A dignidade da família | Opus Dei |
A dignidade da família
O lar deve ser a primeira e principal escola, no
qual os filhos aprendem e vivem as virtudes humanas e cristãs.
13/04/2008
Ao finalizar a obra da criação do universo, no
sexto dia, “formou Javé Deus ao homem do pó da terra, e insuflou-lhe no rosto
alento de vida, e foi assim que o homem se tornou um ser vivo”[1]. Se em todas suas obras se havia alegrado, na
formação do gênero humano Deus se regozijou sobremaneira: viu que era “muito
bom” o que havia feito, testemunha a Escritura[2], como se o autor inspirado quisesse reafirmar
a peculiar ação divina na criação do homem, feito à imagem e semelhança do
Criador por sua alma espiritual e imortal. Não contente com isto, o Senhor
conferiu-lhe gratuitamente uma participação de sua mesma vida íntima: fez dele
filho seu e cumulou-o com os chamados dons preternaturais.
Para que os homens alcancem o Reino dos Céus, a Providência divina quis contar
com sua livre colaboração. E para que essa colaboração na transmissão da vida
não ficasse no vaivém de possíveis caprichos, o Senhor quis protegê-la mediante
a instituição natural do matrimônio[3], elevado logo depois por Cristo à dignidade
de sacramento.
A família — a grande família humana, e cada uma das
famílias que haveriam de compô-la — é um dos instrumentos naturais queridos por
Deus para que os homens cooperem ordenadamente em seu decreto Criador. A
vontade de Deus de contar com a família em seu plano salvador será confirmada,
com o correr dos tempos, através das distintas alianças que Javé foi estabelecendo
com os antigos patriarcas: Noé, Abraão, Isaac, Jacó. Até que a promessa do
Redentor recaia na casa de Davi.
Chegada a plenitude dos tempos, um anjo do Senhor
anunciou aos homens o cumprimento do plano divino: nasce Jesus, em Nazaré, de
Maria, por obra do Espírito Santo. E Deus provê para seu Filho uma
família, com um pai adotivo, José, e com Maria, a Mãe virginal. Quis o Senhor
que, também nisto, ficasse refletido o modo em que Ele deseja ver nascer e crescer
seus filhos, os homens: dentro de uma instituição estavelmente constituída.
“Os diversos fatos e circunstâncias que rodeiam o
nascimento do Filho de Deus acorrem à nossa recordação, e o olhar se detém na
gruta de Belém, no lar de Nazaré. Maria, José, Jesus Menino, ocupam de um modo
muito especial o centro de nosso coração. Que nos diz, que nos ensina a vida ao
mesmo tempo simples e admirável dessa Sagrada Família?”[4]. A esta pergunta, que nos sugere São
Josemaria, podemos responder com palavras do Compêndio do Catecismo, afirmando
que a família cristã, à imagem da família de Jesus, é também igreja doméstica
porque manifesta a natureza de comunhão e familiar da Igreja como família de
Deus[5].
Pela sua missão natural e sobrenatural, pela sua
origem, pela sua natureza e pelo seu fim, é grande a dignidade da família. Toda
família tem una entidade sagrada e merece a veneração e solicitude de seus
membros, da sociedade civil e da Igreja. Por isso, seria uma trágica corrupção
de sua essência reduzi-la às relações conjugais, ou ao vínculo de sangue entre
pais e filhos, ou a uma espécie de unidade social ou de harmonização de
interesses particulares. São Josemaria insistia em que “devemos trabalhar para
que essas células cristãs da sociedade nasçam e se desenvolvam com afã de
santidade”[6].
O lar há de ser a escola primeira e principal onde
os filhos aprendem e vivem as virtudes humanas e cristãs. O bom exemplo dos
pais, dos irmãos e dos demais componentes do âmbito familiar, refletem-se de
maneira imediata na configuração das relações sociais que cada um dos membros
dessa família estabelece. Não é casual, portanto, o interesse da Igreja pelo
adequado desenvolvimento dessa escola de virtudes que há de ser o lar. Mas não
é este o único interesse: mediante a colaboração generosa dos pais cristãos com
o desígnio divino, Deus mesmo “aumenta e enriquece sua própria família”[7], multiplica-se em número e virtude o Corpo
Místico de Cristo sobre a terra, e oferece-se a partir dos lares cristãos uma
oblação especialmente grata ao Senhor[8].
A realidade familiar baseia-se em direitos e
deveres. Antes de tudo as obrigações: todos seus membros devem ter consciência
clara da dignidade dessa comunidade que formam e da missão que está chamada a
realizar. Cada um deve cumprir seus deveres com um vivo sentido de
responsabilidade, à custa dos sacrifícios que sejam precisos. Quanto aos
direitos, a família reclama o respeito e a atenção do Estado por um duplo
título: é a família que lhe deu origem, e porque a sociedade será o que forem
as famílias[9].
Para cumprir todos estes deveres, é indispensável
que os membros da família tornem sobrenatural seu afeto, como a família está
elevada à ordem sobrenatural. Deste amor — suave e exigente ao mesmo tempo —
brotam essas delicadezas que fazem da vida de família uma antecipação do Céu.
“O matrimônio baseado em um amor exclusivo e definitivo converte-se no ícone da
relação de Deus com um povo, e, vice-versa, o modo de amor de Deus converte-se
na medida do amor humano”[10].
Nos momentos atuais da vida da sociedade, faz-se
especialmente urgente voltar a inculcar o sentido cristão no seio de tantos
lares. A tarefa não é simples, mas é, sim, apaixonante. Para contribuir com
esta imensa obra, que se identifica com a de voltar a dar tom cristão à
sociedade, cada um há de começar por “varrer” a própria casa.
Adquire então particular importância na consecução
deste projeto a educação dos filhos, aspecto fundamental da vida familiar. Para
responder a este grande propósito - educar numa sociedade em boa medida
descristianizada - convém recordar duas verdades fundamentais: “A primeira é
que o homem está chamado a viver na verdade e no amor. A segunda é que cada
homem realiza-se mediante a entrega sincera de si mesmo”[11]. Na educação estão implicados tanto os
filhos como os pais, primeiros educadores, de modo que só se pode dar na
“recíproca comunhão das pessoas”; o educador, de algum modo “engendra” em
sentido espiritual, e segundo “esta perspectiva, a educação pode ser
considerada um verdadeiro apostolado. É uma comunicação vital, que não só
estabelece uma relação profunda entre educador e educando, mas que faz ambos
participarem na verdade e no amor, meta final a que está chamado todo homem por
parte de Deus Pai, Filho e Espírito Santo”[12].
* Artigo publicado em “Romana”, boletim da
Prelazia.
[1] 1. Gn 2, 7.
[2] Cfr. Gn 1, 31.
[3] Cfr. Gn 1, 27.
[4] SÃO JOSEMARIA, É Cristo que
passa, n. 22.
[5] Cfr. Compêndio do Catecismo da Igreja
Católica, n. 350.
[6] SÃO JOSEMARIA, Entrevistas,
n. 91.
[7] CONCÍLIO VATICANO II, Const. past. Gaudium
et spes, n. 50.
[8] Cfr. Compêndio do Catecismo da Igreja
Católica, n. 188.
[9][9] Cfr. Compêndio do Catecismo da Igreja
Católica, n. 457-462.
[10] BENTO XVI, Enc. Deus caritas
est, n. 11.
[11] JOÃO PAULO II, Carta às famílias
(2-II-1994), n. 16
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