Natal: uma grata dependência de Cristo
A mensagem para os leitores de 30Dias de sua graça Rowan Williams, arcebispo de Canterbury.
pelo arcebispo de Canterbury, Rowan Williams
Fala-se muito hoje
daqueles que preferem “espiritualidade” a “religião”. E a maior parte de nós
entende alguma coisa do que significa essa posição. Representa uma revolta
contra a ideia de que nós, seres humanos, somos salvos ou transfigurados apenas
pela adesão à vida de uma instituição e a um conjunto de afirmações ou de
teorias.
Mas dessa forma
existe o perigo de reduzir a fé a uma série de experiências que nos fazem
sentir melhor, com a consequência de que não haveria nenhuma verdade universal,
nenhuma revolução na vida dos homens que salve de uma vez por todas, só uma
sucessão de experimentos “espirituais”, que amplia a nossa sensibilidade, mas não
nos leva para dentro de um mundo novo. De certa forma, precisamos de uma
linguagem que nos possa conduzir para além da inútil polarização entre esses
dois termos, uma linguagem de nova criação e uma prática de vida nova com novas
relações.
Falar com verdade
da Igreja é, nesse sentido, ir além tanto da religião quanto
da espiritualidade. A Igreja não existe para providenciar experiências
fantásticas (de modo que você possa abandoná-la quando essas experiências se
esgotam); a Igreja não é tampouco uma instituição com regras e convicções
compartilhadas.
A Igreja é a condição
de ser um com Jesus Cristo, ou seja, o dom de sermos livres para rezar a Sua
oração e para compartilhar a Sua vida, para respirar o Seu respiro.
E nós celebramos o
Natal porque essa nova condição de vida depende absoluta e unicamente do fato
de que um menino nasceu há dois mil anos no Oriente Médio. Não depende do
desenvolvimento positivo de novas técnicas que nos ajudem a nos sentir
melhor; não depende tampouco da revelação de um conjunto de
teoremas. Começa com uma criança indefesa que ainda não fala; porque é em
relação a essa frágil vida de homem que todo ser humano encontrará em última
análise o seu verdadeiro destino.
Em comparação tanto
com o fascínio de experiências emocionantes quanto com a segurança de
convicções inabaláveis, por si só isso pode parecer um tanto frágil. No
entanto, na medida em que põe a verdadeira fonte da vida e da esperança
completamente fora do âmbito do esforço e da organização humanos, nos desafia a
confiar num fundamento incomparavelmente mais estável e menos mutável: a ação e
a promessa de Deus, o Verbo de Deus que faz que a vida divina viva na vida da
criação e sobretudo na vida desse menino recém-nascido.
O conflito entre uma
vida de relação na comunhão do Corpo de Cristo e o âmbito tanto da
“espiritualidade” quanto da “religião” foi resolvido já mil e setecentos anos
atrás por Santo Agostinho, quando escreveu as Confissões. Ele
descreve suas aventuras “espirituais”, primeiramente dentro de uma organização
herética com dogmas bem definidos que não aceitava nenhuma verificação
intelectual, depois como especialista em meditação e numa espécie de
misticismo. E ele nos fala de modo comovente da frustração profunda que sentiu,
ao vislumbrar de longe o reino da verdade e da paz eterna.
Mas diz que o
problema subjacente era que em tudo isso ele nunca se libertara da obsessão de
seu eu, de seu orgulho. “Não era ainda bastante humilde para reconhecer o
humilde Jesus Cristo como meu Mestre”, diz. E, numa das imagens mais grandiosas
de toda a sua obra, ele fala de como Cristo, vindo a nós na carne, nos impede
de dar passos presunçosos para a descoberta da verdade com base apenas em
nossos esforços. Nós paramos de repente em nosso percurso, “por vermos aos
nossos pés uma divindade frágil, tornada frágil pela comparticipação ‘da túnica
de pele’ que vestimos. Exaustos jogamo-nos sobre esta frágil vida divina de
modo que quando essa se erguer também nós nos ergueremos” (Confissões VII,
18, 24).
Esquecendo aspirações espirituais e correção religiosa, somos convidados pelo evangelho do Natal simplesmente a fazer isto: a nos deixar cair, em nosso humano cansaço, na terra do amor divino, amor divino que se fez indefeso e frágil de modo a poder pôr em crise a nossa vã confiança em nós mesmos. Assim renovados, contra toda presumível expectativa, nos elevamos para a vida da grata dependência de Cristo e de um em relação ao outro, para a comunhão do mútuo dom sem fim.
+ Rowan Canterbury
Fonte: http://www.30giorni.it/
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