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Dom Jacinto Bergmann | CNBB |
O POTE SEM FLOR
Dom
Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas (RS)
Um
valor que me foi transmitido pelos meus saudosos pais e que agradeço
cotidianamente é o da honestidade. Se eles ainda vivessem nos dias de hoje,
certamente jamais “entenderiam” a desonestidade que impera inescrupulosamente.
Ser “honesto” já quase virou sinônimo de ser “trouxa”!
Honestidade
é a palavra e a realidade que indicam a qualidade de ser verdadeiro: não
mentir, não fraudar, não enganar. Quanto à etimologia, a palavra honestidade
vem do latim honos/honestitas, que traduz a qualidade do que é honesto.
Portanto, honestidade faz referência àquele ou àquela que é decente,
razoável, íntegro(a), recatado(a), reservado(a), justo(a), probo(a),
reto(a), verdadeiro(a), sincero (a), honrado(a)… pode-se ainda acrescentar mais
facetas. Em outras palavras, a honestidade constitui uma qualidade humana que
consiste em comportar-se e expressar-se com sinceridade e coerência,
respeitando os valores da verdade e justiça.
O
filósofo chinês Confúcio (551 a.C.-479 a.C.) já apresentou uma diferença
progressiva da honestidade em três níveis. Em outras palavras próprias dele,
podemos classificar assim os três níveis: o primeiro nível, denominado Li, é a honestidade consigo mesmo, pois, fundamentados nas
Sagradas Escrituras Cristãs, cada ser humano é “feito à imagem e semelhança de
Deus”; o segundo nível, denominado Yi, é a honestidade consigo e com os outros, porque, também,
baseados nas Sagradas Escritura Cristãs, somos todos “filhos de Deus e irmãos
uns dos outros”; e o terceiro nível, denominado Ren, é a
honestidade consigo mesmo, com os outros e com Deus, pois, igualmente,
iluminados pela Palavra de Deus, temos clareza que somos co-criadores do Senhor
da Vida e, por isso mesmo, responsáveis honestos pelo cuidado da vida da “Casa
Comum” e responsáveis honestos pela verdade e justiça, pela ética e paz da
civilização que estamos construindo.
As perguntas que se
impõem neste momento da reflexão: vale a pena ser honesto? Vale a pena
remar contra a maré alta da desonestidade? Nada melhor para responder as
perguntas é trazer presente uma fábula: “Há muito tempo, na China, vivia um
menino chamado Ping, que adorava flores. Tudo o que ele plantava, florescia
maravilhosamente. O Imperador gostava muito de pássaros e outros animais, mas o
que ele mais apreciava eram as flores. Acontece que o Imperador estava muito velho e precisava escolher
um sucessor. Quem poderia herdar seu trono? Como fazer essa escolha? Já que gostava muito de flores, o
Imperador resolveu deixar as flores escolherem. No dia seguinte ele mandou anunciar que todas as crianças do reino
deveriam comparecer ao palácio. Cada uma delas receberia do Imperador uma
semente especial. – “Quem provar que fez o melhor possível com a semente dentro
de um ano” – declarou ele – “será meu sucessor”. A notícia provocou muita agitação! Crianças do país inteiro
dirigiram-se ao palácio para pegar suas sementes de flores. Ping recebeu sua semente do Imperador e ficou felicíssimo. Tinha certeza de que seria capaz de cultivar a flor mais bonita de
todas. Ping encheu um vaso com terra de boa qualidade
e plantou a semente com muito cuidado. Todos os dias ele regava o
vaso. Mal podia esperar o broto surgir, crescer e depois dar uma linda flor! Os dias se passavam, mas nada crescia no vaso. Ping começou a ficar preocupado. Pôs terra nova e melhor num vaso
maior. Depois transplantou a semente para aquela
terra escura e fértil. Esperou mais dois meses, e nada
aconteceu. Assim se passou o ano inteiro. Chegou a primavera e todas as crianças vestiram suas melhores
roupas para irem cumprimentar o Imperador. Então
correram ao palácio com suas lindas flores, ansiosas por serem escolhidas. Ping estava com vergonha de seu vaso sem flor. Achou que as outras
crianças zombariam dele porque pela primeira vez na vida não tinha conseguido
cultivar uma flor. Seu amigo apareceu correndo,
trazendo uma planta enorme. – Ping – ele disse -, você vai
mesmo se apresentar ao Imperador levando um vaso sem flor? Por que não cultivou uma flor bem grande, como a minha? – “Eu já cultivei muitas flores melhores do que a sua” – disse
Ping. “Foi essa semente que não deu nada”. O pai de Ping ouviu a conversa e disse: – “Você fez o melhor que
pôde, e o melhor possível deve ser apresentado ao Imperador”. Ping dirigiu-se ao palácio levando o vaso sem flor. O Imperador estava examinando as flores vagarosamente, uma por
uma. Como eram bonitas! Mas o Imperador estava muito sério
e não dizia uma palavra. Finalmente chegou a vez de
Ping. O menino estava envergonhado, esperando um castigo. O Imperador perguntou: – Por que você trouxe um vaso sem flor? Ping começou a chorar e respondeu: – Eu plantei a semente que o senhor me deu e a reguei todos os
dias, mas ela não brotou. Eu coloquei num vaso maior com terra melhor, e mesmo
assim ela não brotou. Eu cuidei dela o ano todo, mas não deu nada. Por isso
hoje eu trouxe um pote vazio. Foi o melhor que eu pude fazer. Quando o Imperador ouviu essas palavras, um sorriso foi se abrindo
em seu rosto, e ele abraçou Ping. Então declarou para todos ouvirem: – “Encontrei! Encontrei alguém que merece ser Imperador. Não sei onde vocês conseguiram essas sementes, pois as que eu lhes
dei estavam todas queimadas. Nenhuma delas poderia ter brotado. Admiro a coragem de Ping, que apareceu diante de mim trazendo a
pura verdade. Ele foi ‘honesto’! Vou recompensá-lo com meu reino
inteiro e torná-lo imperador deste país”.
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