes religiosas, que cada vez anunciam a iminência
do fim do mundo. Mas o fim do mundo para cada um de nós pode ser
também a hora da nossa morte. Não falando quando isso acontecerá,
Jesus queria ensinar que devemos estar sempre vigilantes e preparados.
Diante deste contexto
podesurgir o perigo de um certo desânimo e a atividade diária do trabalho pode
perder o sentido perante esta iminente segunda vinda do Senhor, por isto,
alguns tessalonicenses estavam deixando o trabalho, para viver na ociosidade,
“ocupados em não fazer nada” (2Ts 3,11), por esta razão adverte São Paulo na
segunda leitura: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (2Ts 3,10).
São Paulo recorda o seu próprio exemplo de dedicação ao trabalho dia e noite,
para não ser um peso para ninguém (cf. 2Cor 11,8).
O trabalho tem o seu valor e
constitui uma participação da humanidade na ação criadora de Deus, a quem deve
imitar, não só pelo trabalho em si, mas também pelo descanso, já que Deus
apresentou ao homem a sua própria obra da criação sob a forma de trabalho e
descanso (cf. Gn 2,2). E nisto encontramos um eco na oração do Pai Nosso e nas
palavras de Jesus: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo
5,17).
Saibamos viver fielmente a
nossa vocação cristã, não tenhamos medo de dar o bom testemunho de Cristo, para
que possamos ser aprovados diante do juízo final. Nossa vida neste mundo é
semente de eternidade. Que o Senhor nos conceda a graça de vivermos a santidade
que nos fará ganhar o reino de Deus, e que a nossa vida esteja sempre cimentada
sobre uma fé firme e perseverante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário