Dom Jacinto Bergmann | CNBB Sul 3 |
SEM LEALDADE SÓ CHORO
Dom
Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas (RS)
Há
mais tempo já desejava escrever algo sobre a “lealdade”. Lendo nos últimos dias
a Fábula do “Lenhador e a Raposa”, ficou maduro o meu desejo de discorrer sobre
a “lealdade”. Fiquemos primeiro com a Fábula: Era uma vez um lenhador
que acordava bem cedinho, aos primeiros raios do sol. Trabalhava o dia inteiro,
cortando lenha, e só parava no fim da tarde. Ele tinha uma bela filha pequena e
uma raposa, sua amiga, a qual tratava como bicho de estimação e era de sua
total lealdade. Todos os dias o lenhador saia para trabalhar e deixava a raposa
brincando com sua filhinha. Todas as noites, ao retornar do trabalho, a raposa
ficava feliz com sua chegada. Os vizinhos do lenhador, porém, alertavam-no e
diziam-lhe que a raposa era um bicho, um animal selvagem e, portanto, não era
digna de confiança. O lenhador, sempre retrucando com os vizinhos, falava que
isso era uma grande bobagem, que a raposa era sua amiga e jamais faria algo de
ruim. Os vizinhos insistiam: – “Lenhador, abra os olhos! A raposa vai devorar
sua filhinha. Quando sentir fome, comerá a criança”. Um dia, o lenhador exausto
por causa do serviço pesado, ao chegar em casa viu a raposa, abanando a cauda,
feliz como sempre, saindo do quarto da criança e, ao lado da porta, um rastro
de sangue. O animal tinha a boca totalmente ensanguentada. O lenhador tremeu,
suou frio e, sem pensar duas vezes, acertou uma machadada na cabeça da raposa.
Ao entrar no quarto, desesperado, encontrou sua filhinha no berço, dormindo
tranquilamente e, ao lado do berço, uma cobra gigante já morta. O lenhador
enterrou o machado e a raposa juntos. E chorou. Chorou. Chorou muito.
Pretendo
trazer a reflexão sobre a lealdade, inspirando-me nas Sagradas Escrituras.
Vamos, primeiramente, para o significado do termo “leal” nas duas línguas originais
da Bíblia – hebraico para o Antigo Testamento e grego para o Novo Testamento.
Assim, a palavra lealdade no hebraico – ‘emun, significa
“estabelecido”, “confiável”, “fiel”, “verdadeiro…”, também de forma abstrata
significa “confiabilidade”. ‘Emun deriva da palavra, ‘aman, uma
raiz primitiva que significa “construir”, “dar suporte a”, “sustentar”, “adotar
como um pai cuidador…”, figurativamente significa “ajudar”, “estar firme com”,
“ser fiel a”, “confiar”, “crer”, “ser permanente…”, moralmente significa “ser
verdadeiro”, “ser certo”. A palavra lealdade em grego é “pistós”, significa
“digno de confiança”, “confiável”, “fiel”, “verdadeiro”. Exatamente o
significado de ‘emun (hebraico) e pistós (grego) é o mesmo.
Tanto
a língua hebraica como a grega sempre nos levam a uma realidade para cada
palavra. Então, a partir do significado bíblico de “leal”, nós temos três
princípios bíblicos que refletem a realidade da lealdade: a
confiabilidade, a fidelidade e a verdade em relação a Deus e ao
próximo. Esses três princípios nos deixam três testes a respeito da nossa
lealdade: O primeiro teste deve responder à pergunta: Deus e o
próximo podem confiar em mim? O segundo precisa
responder à questão: Sou fiel a Deus e ao próximo que confiam em
mim? O terceiro precisa responder a indagação: O meu coração está
verdadeiramente envolvido na obra de Deus e do próximo?
Com
esses três princípios da lealdade é possível criar aliança com Deus e com o
próximo. Não há aliança sem ser confiável, sem ser fiel, sem ser verdadeira.
Com o princípio da confiabilidade é possível crer na aliança – somos
confiáveis; com o princípio da fidelidade é possível sustentar a aliança –
somos fiéis; com o princípio da verdade é possível cimentar a aliança – somos
verdadeiros. É maravilhoso oferecer lealdade e receber lealdade: quem é leal
está presente para fortalecer aquele a quem empenha a sua lealdade; quem é leal
investe com amor no crescimento daquele a quem ele é leal; quem é leal tem como
precioso aquele a quem ele é leal.
A
humanidade parece caminhar sempre mais para uma situação de deslealdade. Quanto
mais ela se afasta dos valores transcendentes mais os interesses individuais
vigoram nas relações. E, então, adeus lealdade!
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